sábado, 14 de novembro de 2015
quarta-feira, 22 de julho de 2015
Fernado Pessoa
Meu pensamento é um rio subterrâneo.
Para que terras vai e donde vem?
Não sei... Na noite em que o meu ser o tem
Emerge dele um ruído subitâneo
De origens no Mistério extraviadas
De eu compreendê-las..., misteriosas fontes
Habitando a distância de ermos montes
Onde os momentos são a Deus chegados...
De vez em quando luze em minha mágoa
Como um farol num mar desconhecido
Um movimento de correr, perdido
Em mim, um pálido soluço de água...
E eu relembro de tempos mais antigos
Que a minha consciência da ilusão
Águas divinas percorrendo o chão
De verdores uníssonos e amigos,
E a ideia de uma Pátria anterior
À forma consciente do meu ser
Dói‑me no que desejo, e vem bater
Como uma onda de encontro à minha dor.
Escuto‑o... Ao longe, no meu vago tacto
Da minha alma, perdido som incerto,
Como um eterno rio indescoberto,
Mais que a ideia de rio certo e abstracto...
E p'ra onde é que ele vai, que se extravia
Do meu ouvi‑lo ? A que cavernas desce?
Em que frios de Assombro é que arrefece?
De que névoas soturnas se anuvia?
Não sei... Eu perco‑o... E outra vez regressa
A luz e a cor do mundo claro e actual,
E na interior distância do meu Real
Como se a alma acabasse, o rio cessa...
Para que terras vai e donde vem?
Não sei... Na noite em que o meu ser o tem
Emerge dele um ruído subitâneo
De origens no Mistério extraviadas
De eu compreendê-las..., misteriosas fontes
Habitando a distância de ermos montes
Onde os momentos são a Deus chegados...
De vez em quando luze em minha mágoa
Como um farol num mar desconhecido
Um movimento de correr, perdido
Em mim, um pálido soluço de água...
E eu relembro de tempos mais antigos
Que a minha consciência da ilusão
Águas divinas percorrendo o chão
De verdores uníssonos e amigos,
E a ideia de uma Pátria anterior
À forma consciente do meu ser
Dói‑me no que desejo, e vem bater
Como uma onda de encontro à minha dor.
Escuto‑o... Ao longe, no meu vago tacto
Da minha alma, perdido som incerto,
Como um eterno rio indescoberto,
Mais que a ideia de rio certo e abstracto...
E p'ra onde é que ele vai, que se extravia
Do meu ouvi‑lo ? A que cavernas desce?
Em que frios de Assombro é que arrefece?
De que névoas soturnas se anuvia?
Não sei... Eu perco‑o... E outra vez regressa
A luz e a cor do mundo claro e actual,
E na interior distância do meu Real
Como se a alma acabasse, o rio cessa...
5-11-1914

segunda-feira, 20 de julho de 2015
sábado, 18 de julho de 2015
António Nobre - Ao Mar
(SONETO ANTIGO)
Ó meu amigo Mar, meu companheiroDe infancia! dos meus tempos de collegio,
Quando p'ra vir nadar como um poveiro
Eu gazeava á lição do mestre-regio!
Recordas-te de mim, do Anto trigueiro?
(O contrario seria um sacrilegio)
Lembras-te ainda d'esse marinheiro
De boina e de cachimbo? Ó mar protege-o!
Que tua mão oceanica me ajude,
Leva-me sempre pelo bom caminho,
Não me faltes nas horas de afflicção.
Dá-me talento e paz, dá-me saude,
Que um dia eu possa emfim, poeta velhinho!
Trazer meus netos a beijar-te a mão...

quinta-feira, 16 de julho de 2015
segunda-feira, 13 de julho de 2015
José Chaves Cruz - Embarcações no Tejo
![]() |
José Chaves Cruz fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico |
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José Chaves Cruz fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico |
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José Chaves Cruz fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico |
sábado, 11 de julho de 2015
quinta-feira, 2 de julho de 2015
sexta-feira, 26 de junho de 2015
sexta-feira, 19 de junho de 2015
Sebastião da Gama - O Cais
Já o cais não é de pedra,...
de tanto sentir o Mar.
