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domingo, 29 de março de 2020

Senhora da Rocha, de Sophia de Mello Breyner Andresen



Isto já se vai tornando um hábito para mal de todos, especialmente de vocês. Mas este foi a pedido, o que me deixa muito feliz. Cá está ele com muito carinho, Helena Nilo[Daniel Soares Ferreira - Aqui ]





SENHORA DA ROCHA

Tu não estás como Vitória à proa
Nem abres no extremo do promontório as tuas asas
Nem caminhas descalça nos teus pátios quadrados e caiados
Nem desdobras o teu manto na escultura do vento
Nem ofereces o teu ombro à seta da luz pura

Mas no extremo do promontório
Em tua pequena capela rouca de silêncio
Imóvel, muda inclinas sobre a prece
O teu rosto feito de madeira e pintado como um barco

O reino dos antigos deuses não resgatou a morte
E buscamos um deus que vença connosco a nossa morte
É por isso que tu estás em prece até ao fim do mundo
Pois sabes que nós caminhamos nos cadafalsos do tempo

Tu sabes que para nós existe sempre
O instante em que se quebra a aliança do homem com as coisas
Os deuses de mármore afundam-se no mar
Homens e barcos pressentem o naufrágio

E por isso não caminhas cá fora com o vento
No grande espaço liso da luz branca
Nem habitas no centro da exaltação marinha
O antigo círculo dos deuses deslumbrados

Mas rodeada pela cal dos pátios e dos muros
Assaltada pelo clamor do mar e a veemência do vento
Inclinas o teu rosto

Imóvel muda atenta como antena.



Sophia de Mello Breyner Andresen , Geografia, 1962



quarta-feira, 4 de julho de 2018

Sophia de Mello Breyner Andresen - Documentário: 'O Nome das Coisas'










Filipe da Palma - Forte de Cacela







A CONQUISTA DE CACELA

As praças fortes foram conquistadas
por seu poder e foram sitiadas
as cidades do mar pela riqueza
Porém Cacela
foi desejada só pela beleza

Sophia de Mello Breyner Andresen



O “Forte de Cacela”, também referido como “Fortaleza de Cacela-Velha” e “Fortaleza dos Cavaleiros de Santiago de Cacela”, localiza-se na freguesia de Vila Nova de Cacela, concelho de Vila Real de Santo António, distrito de Faro, em Portugal.
História

Diante da ruína do antigo castelo, no século XVI a defesa da povoação foi remodelada por ordens de João III de Portugal (1521-1557) ou mesmo de Sebastião de Portugal (1557-1578), erguendo-se a fortificação abaluartada. É sabido que este último inspecionou pessoalmente as obras em 1573.

Em 1565 os visitadores da Ordem de Santiago descrevem a fortaleza: "Visitámos ho castello ho quall he todo murado e a muralha reformada de novo ho quall he quadrado e tem em cada canto sua torre" (continua AQUI )

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Sophia de Mello Breyner Andersen - NAVIO NAUFRAGADO



Vinham dum mundo
Sonoro, nítido e denso.
E agora o mar o guarda no seu fundo
Silencioso e suspenso.

É um esqueleto branco o capitão,
Branco como as areias,
Tem duas conchas na mão
Tem algas em vez de veias
E uma medusa em vez de coração.

E em seu redor as grutas de mil cores
Tomam formas incertas quase ausentes
E a cor das águas toma a cor das flores
E os animais são mudos, transparentes.

E os corpos espalhados nas areias
Tremem à passagem das sereias,
As sereias leves de cabelos roxos
Que têm olhos vagos e ausentes
E verdes como os olhos dos videntes.

sábado, 23 de março de 2013

Sophia de Mello Breyner Andresen - PRIMAVERA


As heras de outras eras água pedra
E passa devagar memória antiga
Com brisa madressilva e Primavera
E o desejo da jovem noite nua
Música passando pelas veias
E a sombra das folhagens nas paredes
Descalço o passo sobre os musgos verdes
E a noite transparente e distraída
Com seu sabor de rosa densa e breve
Onde me lembro amor de ter morrido
— Sangue feroz do tempo possuído





sábado, 29 de dezembro de 2012

Sophia de Mello Breyner Andresen




                  MEDEIA


                         (adaptado de Ovídio)



Três vezes roda, três vezes inunda
Na água da fonte os seus cabelos leves,
Três vezes grita, três vezes se curva
E diz: «Noite fiel aos meus segredos,
Lua e astros que após o dia claro
Iluminais a sombra silenciosa,
Tripla Hecate que sempre me socorres
Guiando atenta o fio dos meus gestos,
Deuses dos bosques, deuses infernais
Que em mim penetre a vossa força, pois
Ajudada por vós posso fazer
Que os rios entre as margens espantadas
Voltem correndo até às suas fontes.
Posso espalhar a calma sobre os mares
Ou enchê-los de espuma e fundas ondas,
Posso chamar a mim os ventos, posso
Largá-los cavalgando nos espaços.
As palavras que digo e cada gesto
Que em redor do seu som no ar disponho
Torcem longínquas árvores e os homens
Despedaçam-se e morrem no seu eco.
Posso encher de tormento os animais,
Fazer que a terra cante, que as montanhas
Tremam e que floresçam os penedos.»