terça-feira, 24 de fevereiro de 2015
Nausica
(Versão de Traz os Montes)
Manhanita de São João,
Pela manhã de alvorada,
Jesus Christo se passeia;
Ao redor da fonte clara,
Por sua boca dizia,
Por sua boca falava:
-- Esta agua fica benta,
e a fonte fica sagrada.
Ouviu-o a filha de el rei
D'altas torres d'onde estava;
Vestiu suas meias de seda,
Calçou sapatos de prata,
Pegou num cantaro de ouro
Á fonte foi buscar agua.
Lá no meio do caminho
Com a Virgem se encontrava;
Atreveu-se e Perguntor-lhe
Se havia de ser casada?
Casadinha haveis de ser,
muito bem afortunada;
Tres filhos haveis de ter,
Todos de capa e espada;
Um será bispo de Roma
E outro cardeal em Braga
O mais novo d'elles todos
Servo da Virgem sagrada
Ditosa a donzelinha
Que foi á fonte que foi buscar água.
Teófilo Braga, Romanceiro Geral Português, 2ª edição
A moça da fonte
(Versão de Traz os Montes da Nausica)
Minha mãe mandou-me á fonte,
Á fonte do Salgueirinho;
Mandou-me lavar o cantaro
Com a flôr do rosmaninho.
Eu lavei-o com areia
E quebrei-lhe um bocadinho.
-- Anda cá, perra
Onde tinhas o sentido?
Não o tinhas tu na roca,
Nem tão pouco no sarilho,
Tinha-lo n'aquelle magano
Que anda de amores contigo.
«-- Ó minha mãe não me bata,
Com varas de marmeleiro,
Que eu estou muito doentinha,
Mande chamar o barbeiro,»
-- O barbeiro já alli vem,
Com a lanceta na mão,
Para sangrar a menina,
Na veia do coração.
-- Mal o hajas, tu, barbeiro,
E mais a tua navalha
Fôste sangrar a menina,
Na veia mais delicada.
Teófilo Braga, Romanceiro Geral Português, 2ª edição
Minha mãe mandou-me á fonte,
Á fonte do Salgueirinho;
Mandou-me lavar o cantaro
Com a flôr do rosmaninho.
Eu lavei-o com areia
E quebrei-lhe um bocadinho.
-- Anda cá, perra
Onde tinhas o sentido?
Não o tinhas tu na roca,
Nem tão pouco no sarilho,
Tinha-lo n'aquelle magano
Que anda de amores contigo.
«-- Ó minha mãe não me bata,
Com varas de marmeleiro,
Que eu estou muito doentinha,
Mande chamar o barbeiro,»
-- O barbeiro já alli vem,
Com a lanceta na mão,
Para sangrar a menina,
Na veia do coração.
-- Mal o hajas, tu, barbeiro,
E mais a tua navalha
Fôste sangrar a menina,
Na veia mais delicada.
Teófilo Braga, Romanceiro Geral Português, 2ª edição
Sebastião da Gama - POEMA DEPOIS DA CHUVA
(a Maria Guiomar)
Depois da chuva o Sol -- a graça.Oh! a terra molhada iluminada!
E os regos de água atravessando a praça
-- luz a fluir, num fluir imperceptível quase.
Canta, contente, um pássaro qualquer.
Logo a seguir, nos ramos nus, esvoaça.
O fundo é branco -- cal fresquinha no casario da praça.
Guizos, rodas rodando, vozes claras no ar.
Tão alegre este Sol! Há Deus. (Tivera-O eu negado
antes do Sol, não duvidava agora.)
Ó Tarde virgem, Senhora Aparecida! Ó Tarde igual
às manhãs do princípio!
E tu passaste, flor dos olhos pretos que eu admiro.
Grácil, tão grácil!.. Pura imagem da Tarde...
Flor levada nas águas, mansamente...
(Fluía a luz, num fluir imperceptível quase... )
Estremoz, 12 de Fevereiro de 1951
Publicado em "A Teixeira de Pascoaes"
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015
Afonso Lopes Vieira - FEVEREIRO - A CHUVA
Nesta hora sozinha e pardacenta,
a chuva entra na aldeia...
