quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Terras de Bouro - Moimenta - Chã da Nave

 



«A Chã da Nave é um amplo alvéolo aplanado encravado na vertente meridional do maciço do Piorneiro. É verdadeiramente uma planície entre montanhas, tal como significa o seu nome Nave* ou Navia, que é uma corruptela de nava, de origem pré-indoeuropeia. No topo Nordeste da chã, conservam-se duas mamoas, bem perceptíveis na linha de superfície do solo e distantes uma da outra cerca de 50 metros. Estes monumentos megalíticos a que se atribui uma função funerária, apresentam similitudes formais com inúmeros conjuntos dispersos pelas serras do Noroeste e aos quais se atribui uma cronologia situada entre os IV.º e III.º milénios a.C.. »





*Relacionado com a oronímia e deriva de uma raiz proto-indo-europeia, muito espalhada por todo o norte da Península Ibérica, França, Suíça e Itália, que significa um "lugar plano entre montanhas".

Não se deve confundir com o céltico "navia" - que originou hidrónimos como "Nabão", "Navia"  e "Neiva". Embora possa haver uma relação entre "nava"/"nave" e "navia": as "navas" ou "naves" são lugares húmidos, de junção de águas que descem dos cumes dos montes e, por isso, de nascentes de rios

domingo, 8 de novembro de 2020

Laje do Adufe - Promessa à deusa Nabia








Noutra zona da Cova da Beira, entre o Ferro e Peroviseu, a inscrição da Laje do Adufe, essa, encontra-se no seu local de origem e dá-nos uma pequena achega para a história de outro ex-escravo, de seu nome Mantau. Esta inscrição, gravada algures no século II, encontra-se danificada visto que, algures no tempo, alguém terá pensado que o lugar das palavras era nos livros e, vai daí, acrescentou alguns traços à inscrição dando-lhe o aspecto de um. Infelizmente, parte do texto perdeu-se no processo, mas o que sobra permite perceber que este Mantau, um antigo escravo pertencente a um tal de Morgulino, fez uma promessa à deusa Nábia e que, em cumprimento do seu voto, fez do penedo granítico um altar dedicado a essa divindade.

Vários aspectos saltam à vista, desde logo a monumentalidade e a localização da inscrição. Esta foi feita para ser vista por quem passasse na via romana que ali atravessava a serra e encontra-se virada para a imponência da Serra da Estrela e para o calmo curso do rio Zêzere, o que não será por acaso. Pensa-se hoje que esta Nábia, uma deusa indígena cujo culto se concentrava no Noroeste da Península Ibérica, era uma divindade ligada à água e aos rios, tanto que se supõe que do seu nome terão sido baptizados os rios Neiva e Nabão. (David Caetano)

Horta Navia - Lisboa. Âlcantara

 








Contém planta do local e fotografias do espólio de Eduardo Portugal


Michel Waldmann, Cruzamento da Travessa da Horta Navia com a Rua Maria Pia, 1998



Michel Waldmann, Cruzamento da Travessa da Horta Navia com a Rua Maria Pia, 1998
fotografia do #ArquivoFotograficoMunicipalDeLisboa




DAQUI


Nota Biográfica:

Michel Waldmann, nasceu em 1950 em Bruxelas, Bélgica. Vive em Lisboa, Portugal. Estudou fotografia na I.N.R.A.C.I., Bruxelas. Fotojornalista free-lance.
Exerceu também, durante os anos, 60, 70 e 80, como Técnico no teatro e no cinema: (régie som e luz, cenários e adereços, luzes, registo de som, camera e projecções). Fotógrafo oficial da Fundação Europália Internacional para: Europália 87 Áustria, 89 Japão, 91 Portugal e 93 Mexico. 1976-77-78, trabalha em Israel: Fotografia submarina da fauna e flora do Mar Vermelho, 1982-1995,
Trabalha com Les Baladins du Miroir: história e vida de um grupo de teatro ambulante, 1984, Trabalha dois meses na Noruega: os cemitérios marítimos dos grandes barcos petroleiros depois do segundo choque petrolífero e a reabertura do Canal do Suez. 1993,
Trabalha dois meses em Moçambique: a vida social, o comércio, os campos de desarmamento da ONU, um ano após o fim da guerra colonial e um ano antes das eleições democráticas. 1994, Trabalha na Índia: os pequenos ofícios e a vida social nas ruas de Bombaim, Goa e Cochim. Desde 1997, Trabalha vários meses por ano em Portugal: as mudanças na vida social, política e religiosa, a paisagem, a arquitectura, o comércio, as artes, etc...
Continua Aqui:
https://arquivomunicipal3.cm-lisboa.pt/X-arqWeb/Result.aspx?id=4889&type=Autoridade )