Já não é, a pedra, lisa:
já ganha forma de velas
pandas de vento e de orgulho;
já deixou de ser branquinha
p'ra ser azul como as águas.
Já o cordame, que sonha
noite e dia sobre o cais,
o tem o sonho mudado
em algas prenhes de iodo.
Degraus de pedra se animam
e pelas ondas se atrevem
-botes sem mestre, perdidos,
sem outro leme que o gosto
de ir pelas ondas adentro.
Marujos que o nunca foram,
assentadinhos no cais
desde a hora de nascer,
quem foi que disse que tinham
raízes naquelas pedras?
- Já lhes despontam nas costas,
já por ares e mares os levam,
asas leves de gaivota.
Cada traineira que passa
convida o cais a sair.
Já o cais não é de pedra.
O sal moldou-lhe uma quilha,
as ondas o encurvaram,
os limos o arrastaram
p'ra lá de todo o limite,
e o cais cedeu ao convite
de ser um barco sem mestre.
Lá vai perdido nas ondas
e não lhe importa a chegada.
Deitou a bússola ao Mar.
Fez uma estaca do leme,
que atesta o sítio em que foi.
Voltou as costas à terra
e o seu destino cumpriu-se,
que era partir e mais nada.
Sebastião da Gama, Pelo Campo Aberto, Edições Arrábida
de tanto sentir o Mar.
Já não é, a pedra, lisa:
já ganha forma de velas
pandas de vento e de orgulho;
já deixou de ser branquinha
p'ra ser azul como as águas.
Já o cordame, que sonha
noite e dia sobre o cais,
o tem o sonho mudado
em algas prenhes de iodo.
Degraus de pedra se animam
e pelas ondas se atrevem
-botes sem mestre, perdidos,
sem outro leme que o gosto
de ir pelas ondas adentro.
Marujos que o nunca foram,
assentadinhos no cais
desde a hora de nascer,
quem foi que disse que tinham
raízes naquelas pedras?
- Já lhes despontam nas costas,
já por ares e mares os levam,
asas leves de gaivota.
Cada traineira que passa
convida o cais a sair.
Já o cais não é de pedra.
O sal moldou-lhe uma quilha,
as ondas o encurvaram,
os limos o arrastaram
p'ra lá de todo o limite,
e o cais cedeu ao convite
de ser um barco sem mestre.
Lá vai perdido nas ondas
e não lhe importa a chegada.
Deitou a bússola ao Mar.
Fez uma estaca do leme,
que atesta o sítio em que foi.
Voltou as costas à terra
e o seu destino cumpriu-se,
que era partir e mais nada.
Sebastião da Gama, Pelo Campo Aberto, Edições Arrábida
sábado, 30 de maio de 2015
António Barahona - MISTÉRIO DO SOM
III
A linguagem dos búzios
ensina a soletrar silêncio,
a fim de escrutar dentro de nós os
nomes ditos em segrêdo submarino.
Só reconheço que sou sábio neste
mistério, o que equivale a re-
conhecer que não sei nada, nem en-
tendo nada de nada mesmo que
seja tudo, pois só entendo o Todo.
António Barahona, O SOM DO SÔPRO, Poesia Incompleta
terça-feira, 5 de maio de 2015
quinta-feira, 2 de abril de 2015
sexta-feira, 27 de março de 2015
AFONSO LOPES VIEIRA - ESPUMA
![]() |
António Carneiro, retrato de Afonso Lopes Vieira, 1912. |
Mais leve que a pluma
que no ar balança,
pela praia dança
a ligeira espuma.
Dançando se afaga
no alado bailar!
Pétalas da vaga,
poeira do mar…
Espuma de neve,
ergue-a num momento
a curiosa e leve,
vaga mão do vento.
Mas o vento, achando
que da mão lhe escorre,
com ela brincando
pela praia corre…
Eis se ergue e dissolve,
coisa láctea e pura,
onde o luar se envolve
na fervente alvura.
Espuma levada
das águas ao rés,
renda evaporada,
jóia das marés!
Grácil mimo e flor
de femínea graça.
que efémera passa
no eterno esplendor.
Em meus dedos, ágil,
um momento tive-a,
e na morte nívea
se me evola frágil.
Mais leve que a pluma
que no ar ondeia,
pela fina areia
baila, aérea, a espuma.
