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domingo, 8 de novembro de 2020

TEÓFILO BRAGA - TEJO, DOURO E GUADIANA




Havia trez rios irmãos, o Tejo, o Guadiana e o Douro, que combinaram deitar-se a dormir, dizendo que o que primeiro acordasse partisse para o mar. O Guadiana foi o primeiro que acordou; escolheu lindos sitios e partiu de seu vagar. O Tejo acordou depois, e como queria chegar primeiro ao mar, largou mais depressa, e já as suas margens não são tão bellas como as d’aquelle. O Douro foi o ultimo que acordou, por isso rompeu por montes e valles, sem se importar com a escolha, e eis porque as suas margens são tristes e pedregosas.



(Mondim da Beira, Famalicão, Porto.)









Teófilo Braga, Contos Tradicionaes do Povo Portuguez, Porto: Livraria Universal de Magalhães e Moniz Editores, 1883



terça-feira, 23 de julho de 2019

MIGUEL MARTINS - P.B.




Ficam os teus olhos a marulhar por aqui
como uma gruta de ecos em que a história persiste
ou conversa que se tem a sós para dentro do vaso
que nos vai girando nas mãos e na roda de oleiro
já sem destinatário ou serventia
senão talvez guardar a nossa dor
na prateleira mais alta da memória,
a da beleza inútil,
a dos versos sem raiva pelo mundo
ou apenas aquela raiva mansa
que votamos ao gemido da rola que nos tolhe a leitura,
antes de demolharmos pão para o seu almoço.

Da última vez que te vi,
ontem ou há cem anos,
o sofrimento e a fadiga,
a fadiga do sofrimento,
não te tinham ainda cansado a alegria
e gosto de pensar que assim tenha sido até ao fim,
que tenhas partido com algum horizonte luminoso
nesses olhos de um azul que inventava os néones
de uma noite de verão impossivelmente gloriosa,
toda ela cinema e juventude.

E eu,
alquebrado, impotente,
indecente e loquaz,
sinto-me culpado pelo pouco motivo disso tudo
e não resisto a dizê-lo à tua campa,
certo de que, como sempre, me absolverás
e, por um par de horas, passearemos na praia,
num canto mal iluminado da cidade.

Não há como o fim para nos lembrar o princípio,
que pode ser no meio, cada cintilação,
cada metro galgado às cavalitas do sonho,
numa confusão de pés e mãos e todos num só corpo,
o cardume da noite,
um barco humano
no meio de um oceano que é só Tejo
ou a voz misteriosa,
o ruído branco,
talvez negro,
certamente cinzento,
que nos adormece
e desperta,
adormece
e desperta,
que nos adormece
e agora
não
.

Miguel Martins
27/03/19


Retirado Daqui: 

terça-feira, 9 de julho de 2019

quinta-feira, 26 de julho de 2018




Bartolomeu Cid dos Santos, Nocturno, 1988



Bartolomeu Cid dos Santos, Ode Marítima I, 1988



Bartolomeu Cid dos Santos, Ode Marítima VI, 1988
 DAQUI  E  DAQUI

sexta-feira, 15 de junho de 2018

António Botto - Os Barcos Do Rio Tejo






«Os Barcos do Rio Tejo», versos inéditos de António Botto, 'Revista Municipal', n.º 20-21, 1.º e 2.º trimestre de 1944.
imagem © Hemeroteca Municipal


Via Luis Manuel Gaspar, DAQUI:

quarta-feira, 9 de maio de 2018

David Mourão-Ferreira



Fotografia de  Pepe DinizLisboa — Luzes e Sombras, Metropolitano de Lisboa, 1992.



Parece às vezes que o Tejo
é Tejo sob outro Tejo
como às vezes o desejo
sob o desejo é desejo
Que uma só ponte é a mesma
tanto por cima do Tejo
como por baixo do Tejo
pedras e corpos os mesmos
tão sob e sobre o desejo
como sem desejo mesmo

Mas se isto acontece às vezes
a grande culpa é do Tejo

© Pepe Diniz (fotografias) / David Mourão-Ferreira (poesias), 'Lisboa — Luzes e Sombras', Metropolitano de Lisboa, 1992.



Do facebook de Luis Manuel Gaspar

quinta-feira, 29 de março de 2018

domingo, 28 de janeiro de 2018



«Desembarque dos passageiros das canoas cacilheiras no Cais do Sodré», colecção Legado Seixas, do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico

quinta-feira, 24 de agosto de 2017




Ponte sobre o Tejo, projecto de E. Bartissol e T. Seyrig, O Occidente, n.° 380, 1889
ilustração de  L. Freire [Imagem da Hemeroteca Digital]

[...]

O projecto dá á ponte a extensao de 2310 metros, completando-a com uma linha ferrea que partirá da estação do Rocio a ligar com a do Barreiro, n'um percurso de 15 kilometros e meio.