José Chaves Cruz - [Viaduto]

 


José  Chaves Cruz, [Viaduto]
fotografia do 
#ArquivoFotograficoMunicipalDeLisboa


José Maria Augusto Chaves Cruz - fotógrafo, 1870-1947

Nota biográfica: 
José Maria Augusto Chaves Cruz nasceu em Lisboa a 12 de junho de 1870. Licenciou-se em Agronomia e trabalhou como aspirante nas Alfândegas, entre 1889 e 1891, tendo depois ocupado o cargo de Secretário no Instituto Superior de Agronomia, até 1930, quando, por motivos de saúde, se reformou. Nas Alfândegas foi colega de Joshua Benoliel. Chaves Cruz fez fotografia como amador, abandonando esta arte quando entra para o Instituto Superior de Agronomia. A pintora, Adelaide Lima Cruz é filha do fotógrafo.

Fontes:"Lisboa e o Aqueduto", Arquivo Fotográfico, Divisão de Arquivos, Departamento de Património Cultural, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1997.


DAQUI: 

«Marselhesa», a última andaina algarvia que morreu duas vezes




Fotografia
https://www.barlavento.pt/algarve/marselhesa-a-ultima-andaina-algarvia-que-morreu-duas-vezes


O que resta do casco de uma embarcação em madeira atrai a curiosidade dos turistas que se aventuram nos trilhos pedestres do Centro de Educação Ambiental de Marim (CEAM). Poucos saberão que a «Marselhesa» é um tesouro do património marítimo algarvio.


A «Marselhesa» foi registada a 5 de maio de 1914. Depois de uma longa vida de trabalho, foi abandonada nas Quatro Águas, em Tavira, até que o Parque Natural da Ria Formosa (PNRF) a adquiriu em 1987 por 25 mil escudos (cerca de 125 euros).

[...]

Com o passar do tempo, várias associações ligadas à conservação do património marítimo, privados e até particulares fizeram tentativas para salvar a última andaina algarvia, dado o seu valor histórico. Dificuldades burocráticas e falta de entendimento institucional acabaram por ditar, de vez, a má sorte da «Marselhesa».

Por Bruno Filipe Pires, 29 de outubro de 2020

Artigo completo AQUI


TEÓFILO BRAGA - TEJO, DOURO E GUADIANA




Havia trez rios irmãos, o Tejo, o Guadiana e o Douro, que combinaram deitar-se a dormir, dizendo que o que primeiro acordasse partisse para o mar. O Guadiana foi o primeiro que acordou; escolheu lindos sitios e partiu de seu vagar. O Tejo acordou depois, e como queria chegar primeiro ao mar, largou mais depressa, e já as suas margens não são tão bellas como as d’aquelle. O Douro foi o ultimo que acordou, por isso rompeu por montes e valles, sem se importar com a escolha, e eis porque as suas margens são tristes e pedregosas.



(Mondim da Beira, Famalicão, Porto.)