E na dança etérea,
que impalpável ronda!
Bafo da matéria,
penugem da onda…
Os Versos de Afonso Lopes Vieira, Lisboa, Sociedade Editora Portugal-Brasil, 1927
ergue-a num momento
a curiosa e leve,
vaga mão do vento.
Mas o vento, achando
que da mão lhe escorre,
com ela brincando
pela praia corre…
Eis se ergue e dissolve,
coisa láctea e pura,
onde o luar se envolve
na fervente alvura.
Espuma levada
das águas ao rés,
renda evaporada,
jóia das marés!
Grácil mimo e flor
de femínea graça.
que efémera passa
no eterno esplendor.
Em meus dedos, ágil,
um momento tive-a,
e na morte nívea
se me evola frágil.
Mais leve que a pluma
que no ar ondeia,
pela fina areia
baila, aérea, a espuma.
E na dança etérea,
que impalpável ronda!
Bafo da matéria,
penugem da onda…
Os Versos de Afonso Lopes Vieira, Lisboa, Sociedade Editora Portugal-Brasil, 1927
segunda-feira, 23 de março de 2015
Luís Miguel Nava - FALÉSIAS
Poder-me-ão encontrar, trago um rapaz na minha
memória, a casa a uma janela
da qual ele vem como um sabor à boca,
falésias onde o aguardo à hora do crepúsculo.
Regresso assim ao mar de que não posso
falar sem recorrer ao fogo e as tempestades
ao longe multiplicam-nos os passos.
Onde eu não sonhe a solidão fá-lo por mim.
memória, a casa a uma janela
da qual ele vem como um sabor à boca,
falésias onde o aguardo à hora do crepúsculo.
Regresso assim ao mar de que não posso
falar sem recorrer ao fogo e as tempestades
ao longe multiplicam-nos os passos.
Onde eu não sonhe a solidão fá-lo por mim.
quinta-feira, 12 de março de 2015
Luís Miguel Nava - Sem outro Intuito
à água para o silêncio vir à tona.
O mundo, que os sentidos tonificam,
surgia-nos então todo enterrado
na nossa própria carne, envolto
por vezes em ferozes transparências
que as pedras acirravam
sem outro intuito além do de extraírem
às águas o silêncio que as unia.
Luís Miguel Nava, in 'Vulcão'
quarta-feira, 11 de março de 2015
PERO MEOGO - Levou-s’a louçana, levou-s’a velida:
Levou-s’a louçana, levou-s’a velida:
vai lavar cabelos, na fontana fria.
Leda dos amores, dos amores leda.
Levou-s’a velida, Levou-s’a louçana:
vai lavar cabelos, na fria fontana.
Leda dos amores, dos amores leda.
Vai lavar cabelos, na fontana fria:
passou seu amigo, que lhi bem queria.
Leda dos amores, dos amores leda.
Vai lavar cabelos, na fria fontana:
passa seu amigo, que a muit’amava.
Leda dos amores, dos amores leda.
Passa seu amigo, que lhi bem queria:
o cervo do monte a augua volvia.
Leda dos amores, dos amores leda.
Passa seu amigo, que a muit’amava:
o cervo do monte volvia a augua.
Leda dos amores, dos amores leda.
terça-feira, 10 de março de 2015
ANTERO DE QUENTAL - OCEANO NOX
A A. de Azevedo Castelo Branco
Junto do mar, que erguia gravemente
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vôo do pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,
Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente...
Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que idéia gravitais?
Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...
in: Antero de Quental, Sonetos, Livraria Sá da Costa Editora, 1979
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vôo do pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,
Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente...
Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que idéia gravitais?
Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...
in: Antero de Quental, Sonetos, Livraria Sá da Costa Editora, 1979
CAMILO PESSANHA - CANÇÃO DA PARTIDA
Ao meu coração um peso de ferro
Eu hei-de prender na volta do mar.
Ao meu coração um peso de ferro...
Lançá-lo ao mar
Quem vai embarcar, que vai degredado,
As penas do amor não queira levar...
Marujos, erguei o cofre pesado,
Lançai-o ao mar.
E hei de mercar um fecho de prata.
O meu coração é o cofre selado.
A sete chaves: tem dentro uma carta...
— A última, de antes do teu noivado.