Do Rocio sahirá a linha em tunnel seguindo em curva para a esquerda, voltando assim de forma a passar quasi sob a praça do Principe Real, e indo desemhocar no valle formado pela rua de S. Bento, perto do palacio das Côrtes.

Atravessa então a rua de S. Bento em linha recta inclinando-se depois novamente para esquerda n'outra curva, e passa por detraz dos Cortes. N'esse ponto a linha será aberta em trincheira e em tunnel, e estabelecer-se-ha a estação da rua de S. Bento.

A calçada da Estrella é atravessada em subterraneo, e o seu transito não será interrompido nem pelos trabalhos nem pela exploração.

Este subterraneo prolongar-se-ha na extensão de 4oo metros, indo a trincheira, que segue, terminar acima da Rocha do Conde d'Obidos.

É facil, diz o sr. Bartissol na sua memoria publicada na "Gazeta ds Caminhos de Ferro", fazer chegar ahi uma estrada que, vindo da esquerda e a direita, communique_com a ponte, pondo d'este modo, em relação directa e facil com ella, o bairro de Buenos-Ayres e a parte baixa da cidade, inferior as Côrtes, como o Conde Barão, etc.

LER CONTINUAÇÃO DO ARTIGO:  AQUI

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Moinhos do Tejo




António Carvalho da Silva Porto, 'O Moinho Gigante', Barreiro, 1887
DAQUI:



António Carvalho da Silva Porto, Moinho do Estêvão [Alcochete], (1885-1887)
 DAQUI:

sábado, 26 de novembro de 2016

GÉNESIS





ilustração de Daniela Gomes


GÉNESIS
Almeida Faria, Helder Moura Pereira, Manuel de Freitas, Rui Miguel Ribeiro, Luis Manuel Gaspar, Inês Dias, Rui Pires Cabral, «Génesis», ilustração de Daniela Gomes, in 'Suroeste — Revista de literaturas ibéricas', n.º 4, Badajoz, 2014

ALMEIDA FARIA
PRIMEIRO DIA

Há trevas à tua volta
trevas só
sobre esta terra
desolada e convulsiva
sem sentido nem fim

As trevas pesam
o dia demora a vir
a terra espera há milénios
o 'homo erectus'
o 'homo heidelbergensis'
o 'homo sapiens'
o homem que deixe
na pedra em rolos de papiro
em tabuinhas em pergaminho
sinais e signos nomeando o mundo
os deuses invisíveis
as sombras
de sombras
do primeiro dia

Abismo e Caos copularam
misturando suas águas
na solidão da escuridão

Outras línguas contariam
outro primeiro dia
no Livro Primeiro
dos cinco quintos:

'Génese'
'Êxodo'
'Levítico'
'Números'
'Deuteronómio'

Torrentes de homens e mulheres
dilúvios devoradores
desde Gilgamesh até Noé

Palavras para a vertigem de um dia
sem sentido nem fim
dia desolado e convulsivo
sobre esta terra de trevas só
à tua volta

***

HELDER MOURA PEREIRA

NÃO VOS LEMBREIS DE MIM NEM DA MINHA DOR

Nem sequer é corpo, não é corpo
que tenha nome, é linha, figura,
mera silhueta, está num quadro
onde tudo é só água, figura lavada
em lágrimas, paisagem de mar vasto
ou rio à beira, ponte, passagem.
A figura é um traço projectado
num horizonte onde ainda não há
estrelas, chegou-se à beira do mar
depois de muito ter pensado
no seu futuro e no passado
de todos nós. Vai anoitecendo,
já quase não contrasta a linha
da silhueta com as margens
das formas e das cores, tem a boca
colada, presa, agrafada, não há
palavras, há o silêncio, sim, e água
a toda a volta, os olhos ainda vêem,
mas pouco, já não é preciso falar
e já quase não é preciso olhar.
A mão que há pouco começara
a ensinar a outra mão a escrever
desiste, também já não vale a pena
escrever. A figura é de um homem
entre tantos, chegou à beira da água
lavado em lágrimas como se estivesse
dentro de um drama, mas não era
bem um drama, a não ser que seja
drama sentir a confusão clara. E agora?
O que se segue agora? Um estrondo
de espuma numa rocha, e outro
estrondo, mais um estrondo, ritmo
do princípio de uma construção,
crescendo, força, decisão. E assim,
com a bomba do absurdo numa
das mãos e a bomba da inocência
na outra, põe-se a pensar. Convém
separar as águas. Ir para casa separar
as águas. Estar à altura de tanta
água sem sal em cima, de tanta água
com sal em baixo. Matéria única,
fio de lágrimas (não, os animais
não podem chorar) e só então se vê
a regressar por um carril, pelo fio
de um caminho, uma silhueta
antiga levantando a cabeça quando
sente que lhe chove na cabeça.
É uma silhueta que gosta de sentir
chuva na cabeça. Avança devagar.
Vai para casa. Tanta água e sempre
tanta sede, tanta sede. Vê-se agora
muito bem que tem uns óculos escuros
de funeral. A silhueta murmura
não vos lembreis
não vos lembreis de mim
não vos lembreis de mim
nem da minha dor.