Teófilo Braga, Contos Tradicionaes do Povo Portuguez, Porto: Livraria Universal de Magalhães e Moniz Editores, 1883



segunda-feira, 5 de outubro de 2020

 




Fontes do Largo de Santa Cristina
a Fonte Velha, de 1523 e a Fonte Nova, setecentista - Viseu
fotografia de José Daniel Soares Ferreira




segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Bernardo Soares - PAISAGEM DA CHUVA



Bernardo Soares

PAISAGEM DA CHUVA

L. do D.
PAISAGEM DA CHUVA
Em cada pingo de chuva a minha vida falhada chora na natureza. Há qualquer coisa do meu desassossego no gota a gota, na bátega a bátega com que a tristeza do dia se destorna inutilmente por sobre a terra.
Chove tanto, tanto. A minha alma é húmida de ouvi-lo. Tanto... A minha carne é líquida e aquosa em torno à minha sensação dela.
Um frio desassossegado põe mãos gélidas em torno ao meu pobre coração. As horas cinzentas e (...) alongam-se, emplaniciam-se no tempo; os momentos arrastam-se.
Como chove!
As biqueiras golfam torrentes mínimas de águas sempre súbitas. Desce pelo meu saber que há canos, um barulho perturbador de descida de água. Bate contra a vidraça, indolente, gemedoramente a chuva; (...)
Uma mão fria aperta-me a garganta e não me deixa respirar a vida. Tudo morre em mim, mesmo o saber que posso sonhar! De nenhum modo físico estou bem. Todas as maciezas em que me reclino têm arestas para a minha alma. Todos os olhares para onde olho estão tão escuros de lhes bater esta luz empobrecida do dia para se morrer sem dor.
s.d.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.
  - 80.
"Fase decadentista", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol I. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.

domingo, 30 de agosto de 2020

 



Postais da colecção “Portugal em Silhuetas”, edição António Vieira, Lisboa.

AFURADA




Fotografia — Emílio Biel, 'Afurada', 1885
fotografia — Emílio Biel, 'Afurada', 1885
http://portoarc.blogspot.com/2016/09/artes-e-oficios-xiv.html
RAUL BRANDÃO


A Afurada fica da outra banda do Douro, casas apinhadas em duas ou três ruas cheirando mal. Tripas de peixe pelo chão e uma vida que formiga nas tabernas, nos buracos e nas crianças que se enrodilham nas pernas de quem passa. O tipo é o de Ílhavo, de Ovar ou da Murtosa, não sei bem, que fundou uma colónia neste recanto do Douro. O homem percorre incessantemente o rio ou o mar rapando‑o, até ao fundo, do mexoalho com que se adubam as terras, da solha nas areias, da faneca ou da sardinha na boca da barra, e do sável quando ele vem à desova. As mulheres, altas, airosas e trigueiras, trabalham como mouras. Tenho‑as visto lançar as redes e remar naqueles lindos barcos feitos com duas cascas de tábua, bateiras ou saveiras, com que os homens atravessam a terrível barra do Douro, morrendo muitas vezes, volteados pelas ondas, quando regressam com a borda metida na água. Mulheres que têm filhos às ninhadas e que nem por isso deixam de correr as ruas da cidade, com a canastra à cabeça e o pé descalço, o pregão na boca, e o mais novo ao colo ou deitado no fundo do cesto com um resto das sardinhas à mistura. Andam léguas, são infatigáveis e já as vi lançar sozinhas as redes do sável, puxá‑las para a terra e dividir o quinhão.

Raul Brandão, «Mulheres», Os Pescadores' Paris-Lisboa, Livrarias Aillaud e Bertrand, 1923; edição de Vítor Viçoso e Luis Manuel Gaspar, prefácio de Vítor Viçoso, Lisboa, Relógio D'Água, Setembro de 2014.




Helder Mendes, 'Segredos do Mar — Os Pescadores da Afurada', 11 de Maio de 1969.


RETIRADO do Facebook de Luis Manuel Gaspar


Água Castello - Anúncio




ÁGUAS DE VIDAGO







DAQUI - MADE IN PORTUGAL: Salus Vidago - Nostalgia XXVIII: As garrafas de água mineral, Salus e Campilho são extraídos em Vidago. A vila, foi em tempos um dos balneários termais, mais visitados em ...





Água Campilho








Água Campilho desde 1893

A Fonte Campilho brota na Quinta do Revolar em Vidago, descoberta em 1892 por Augusto César de Moraes Campilho que ao tempo era dono da Quinta do Revolar, pelo que o seu nome serviu para dar nome à referida Fonte.