A sete chaves — a carta encantada!
E um lenço bordado... Esse hei-de o levar,
Que é para molhar na água salgada
No dia em que enfim deixar de chorar.
in: Camilo
Pessanha, Clepsidra, Lisboa,
Ática, 1992
sexta-feira, 6 de março de 2015
Sebastião da Gama - Raiz
Tanto dissemos tu e eu, tanta palavra!...
E os enganos, as lutas, as promessas...
Como tudo vai longe! Como tudo foi útil e preciso!
Olha, vem à janela... Lá em baixo no largo,
brincam, junto da fonte, os moços e as meninas.
Alegres todos, riem. Nem reparam
como é triste uma fonte que não corre.
O que hão-de eles saber ?! Têm cinco, seis anos...
Da janela
vemo-los bem. Vem à janela olhá-los,
felizes como nós...
Arrábida, Novembro de 51
in: Sebastião da Gama, Pelo Sonho É Que Vamos, Edições Arrábida
E os enganos, as lutas, as promessas...
Como tudo vai longe! Como tudo foi útil e preciso!
Olha, vem à janela... Lá em baixo no largo,
brincam, junto da fonte, os moços e as meninas.
Alegres todos, riem. Nem reparam
como é triste uma fonte que não corre.
O que hão-de eles saber ?! Têm cinco, seis anos...
Da janela
vemo-los bem. Vem à janela olhá-los,
felizes como nós...
Arrábida, Novembro de 51
in: Sebastião da Gama, Pelo Sonho É Que Vamos, Edições Arrábida
quinta-feira, 5 de março de 2015
Raul Brandão - MULHERES
«Outra
vez rebuliço — agora é na fonte. Balbúrdia. Algumas são desbocadas, e
aquela no auge da fúria curva‑se e bate palmadasem certo sítio, sobre as
saias — quando não faz pior e o mostra… Então o barulho ensurdece. —
Bateste no meu filho, grande porca! — Arrolada! — diz a outra. Arrolada é
a pior de todas as injúrias… Dois cântaros partidos nas cabeças. A água
inunda‑as e refresca‑as. E tudo volta ao silêncio. Só se ouve cantar
nos tanques e o bater compassado da onda no cais. Aí tornam a passar as
raparigas, com o cântaro à cabeça, a mão na cinta, e um fio húmido a
escorrer‑lhes pela cara, apesar da cortiça que usam à superfície da
água, para não se espalhar o líquido…»
in: Raul Brandão, Os Pescadores, ed. Vítor Viçoso e Luis Manuel Gaspar, Lisboa, Relógio D'Água, 2014
in: Raul Brandão, Os Pescadores, ed. Vítor Viçoso e Luis Manuel Gaspar, Lisboa, Relógio D'Água, 2014
quarta-feira, 4 de março de 2015
ANTÓNIO OSÓRIO - O HIDRÓMETRA
Quando media
o débito da água
antes
no furo artesiano
lavava o rosto
e bebia.
o débito da água
antes
no furo artesiano
lavava o rosto
e bebia.
De sua Mãe
se lembrava, devolvendo-o
(chuva) ao mundo.
se lembrava, devolvendo-o
(chuva) ao mundo.
terça-feira, 24 de fevereiro de 2015
Nausica
(Versão de Traz os Montes)
Manhanita de São João,
Pela manhã de alvorada,
Jesus Christo se passeia;
Ao redor da fonte clara,
Por sua boca dizia,
Por sua boca falava:
-- Esta agua fica benta,
e a fonte fica sagrada.
Ouviu-o a filha de el rei
D'altas torres d'onde estava;
Vestiu suas meias de seda,
Calçou sapatos de prata,
Pegou num cantaro de ouro
Á fonte foi buscar agua.
Lá no meio do caminho
Com a Virgem se encontrava;
Atreveu-se e Perguntor-lhe
Se havia de ser casada?
Casadinha haveis de ser,
muito bem afortunada;
Tres filhos haveis de ter,
Todos de capa e espada;
Um será bispo de Roma
E outro cardeal em Braga
O mais novo d'elles todos
Servo da Virgem sagrada
Ditosa a donzelinha
Que foi á fonte que foi buscar água.