***

MANUEL DE FREITAS

POEM OF THE RIVER

para a Inês Dias

Tinha, desde criança, a fantasia de ir a pé até às margens do Tejo, partindo do Vale de Santarém. Sabia que o rio estava próximo — ou era, pelo menos, alcançável — desde que se seguisse o «Caminho de Fátima», nome que sempre me causou alguma estranheza. Só hoje, com quarenta anos, ousei fazer esse percurso.

*

Vira-se à esquerda, logo a seguir à 'Légua', e são muitos os lamaçais e os campos de papoilas que nos convidam a parar. Mas não quisemos desistir. Já desesperávamos de haver Tejo quando, após um sereno concílio de cavalos, surgiu uma estrada de alcatrão que nos levou às Caneiras. Nem sabia que ficava ali, a «apenas» seis quilómetros, aquela aldeia piscatória.

*

Retemperámos forças na 'Taverna do Ramiro' — não com sável, enguias ou fataça, mas com uma opulenta grelhada mista. Só depois percorremos as vielas estreitas, onde casas de madeira assentam em palafitas, e cães e gatos parecem ter encontrado o paraíso. Trata-se, como seria de esperar, de um paraíso triste: as madeiras coloridas acusam o desgaste do tempo, a pobreza audível destas casas onde ainda mora gente. Porta a porta, um embarcadouro mínimo confirma que o rio continua a ser uma débil fonte de rendimento ou de aventuroso recreio.

*

O mais estranho, porém, foi ter reencontrado nas Caneiras, onde nunca estivera, a «reconstituição» exacta de uma aldeia ribeirinha que surge em muitos dos meus sonhos. E que hoje, ao teu lado, se revelou mais bela do que alguma vez sonhara, na sua altiva imperfeição, na música calada dos barcos — tão pequenos e vazios como um poema que chega, finalmente, ao rio.

***

RUI MIGUEL RIBEIRO

O QUARTO DIA

Se queres saber como era
pensa no escuro no interior de um fruto.
Em sucessão, da sua força reclusa,
conhecem-se duas curvaturas, divididas
por duas rotações nas linhas sem altura
dos seus pés à firmeza das sábias geometrias.

Uma exterior, de brancura cega, o nulo manto,
onde o vidro não se distingue da pedra
na esfera maior que agora inicia.
Uma interior, onde as sombras não têm forma,
e nas trevas que repartem o prodígio, o mundo,
a envelhecer inciso, interroga.

Se queres saber como será
pensa que das formas em que o mesmo fruto muda
uma vez caído, ou por mão colhido,
delas mantém, insuprível, a película de luz
que todas as coisas veste.

***

LUIS MANUEL GASPAR

V

A manhã rebate as asas na ombreira;
janelas de pau, penumbra e parapeito
onde o navio desatado estancou,
um fio de oiro captado pelos mastros

Aderem os dedos ao pêndulo perdido,
ao lençol semicerrado no aquário.
Pela escada move os peixes o senhor
das clarabóias. À névoa, de olhos tristes,

veio dizer-me de véspera que morri.
Ganhando altura, quando os ferros se encontram
a meio do rio, o sexo inflado nas mãos

de anjos inda pouco destros, mal saídos
das locas. E foi a ânfora desfeita,
a tarde e a manhã como um tiro na têmpora

***

INÊS DIAS

ODISSEIA DE BAIRRO

'If we return.
If we return.'

Genesis P. Orridge

Esperou. No verso da página.
Até o casal quebrar o beijo
que quase interrompera a rua do mundo;
até a noite sufocar,
uma a uma, as ilhas de luz,
depois as vozes.

Só então regressou
à cidade sem sombra
(na barriga de madeira crua
do segredo), sublinhando o caminho
com migalhas de tinta maiúscula
sobre as paredes cegas.

Um pequeno e doméstico auto-de-fé
que evitasse à história re-
cair em esquecimento:
«JÁ DISSE PARA
NÃO TE METERES
COM O MEU MARIDO!»

***

RUI PIRES CABRAL

SÉTIMO DIA

Domingo, os lódãos
ficam mais sérios
no retrato

do jardim. Descansam
as criaturas, descansa quem
as criou, algures longe

da vista, longe do coração.
Descansa o cão extraviado
à sombra do contentor

e o ministro das finanças —
sempre, sempre tão
cansado — no seu reduto

murcho. Domingo, linha branca
que atravessa um olival:
'já deste o ramo

ao padrinho?' Vagares
de um mundo pequeno
ao domingo, no palheiro,

em histórias de papel velho
cor de açúcar mascavado —
'eu bem não queria

morrer.' Domingo nos montes
em volta, domingo na ilha
de Kirrin,

domingo em toda a parte,
de nenhures, de Deus
nenhum.