Em 1897, com a exploração já na posse de Cândido Sotto-Maior, foi edificada uma Fonte de esmerada construção que servia para fins terapêuticos e também de engarrafamento. Chegou aos tempos de hoje passando por várias mãos, entre os quais José Francisco Correia Matoso, Empresa das Águas de Pizões Moura SA, Nestlé Waters, SA Águas do Fastio, SA, os quais venderam recentemente a concessão à Campilho Vidago.SA.

domingo, 26 de julho de 2020

Patrícia Alho - Sistema Hidráulico na Arquitectura Cisterciense

Catarina Fernandes Barreira - A presença feminina nas gárgulas medievais









Resumo:


O nosso propósito é analisar algumas gárgulas dos séculos XV e XVI, que representam a mulher, na sua relação com os pecados, em particular com a luxúria. Daqui resulta uma importante vocação didáctica das mesmas, funcionando como exempla, estabelecendo muitos pontos de contacto com um tipo de literatura edificante e moralizadora. As gárgulas cumprem então funções pedagógicas e simbólicas significativas, mantendo uma íntima relação discursiva com o seu público-alvo, motivos mais que suficientes para a sua integração e legitimação em edifícios religiosos.



Proposta de artigo para a Revista “As Faces de Eva” – Universidade Nova de Lisboa
A presença feminina nas gárgulas medievais

Apresentam-se neste breve estudo algumas contribuições no intuito de compreender a importância da representação da mulher nas gárgulas medievais pertencentes a edificações religiosas.As gárgulas têm uma função assaz significativa nos edifícios, pois canalizam e escoam as águas pluviais, afastando-as das paredes e das fundações. Mas para além desta função utilitária, a sua vocação artística e estética não deixa de nos seduzir, até porque os temas escolhidos para nelas figurarem nos ajudam a construir uma ténue imagem da mentalidade medieval e, neste caso, daquilo que se pensava acerca da mulher. Um ponto importante: quer nas gárgulas enquanto obras de escultura realizadas por artistas, quer nas diversas fontes textuais citadas, o ponto de vista é exclusivamente masculino. Nunca é dada a palavra à mulher

[...]


CONTINUA AQUI

sábado, 4 de julho de 2020

Lavadouros




Vasco Gouveia de Figueiredo, Lavadouro, Rua Gualdim Pais - Beato, Lisboa,1965,
fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico




Joshua Benoliel, Lavadouro Municipal número 10, [191- ?], Campo de Ourique, Lisboa
fotografia do 
Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico



O PORTO E A ÁGUA

Carlos de Oliveira - A ILHA



A ILHA

para a Ângela


A ilha era deserta e o mar com medo
de tanta solidão já te sonhava:
ia em vento chamar-te para longe
e longamente em espuma te esperava.

À cinza dos rochedos atirava
na grande madrugada adormecida,
já saudosos de ti, os braços de água,
sem ter acontecido a tua vida.

Sim, meu amor, antes de Zarco vir
provar o sumo e o travo à solidão,
no litoral de pedra pressentida
o mar imaginava esta canção.

E as lúcidas gaivotas desse tempo
talhavam com um voo o teu amor:
o início de lava e sal que deixa
(talvez) neste poema algum esplendor (1).


_____

(1) A ilha hoje é um paraíso inglês
     de orquídeas e renques orvalhados:
     mister X e a cana do açúcar
     mister Y, bancos, luz, bordados.

     Ó Cesário, pudesses tu voltar
     e deste cais onde não há varinas
     ver os garotos na água a implorar
     (sir, one penny) o oiro das neblinas.




Helena Nilo, 19.10.2014

quarta-feira, 3 de junho de 2020

[Fonte da Horta Navia, junto da Ponte de Alcântara]



Jorge Veiga Testos, Anotações de diplomática judicial portuguesa: 
os tribunais superiores na Lisboa quinhentista

RESUMO 

Tendo por base a análise de um conjunto de cartas de sentença dos tribunais superiores portugueses – Casa do Cível e Casa da Suplicação – datadas da primeira metade do século XVI, o artigo procura reconstituir os respetivos mecanismos de produção escrita. A análise do seu discurso diplomático permite evidenciar as particularidades desta tipologia documental. 