Teófilo Braga, Romanceiro Geral Português, 2ª edição
A moça da fonte
(Versão de Traz os Montes da Nausica)
Minha mãe mandou-me á fonte,
Á fonte do Salgueirinho;
Mandou-me lavar o cantaro
Com a flôr do rosmaninho.
Eu lavei-o com areia
E quebrei-lhe um bocadinho.
-- Anda cá, perra
Onde tinhas o sentido?
Não o tinhas tu na roca,
Nem tão pouco no sarilho,
Tinha-lo n'aquelle magano
Que anda de amores contigo.
«-- Ó minha mãe não me bata,
Com varas de marmeleiro,
Que eu estou muito doentinha,
Mande chamar o barbeiro,»
-- O barbeiro já alli vem,
Com a lanceta na mão,
Para sangrar a menina,
Na veia do coração.
-- Mal o hajas, tu, barbeiro,
E mais a tua navalha
Fôste sangrar a menina,
Na veia mais delicada.
Teófilo Braga, Romanceiro Geral Português, 2ª edição
Minha mãe mandou-me á fonte,
Á fonte do Salgueirinho;
Mandou-me lavar o cantaro
Com a flôr do rosmaninho.
Eu lavei-o com areia
E quebrei-lhe um bocadinho.
-- Anda cá, perra
Onde tinhas o sentido?
Não o tinhas tu na roca,
Nem tão pouco no sarilho,
Tinha-lo n'aquelle magano
Que anda de amores contigo.
«-- Ó minha mãe não me bata,
Com varas de marmeleiro,
Que eu estou muito doentinha,
Mande chamar o barbeiro,»
-- O barbeiro já alli vem,
Com a lanceta na mão,
Para sangrar a menina,
Na veia do coração.
-- Mal o hajas, tu, barbeiro,
E mais a tua navalha
Fôste sangrar a menina,
Na veia mais delicada.
Teófilo Braga, Romanceiro Geral Português, 2ª edição
Sebastião da Gama - POEMA DEPOIS DA CHUVA
(a Maria Guiomar)
Depois da chuva o Sol -- a graça.Oh! a terra molhada iluminada!
E os regos de água atravessando a praça
-- luz a fluir, num fluir imperceptível quase.
Canta, contente, um pássaro qualquer.
Logo a seguir, nos ramos nus, esvoaça.
O fundo é branco -- cal fresquinha no casario da praça.
Guizos, rodas rodando, vozes claras no ar.
Tão alegre este Sol! Há Deus. (Tivera-O eu negado
antes do Sol, não duvidava agora.)
Ó Tarde virgem, Senhora Aparecida! Ó Tarde igual
às manhãs do princípio!
E tu passaste, flor dos olhos pretos que eu admiro.
Grácil, tão grácil!.. Pura imagem da Tarde...
Flor levada nas águas, mansamente...
(Fluía a luz, num fluir imperceptível quase... )
Estremoz, 12 de Fevereiro de 1951
Publicado em "A Teixeira de Pascoaes"
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015
Afonso Lopes Vieira - FEVEREIRO - A CHUVA
Nesta hora sozinha e pardacenta,
a chuva entra na aldeia...
No ar, cheio de musgo, a luz cinzenta
bruxoleia.
a chuva entra na aldeia...
No ar, cheio de musgo, a luz cinzenta
bruxoleia.
Através da vidraça,
vejo-a que chega: é uma mendiga escura,
trôpega e acurvada. E vem cansada.
Há, nos seus olhos vagos, amargura.
Oiço as suas passadas resignadas,
arrastadas por baixo da janela.
E digo para mim: -- É a chuva.-- E ela,
a triste vellha curva e turva, passa...
No ar, cheio de musgo, a luz cinzenta
bruxoleia.
E a chuva atravessa a aldeia.
Através da vidraça,
onde colei a minha face, agora,
contra o vidro tão baço como o céu,
vejo-a que vai: e vai p'la rua fora...
Não se ouve uma voz. E ninguém passa.
Tudo se sente só: a chuva e eu.
In: Afonso Lopes Vieira, Canções do Vento e do Sol, Ulmeiro, 1983
vejo-a que chega: é uma mendiga escura,
trôpega e acurvada. E vem cansada.
Há, nos seus olhos vagos, amargura.