No ar, cheio de musgo, a luz cinzenta
bruxoleia.
a chuva entra na aldeia...
No ar, cheio de musgo, a luz cinzenta
bruxoleia.
Através da vidraça,
vejo-a que chega: é uma mendiga escura,
trôpega e acurvada. E vem cansada.
Há, nos seus olhos vagos, amargura.
Oiço as suas passadas resignadas,
arrastadas por baixo da janela.
E digo para mim: -- É a chuva.-- E ela,
a triste vellha curva e turva, passa...
No ar, cheio de musgo, a luz cinzenta
bruxoleia.
E a chuva atravessa a aldeia.
Através da vidraça,
onde colei a minha face, agora,
contra o vidro tão baço como o céu,
vejo-a que vai: e vai p'la rua fora...
Não se ouve uma voz. E ninguém passa.
Tudo se sente só: a chuva e eu.
In: Afonso Lopes Vieira, Canções do Vento e do Sol, Ulmeiro, 1983
vejo-a que chega: é uma mendiga escura,
trôpega e acurvada. E vem cansada.
Há, nos seus olhos vagos, amargura.
Oiço as suas passadas resignadas,
arrastadas por baixo da janela.
E digo para mim: -- É a chuva.-- E ela,
a triste vellha curva e turva, passa...
No ar, cheio de musgo, a luz cinzenta
bruxoleia.
E a chuva atravessa a aldeia.
Através da vidraça,
onde colei a minha face, agora,
contra o vidro tão baço como o céu,
vejo-a que vai: e vai p'la rua fora...
Não se ouve uma voz. E ninguém passa.
Tudo se sente só: a chuva e eu.
In: Afonso Lopes Vieira, Canções do Vento e do Sol, Ulmeiro, 1983
terça-feira, 3 de fevereiro de 2015
Branquinho da Fonseca - O Arquipélago das Sereias
Ó nau Catarineta
Em que andei no mar
Por caminhos de ir,
Nunca de voltar!
Veio a tempestade
Perder-se do mundo,
Fez-se o céu infindo,
Fez-se o mar sem fundo!
Ai como era grande
O mundo e a vida Se a nau, tendo estrela,
Vogava perdida!
E que lindas eram
Lá em Portugal
Aquelas meninas
No seu laranjal!
E o cavalo branco
Também lá o via
Que tão belo e alado
Nenhum outro havia!
Mundo que não era,
Terras nunca vistas!
Tive eu de perder-me
Pra que tu existas.
Ó nau Catarineta
Perdida no mar,
Não te percas ainda,
Vem-me cá buscar!
Em que andei no mar
Por caminhos de ir,
Nunca de voltar!
Veio a tempestade
Perder-se do mundo,
Fez-se o céu infindo,
Fez-se o mar sem fundo!
Ai como era grande
O mundo e a vida Se a nau, tendo estrela,
Vogava perdida!
E que lindas eram
Lá em Portugal
Aquelas meninas
No seu laranjal!
E o cavalo branco
Também lá o via
Que tão belo e alado
Nenhum outro havia!
Mundo que não era,
Terras nunca vistas!
Tive eu de perder-me
Pra que tu existas.
Ó nau Catarineta
Perdida no mar,
Não te percas ainda,
Vem-me cá buscar!
Afonso Lopes Vieira - Cantares dos Búzios
Ai ondas do mar, ai ondas,
ó jardins das alvas flores,
sobre vós, ondas, ai ondas,
suspiram os meus amores.
No fundo dos búzios canta
o mar que chora a cantar
ó mar que choras cantando,
eu canto e estou a chorar!
Ai ondas do mar, ai ondas,
eu bem vos quero lembrar:
«a minha alma é só de Deus
e o meu corpo da água do mar!»
ó jardins das alvas flores,
sobre vós, ondas, ai ondas,
suspiram os meus amores.
No fundo dos búzios canta
o mar que chora a cantar
ó mar que choras cantando,
eu canto e estou a chorar!
Ai ondas do mar, ai ondas,
eu bem vos quero lembrar:
«a minha alma é só de Deus
e o meu corpo da água do mar!»
Subscrever:
Mensagens (Atom)