Documento Judicial:



A: Autor;  
R: Réu;  O: Objecto de contenda;  J: Julgador;   E: Escrivão

Fonte da Horta Navia







- 13.02.1575

[D. Sebastião desembarga um conjunto de questões relativas a Lisboa]

[Sobre a nomeação de D. Miguel de Cabedo para vereador; sobre os padrões de medida; sobre as obras da Fonte da Horta Navia [orta nabia/ortanabia]; sobre a ampliação do chafariz d' el rei; sobre as cautelas a ter devido aos casos de peste verificados na Holanda; e sobre as obras na nova igreja de S. Sebastião.]


Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Histórico


CLICAR PARA AUMENTAR 

Rodrigo Banha da Silva - O sítio do Cemitério dos Prazeres (Lisboa): um assentamento romano no espaço rural de Olisipo



RESUMO 

No sítio do actual Cemitério dos Prazeres, em Lisboa, se descobriu em 1996, e de maneira fortuita, a pré-existência no local de um sítio romano. Apresentam-se agora os escassos dados inéditos relativos ao arqueossítio com o CNS 37436. Relaciona-se, no texto, o sítio de Prazeres com as restantes ocupações do baixo vale da Ribeira da Alcântara, que incluem um eixo viário regional romano importante e a possível existência de um locus sagrado conectado com a deusa Nabia. A panóplia de materiais inclui elementos que cobrem um espectro cronológico entre o séc. II a.C., pelo mais, e o séc. IV-V d.C., pelo menos, e incluem materiais de construção (olaria de construção e mosaico) que atestam a capacidade aquisitiva da comunidade. O local levanta problemáticas pertinentes acerca da antiguidade relativa dos assentamentos rurais dos agri olisiponenses e da forma como esta assume expressão material arqueológica, aspectos essenciais para a construção de uma leitura da dinâmica de ocupação do espaço rural nas etapas iniciais da Época Romana que está, todavia, longe de suficientemente esclarecida


Detalhe da panorâmica de Lisboa de Grabriel Del Barco, c. 1700, com indicação dos sítios romanos conhecidos
 e da ponte Alcântara (Museu Nacional do Azulejo e Cerâmica) 


[...]
... o espaço do Vale de Alcântara era atravessado pela principal via terrestre que comunicava com os espaços ocidentais da Península de Lisboa das áreas de Oeiras, Cascais e sul da Serra de Sintra, densamente povoados ao longo da Época Romana(CARDOSO, 2002). Um dos principais elementos deste itinerário terrestre era, justamente, a ponte de Alcântara, cuja remota origem romana é altamente provável, considerando o próprio topónimo que remete para a sua existência já no período medieval muçulmano. Construída em alvenaria, possuía ainda em 1582, aquando da batalha de Alcântara, 6 arcos, como surge representada em 1662, e os registos de 1727 apontam-lhe 90 metros de comprimento e uma largura de 6,20 metros (SILVA, 1942). Seria depois desmantelada em 1887.

Remontando ao século XIV, a Porta de Santa Catarina da muralha fernandina de Lisboa, genericamente localizável na zona do Chiado lisboeta (Largo das Duas Igrejas), dava acesso ao trajecto desta estrada, então nomeada «caminho da Horta Navia». Este topónimo aparece em documentação manuscrita medieval já desde o séc. XIII (reinados de Afonso II ou III), sob a forma latina «Hortus Navia» (SILVA, 1942: pág. 75), aspecto que já havia chamado a atenção de Leite de Vasconcelos, que supôs a existência na zona da antiga foz da Ribeira de Alcântara de um santuário de origem pré-romana dedicado a Nabia, divindade aquática de cariz profilático (REIS 2017: pág. 256; VASCONCELOS 1988 [1905]: pp. 278-279). 