Oiço as suas passadas resignadas,
arrastadas por baixo da janela.
E digo para mim: -- É a chuva.-- E ela,
a triste vellha curva e turva, passa...
No ar, cheio de musgo, a luz cinzenta
bruxoleia.
E a chuva atravessa a aldeia.
Através da vidraça,
onde colei a minha face, agora,
contra o vidro tão baço como o céu,
vejo-a que vai: e vai p'la rua fora...
Não se ouve uma voz. E ninguém passa.
Tudo se sente só: a chuva e eu.
In: Afonso Lopes Vieira, Canções do Vento e do Sol, Ulmeiro, 1983
terça-feira, 3 de fevereiro de 2015
Branquinho da Fonseca - O Arquipélago das Sereias
Ó nau Catarineta
Em que andei no mar
Por caminhos de ir,
Nunca de voltar!
Veio a tempestade
Perder-se do mundo,
Fez-se o céu infindo,
Fez-se o mar sem fundo!
Ai como era grande
O mundo e a vida Se a nau, tendo estrela,
Vogava perdida!
E que lindas eram
Lá em Portugal
Aquelas meninas
No seu laranjal!
E o cavalo branco
Também lá o via
Que tão belo e alado
Nenhum outro havia!
Mundo que não era,
Terras nunca vistas!
Tive eu de perder-me
Pra que tu existas.
Ó nau Catarineta
Perdida no mar,
Não te percas ainda,
Vem-me cá buscar!
Em que andei no mar
Por caminhos de ir,
Nunca de voltar!
Veio a tempestade
Perder-se do mundo,
Fez-se o céu infindo,
Fez-se o mar sem fundo!
Ai como era grande
O mundo e a vida Se a nau, tendo estrela,
Vogava perdida!
E que lindas eram
Lá em Portugal
Aquelas meninas
No seu laranjal!
E o cavalo branco
Também lá o via
Que tão belo e alado
Nenhum outro havia!
Mundo que não era,
Terras nunca vistas!
Tive eu de perder-me
Pra que tu existas.
Ó nau Catarineta
Perdida no mar,
Não te percas ainda,
Vem-me cá buscar!
Afonso Lopes Vieira - Cantares dos Búzios
Ai ondas do mar, ai ondas,
ó jardins das alvas flores,
sobre vós, ondas, ai ondas,
suspiram os meus amores.
No fundo dos búzios canta
o mar que chora a cantar
ó mar que choras cantando,
eu canto e estou a chorar!
Ai ondas do mar, ai ondas,
eu bem vos quero lembrar:
«a minha alma é só de Deus
e o meu corpo da água do mar!»
ó jardins das alvas flores,
sobre vós, ondas, ai ondas,
suspiram os meus amores.
No fundo dos búzios canta
o mar que chora a cantar
ó mar que choras cantando,
eu canto e estou a chorar!
Ai ondas do mar, ai ondas,
eu bem vos quero lembrar:
«a minha alma é só de Deus
e o meu corpo da água do mar!»
sexta-feira, 30 de janeiro de 2015
quinta-feira, 29 de janeiro de 2015
ANTÓNIO CARNEIRO - AS ALGAS
Quanto tempo vogaram, embaladas
No seio profundíssimo do mar...
E, ao rolá-las na praia, a soluçar
Fica a onda de as ver abandonadas...
A novo beijo da água, de mansinho
As algas se insinuam, no desejo
Saüdoso de voltar; e, num harpejo,
Despede-as o mar, devagarinho...
Fonte de vida eterna, inexaurível,
Sendo só com a vida compatível
— A desse grande túmulo: a Terra,
Voragem pertinaz, assustadora,
Vai o mar rejeitando, hora por hora
Mortes que fez, as mortes que ele encerra.
António Carneiro, 'Solilóquios: Sonetos Póstumos', 1936
As algas se insinuam, no desejo
Saüdoso de voltar; e, num harpejo,
Despede-as o mar, devagarinho...
Fonte de vida eterna, inexaurível,
Sendo só com a vida compatível
— A desse grande túmulo: a Terra,
Voragem pertinaz, assustadora,
Vai o mar rejeitando, hora por hora
Mortes que fez, as mortes que ele encerra.
António Carneiro, 'Solilóquios: Sonetos Póstumos', 1936
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