domingo, 16 de junho de 2013

A Lenda do Sever


Eis a lenda que, com mais ou menos variantes, a tradição nos transmitiu:
    Em distante e já remota época, numeroso e escolhido cortejo de damas e cavaleiros, de longada para as bandas de Castela, resolve descansar das fadigas da jornada junto às margens do rio e no sítio onde mais fácil se torna a sua passagem a vau. Ao pretender, porém, recomeçar a viagem, quando as damas se preparavam para compor os seus vestidos e alisar os cabelos desgrenhados pelos solavancos da travessia através dos ásperos córregos e do pedregoso trilho dos rústicos caminhos viram, com desconsolada surpresa, que em nenhuma das escouradas arcas de bagagem se encontrava um espelho, objecto tão necessário às mais novas e tafús e que havia esquecido na azáfama confusa da partida. Compreender-se-á o desespero em que esse facto lançaria as entristecidas e contrariadas damas, tão ávidas de bem parecer e para as quais o espelho é o mais dilecto, necessário e indispensável companheiro.
    Diz-se mesmo que em algumas delas tal contratempo se denunciava por mal contidas e furtivas lágrimas, que não passaram despercebidas ao olhar atento e enamorado de um gentil moço e garboso cavaleiro da comitiva. Pressuroso e cortês acudiu este procurando remediar a contrariedade das aflitas damas, lembrando-lhes que não havia, em verdade, motivo para se entristecerem pois que, para substituir o espelho tinham elas ali bem perto um belo rio de SE VER.
    Para comemorar a gentil lembrança do moço fidalgo e como prémio e agradecida homenagem à sua tão feliz e oportuna ideia puseram, então, as damas ao sítio onde haviam estado a pentear-se o lindo e romântico nome de «PORTO DOS CAVALEIROS», nome que ainda hoje lá se conserva e que a tradição liga a esta lenda tão perfumada de cortês e graciosa galantaria.».
Fonte Biblio COSTA, Alexandre de Carvalho Marvão, suas freguesias rurais e alguns lugares n/a, Câmara Municipal de Marvão, 1982 , p.49-50
Place of collection-, MARVÃO, PORTALEGRE

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O sardão da Lapa

Consta-se que uma mulher vinha dum povoado chamado Forca a caminho de Quintela com um saco de novelos de linho para tecer. A meio da encosta da serra, num local conhecido por Cova, foi atacada por um grande lagarto. Este, de boca enorme, tentou morder a mulher que, aflita, pediu ajuda à Senhora da Lapa. Foi então que lhe veio a ideia de atirar ao monstro os novelos que no saco levava, ficando com a ponta dos fios nas mãos.
O bicharoco ia engolindo os novelos que a mulher lhe arremessava. Quando já tinha na mão uma grande quantidade de pontas, a mulher deu uns puxões que engasgaram a fera.
Em sinal de gratidão, a mulher ofereceu o corpo do lagarto à Senhora da Lapa.
Fonte Biblio AA. VV., - Literatura Portuguesa de Tradição Oral s/l, Projecto Vercial - Univ. Trás -os-Montes e Alto Douro, 2003 , p.L3

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Vitorino Nemésio - A concha


A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fachada de marés, a sonho e lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.

Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.

E telhados de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta ao vento, as salas frias.

A minha casa. . . Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória.


Vitorino Nemésio, O Bicho Harmonioso, 1938  


Helena Nilo


Helena Nilo