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quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Jorge de Sena - Sinais de fogo




Fernando Lemos, Jorge de Sena, 1949


« Mas, quando já descia uma das azinhagas, e passava a rua do fundo, em que as casas me mostraram a sua realidade de estarem assentes no chão, em face do muro de suporte do largo, tive de parar para escrever mais:

Nas vastas águas que as remadas medem,
tranquila a noite está adormecida.
Desliza o barco, sem que se conheça
que o espaço ou tempo existe noutra vida,

— após estes versos, houve no meu espírito um vazio total. Seguidamente escrevi:

ou nesta, em que da noite o respirar
é um sussurro de águas contra o casco

— linhas estas que me repugnaram instintivamente, e risquei, para continuar assim:

em que os barcos naufragam, e nas praias
há cascos arruinados que apodrecem,
a desfazer-se ao sol, ao vento, à chuva,
e cujos nomes se não vêem já.

Faltava um final. O que poderia ser? O paralelo entre o nome que as intempéries apagaram, e o que a noite não deixa ver. Tal, porém, como acontecera no poema anterior, o final era uma coisa separada, ainda que continuação do mesmo discurso, da mesma ideia condutora. Comecei a escrever — «Tal como à noite... » — e novamente risquei. O final que escrevi não me satisfez, pareceu-me mais restrito que o que estava antes: 

Ao que singrando vai, a noite esconde o nome. »