quarta-feira, 2 de novembro de 2011

1 e 2 de Novembro, práticas e costumes

Práticas Alimentares

Autores há que defendem constituírem as duas celebrações do dia 1 e dia 2 uma única festa, expressa e directamente ligada ao culto dos mortos.

Nas festividades de Todos os Santos, de Finados ou dos Fiéis Defuntos - e noutras comemorações de carácter cíclico ou pontual, religiosas ou profanas - vamos encontrar reminiscências de celebrações mágico-propiciatórias, de purificação ou profilácticas praticadas pelos nossos antepassados, representando, por sua vez, também elas resquícios de cultos naturalistas de deuses ou espíritos da vegetação, mais remotos ainda, tendo por objectivo o apaziguamento e a debelação do mal ou a procura da fertilidade e da abundância.

Na aldeia de Benquerença (Castelo Branco), no dia de Todos os Santos, faziam-se as tradicionais «papas de milho» ou de «carolo», comidas neste dia a hora da merenda ou à sobremesa. Manjar cerimonial desta data, as papas oferecem aos amigos ou familiares que apareciam como visita ou a quem passava, ocasionalmente, em casa de cada de cada um.

As papas de milho aparecem também no Alto Alentejo, caso de Arronches (Portalegre), onde lhes juntam passas, nozes e castanhas, e de Castelo de Vide, em que lhes adicionam açúcar e mel, enquanto no Algarve tomam o nome de «xarém».

Em Castelo de Vide o milho destinado às papas tradicionais deste dia era obrigatoriamente moído nas «zagarelhas» (moinhos manuais).

Em Aveiro, em vez de milho, as papas são feitas de abóbora-menina, costume que só neste lugar se verifica, conquanto confeccionadas especialmente para o dia dos Fiéis Defuntos.

No distrito de Bragança (Trás-os-Montes), antigamente, no dia 1 de Novembro os rapazes comiam dois chibos, um deles oferecido pelos próprios rapazes, o outro pelas raparigas.

Também na aldeia de Cidões (mesma região) é tradição antiga, na noite de 31 de Outubro para 1 de Novembro, os habitantes reunirem-se numa refeição conjunta, tendo por prato cerimonial a carne de cabra. Nas mesas improvisadas ao ar livre, além da abundância de vinho, comem-se ainda castanhas e maçãs. Enquanto decorre a ceia, arde perto dos convivas (aldeia em peso) a chama acolhedora do «canhoto», nome dado ali à tradicional «fogueira dos santos».


O Roubo Ritual

Ainda no dia de Todos os Santos, em certas localidades do Norte, continua a verificar-se o hábito de praticar o «roubo ritual», que consiste em furtar objectos diversos (vasos de flores das janelas, cancelas, carro de lavoura e outros utensílios), que são deixados no meio dos caminhos ou colocados no adro das igrejas. A praxe inclui ainda o roubo de animais, que se levam para longe e se abandonam depois presos a uma árvore.
Estas diversões rituais terão origem nas liberdades licenciosas de natureza mágico-propiciatória praticadas em épocas remotas, cujas reminiscências, à semelhança de muitas outras, perduram ainda hoje um pouco por todo o mundo associadas às festividades cíclicas actuais, religiosas e profanas.



Pão por Deus

Como representantes dos mortos, vamos encontrar no dia dos Fiéis Defuntos e até no dia de Todos os Santos, crianças e pobres que pedem de porta em porta o «pão por Deus», isto é, os manjares cerimoniais que lhes são oferecidos nesta data, afirmando o povo que, «por cada bolo por eles comido, há uma alma que se livra do Purgatório». Crianças e adultos representam, assim, as almas dos mortos que «neste dia erram pelo mundo», simbolizando a oferta do pão por Deus a esmola que se dá por intenção dos defuntos ou uma dádiva feita às próprias almas.
Os grupos de crianças que pedem de porta em porta o «pão por Deus» recebem em troca romãs, nozes, figos, pêros, maçãs, pinhões, rebuçados, bolachas, pequenos pãezinhos e também dinheiro, que guardam destinado aos donativos.

Até há alguns anos atrás, tão enraizada entre nós a oferta do repasto e donativos neste dia em favor dos mortos que, em cumprimento dessa crença, nela tomavam parte como delegados dos defuntos as crianças e os adultos não necessitados, chegando, por intenção das almas a ser enviado, em certas localidades o «pão por Deus» a familiares e amigos.

(…)

Em Lamego chamam aos bolos desta quadra «santoros»  ou «santórios», com forma de pães alongados ostentando nas pontas duas saliências imitando chifres – designados popularmente «cornos» (cuja praxe obrigava a que nessa noite fossem colocados debaixo das almofadas das crianças, com sentido de protecção, ritual ainda hoje mantido, embora sem a adesão de outrora).
Na região da Guarda levam a designação de «santórum» e apresentam um formato oval.
Em Coimbra dão-lhe o nome de «bolinhos bolinhós», tomando em Leiria (mesma região)o nome de «merendeiras», ou «bolos santos».
Em Idanha-a-Nova, os bolinhos tomam o nome de «broinhas dos santos». Na Batalha (Beira Litoral) são uma vez mais os «santoros» ou «santorinhos» [destes comi eu - Rebolaria, Batalha] que as crianças, no dia de Todos os Santos, pedem um pouco por todo o concelho.
Em Óbidos as mulheres fazem as «merendeiras» (pequenos pães de milho com açúcar e erva-doce).

No Alentejo são representados por pequenos pães cozidos especialmente para este dia, conhecido ali por «dia dos bolinhos», continuando a juntar-se à dádiva dos bolos maçãs, pêros, passas de uva, figos secos, nozes, pinhões, amêndoas, castanhas, marmelos e romãs.
No Algarve, os bolos tomam a forma de pequenas broas de farinha de milho, mel, erva-doce e azeite. Em Lagos, os «bolinhos» são achatados, levam farinha, açúcar e erva doce e são cozidos no forno sobre folhas de figueira ou couve.

Em São Miguel (Açores) confeccionam-se nesta quadra as «escaldadas» pequenos pães feitos com farinha de milho, leite e açúcar. 

IN: Soledade Martinho Costa e Jorge Barros (2002), Festas e Tradições Populares: Março e Abril. Lisboa: Círculo de Leitores.

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