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sexta-feira, 6 de março de 2015

Sebastião da Gama - Raiz

Tanto dissemos tu e eu, tanta palavra!...
E os enganos, as lutas, as promessas...
Como tudo vai longe! Como tudo foi útil e preciso!
Olha, vem à janela... Lá em baixo no largo,
brincam, junto da fonte, os moços e as meninas.
Alegres todos, riem. Nem reparam
como é triste uma fonte que não corre.
O que hão-de eles saber ?! Têm cinco, seis anos...

                                            Da janela
vemo-los bem. Vem à janela olhá-los,
felizes como nós...

Arrábida, Novembro de 51

in: Sebastião da Gama, Pelo Sonho É Que Vamos, Edições Arrábida

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

sábado, 23 de fevereiro de 2013

António Nobre - Nasci, num reino d'Oiro e amores


Nasci, num reino d'Oiro e amores
À beira-mar. 
Sou neto de Navegadores, 
Heróis, Lobos-d'água, Senhores 
Da índia, d'Aquém e d'Além-mar! 

E o Vento mia! e o Vento mia! 
Que irá no Mar! 
Que noite! ó minha Irmã Maria 
Acende um círio à Virgem Pia, 
Pelos que andam no alto Mar... 

Ao Mundo vim, em terça-feira 
Um sino ouvia-se dobrar! 
Vim a subir pela ladeira 
E, numa certa terça-feira, 
Estive já pra me matar... 

Ides gelar, água das fontes 
Ides gelar! 
Águas do rio! Águas dos montes! 
Cantigas d'água pelos montes, 
Que sois como amas a cantar... 

Passam na rua os estudantes 
A vadrulhar... 
Assim como eles era eu dantes! 
Meus camaradas! estudantes! 
Deixai o Poeta trabalhar. 

O Job, coberto de gangrenas, 
Meu avatar! 
Conservo as mesmas tuas penas, 
Mais tuas chagas e gangrenas, 
Que não me farto de coçar! 

E a neve cai, como farinha, 
Lá desse moinho a moer, no Ar; 
Ó bom Moleiro, cautelinha! 
Não desperdices a farinha 
Que tanto custa a germinar... 

Andais, à neve, sem sapatos, 
Vós que não tendes que calçar! 
Corpos ao léu, vesti meus fatos! 
Pés nus! levai esses sapatos... 
Basta-me um par. 

Quando eu morrer, hirto de mágoa, 
Deitem-me ao Mar! 
Irei indo de frágua em frágua, 
Até que, enfim, desfeito em água, 
Hei de fazer parte do Mar! 

No Pantéon, trágico, o sino 
Dá meia-noite, devagar: 
É o Vítor, outra vez menino, 
A compor um alexandrino, 
Pelos seus dedos a contar! 

Que olhos tristes tem meu vizinho! 
Vê-me a comer e põe-se a ougar: 
Sobe ao meu quarto, bom velhinho! 
Que eu dou-te um copo deste vinho 
E metade do meu jantar. 

Bairro Latino! dorme um pouco, 
Faze, meu Deus, por sossegar! 
Cala-te, Georges! estás já rouco! 
Deixa-me em paz! Cala-te, louco. 
Ó boulevard! 

Boas almas, vinde ao meu seio! 
Espíritos errantes no Ar! 
Sou médium: evoco-os, noite em meio! 
Vós não acreditais, eu sei-o... 
Deixá-lo não acreditar. 

Se eu vos pudesse dar a vista, 
Ceguinhos que ides a tactear... 
Quando essa sorte me contrista! 
Mas ah! mais vale não ter vista 
Que um mundo destes ter de olhar... 

A Morte, agora, é a minha Ama 
Que bem que sabe acalentar! 
À noite, quando estou na cama: 
"Nana, nana, que a tua Ama 
Vem já, não tarda! foi cavar..." 

Camões! Ó Poeta do Mar-bravo! 
Vem-me ajudar... 
Tenho o nome do teu escravo: 
Em nome dele e do Mar-bravo 
Vem-me ajudar! 

E o Vento geme! e o Vento geme! 
Que irá no Mar! 
Lobos-d'água, que ides ao leme 
Tende cuidado! A lancha treme. 
Orçar! orçar! 

Meu velho Cão, meu grande amigo, 
Por que me estás assim a olhar! 
Quando eu choro, choras comigo 
Meu velho Cão! és meu amigo... 
Tu nunca me hás-de abandonar. 

Frades do Monte de Crestelo! 
Abri-me as portas! quero entrar... 
Cortai-me as barbas e o cabelo, 
Vesti-me esse hábito singelo... 
Deixai-me entrar! 

Moço Lusíada! criança! 
Por que estás triste, a meditar? 
Vês teu país sem esperança 
Que todo alui, à semelhança 
Dos castelos que ergueste no Ar?