Na esteira daquele erudito português, Vieira da Silva (SILVA, 1942) e, mais tarde, José d´Encarnação (ENCARNAÇÃO, 1975) e José Cardim Ribeiro (RIBEIRO, 1982-83: pp. 6-8), iriam defender a probabilidade da existência de um espaço sagrado devotado à Deusa Nabia/ Navia nas imediações, possivelmente associado à ocorrência de águas na encosta meridional e ocidental dos Prazeres: ali se encontra ainda hoje o remanescente da «Fonte Santa», local alvo de especial devoção popular documentada desde o séc. XVII, depois transformado num chafariz na centúria de oitocentos. A estrutura hidráulica ainda hoje subsiste, discreta e com lastimável enquadramento, na actual Rua de Possidónio da Silva, artéria degradada que leva o nome de um dos principais arqueólogos portugueses do séc. XIX. 

O sugestivo topónimo de Horta Navia era aplicado a uma vasta parcela de terreno no sopé do pequeno vale encaixado entre a vertente norte das Necessidades e a encosta sul do morro dos Prazeres (este, onde se detectou a ocupação romana), em local hoje sobreposto pelas instalações ferroviárias da gare de Alcântara-Terra.

[...]


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Cira Arqueologia, n.º 6, Novembro, 2018

segunda-feira, 1 de junho de 2020

SEBASTIÃO DA GAMA - AS FONTES




Havia fontes na montanha.
Mas estavam fechadas.
Ignoradas,
beijavam só as veias da montanha.

Ora um dia
não sei que vento passou
que me ensinou
aquelas fontes que havia.

Eu tinha mãos e mocidade ;
só não sabia p'ra quê.
Fez-se nesse momento claridade.

Rasguei o ventre dos montes
e fiz correr as fontes
à vontade.

Então
veio quem tinha sede e quem não tinha.
De todas as aldeias
vieram, cantando as moças
encher as bilhas.
E eu fui também cantando ao som das águas ...

Cantavam as minhas mãos, cantavam as fontes.
Era um canto jucundo,
cheio de Sol.
Mas a meio da nota mais alegre
muita vez uma lágrima nascia.

( Ai quantos, quantos,
minha canção tornava mais conscientes
da sua melancolia
sem remédio !
Ai os que já perderam a coragem
de reclamar a sua conta de água !
Ai a mágoa
que lhes era meu hino !
Ai o insulto desumano
à sua melancolia !)

Era a meio do canto que surgia
seu travo amargo ...

Mas a meu lado, as águas
iam matando a sede de quem vinha ....
19 e 20.10.1946
Sebastião da Gama, Cabo da Boa Esperança, (1947)

terça-feira, 26 de maio de 2020

Fernando Pessoa - A água da chuva desce a ladeira.


A água da chuva desce a ladeira.
        É uma água ansiosa.
Faz lagos e rios pequenos, e cheira
        A terra a ditosa.
Há muito que contar a dor e o pranto
        De o amor os não querer...
Mas eu, que também o não tenho, o que canto
        É uma coisa qualquer.

Bernardo Soares - ...e as algas como molhados cabelos empastando o rosto...



...e as algas como molhados cabelos empastando o rosto morto das águas.
Um som suave de rio largo, uma indecisa frescura aquática, uma saudade audível, oculta, um amarelo morto de movimento.
Leves, leves as sombras calmas.
A noite era cheia daquelas pequenas nuvens muito brancas, que se destacam umas das outras. Vista através de uma ou outra delas, a Lua tinha em seu torno um halo azul, castanho e amarelo, com uns tons supostos de verde-vivo. Entre as árvores o céu era dum azul-negro profundíssimo, longínquo, irrevogável. As estrelas viam-se ora através das nuvens, ora, muito longe, mas entre elas. Uma saudade de coisas idas, de grandes passados da alma, talvez porque em reencarnações antigas, olhos nossos, no corpo físico, houvesse visto, este luar sobre florestas longínquas, quando selvática ainda, a alma infanta talvez pressentia, por uma memória em Deus ao contrário, no futuro das suas reencarnações, esta lua retrospectiva. E assim essas duas luas davam mãos de sombra por sobre a minha cabeça abatida.