sábado, 4 de julho de 2020

Carlos de Oliveira - A ILHA



A ILHA

para a Ângela


A ilha era deserta e o mar com medo
de tanta solidão já te sonhava:
ia em vento chamar-te para longe
e longamente em espuma te esperava.

À cinza dos rochedos atirava
na grande madrugada adormecida,
já saudosos de ti, os braços de água,
sem ter acontecido a tua vida.

Sim, meu amor, antes de Zarco vir
provar o sumo e o travo à solidão,
no litoral de pedra pressentida
o mar imaginava esta canção.

E as lúcidas gaivotas desse tempo
talhavam com um voo o teu amor:
o início de lava e sal que deixa
(talvez) neste poema algum esplendor (1).


_____

(1) A ilha hoje é um paraíso inglês
     de orquídeas e renques orvalhados:
     mister X e a cana do açúcar
     mister Y, bancos, luz, bordados.

     Ó Cesário, pudesses tu voltar
     e deste cais onde não há varinas
     ver os garotos na água a implorar
     (sir, one penny) o oiro das neblinas.


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