quinta-feira, 12 de março de 2015

Luís Miguel Nava - Sem outro Intuito


Atirávamos pedras
à água para o silêncio vir à tona.
O mundo, que os sentidos tonificam,
surgia-nos então todo enterrado
na nossa própria carne, envolto
por vezes em ferozes transparências
que as pedras acirravam
sem outro intuito além do de extraírem
às águas o silêncio que as unia.

Luís Miguel Nava, in 'Vulcão'

Fernando Martinez Pozal - Marco fontanário


Fernando Martinez Pozal - marco fontanário
fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico

Fernando Martinez Pozal

quarta-feira, 11 de março de 2015

PERO MEOGO - Levou-s’a louçana, levou-s’a velida:




Levou-s’a louçana, levou-s’a velida:
vai lavar cabelos, na fontana fria.
Leda dos amores, dos amores leda.

Levou-s’a velida, Levou-s’a louçana:
vai lavar cabelos, na fria fontana.
Leda dos amores, dos amores leda.


Vai lavar cabelos, na fontana fria:
passou seu amigo, que lhi bem queria.
Leda dos amores, dos amores leda.

Vai lavar cabelos, na fria fontana:
passa seu amigo, que a muit’amava.
Leda dos amores, dos amores leda.

Passa seu amigo, que lhi bem queria:
o cervo do monte a augua volvia.
Leda dos amores, dos amores leda.

Passa seu amigo, que a muit’amava:
o cervo do monte volvia a augua.
Leda dos amores, dos amores leda.

terça-feira, 10 de março de 2015

Alberto Carlos Lima - Paisagens Marítimas, 191-




Alberto Carlos Lima | fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico


Alberto Carlos Lima | fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico

ANTERO DE QUENTAL - OCEANO NOX


A A. de Azevedo Castelo Branco
Junto do mar, que erguia gravemente
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vôo do pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente...

Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que idéia gravitais?

Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...

in: Antero de Quental, Sonetos, Livraria Sá da Costa Editora, 1979


Artur Pastor - Âncoras



fotografia de Artur Pastor | Arquivo Municipal de Lisboa|
Núcleo Fotográfico

CAMILO PESSANHA - CANÇÃO DA PARTIDA


Ao meu coração um peso de ferro
Eu hei-de prender na volta do mar.
Ao meu coração um peso de ferro...
    Lançá-lo ao mar

Quem vai embarcar, que vai degredado,
As penas do amor não queira levar...
Marujos, erguei o cofre pesado,
    Lançai-o ao mar.

E hei de mercar um fecho de prata.
O meu coração é o cofre selado.
A sete chaves: tem dentro uma carta...
— A última, de antes do teu noivado.

A sete chaves — a carta encantada!
E um lenço bordado... Esse hei-de o levar,
Que é para molhar na água salgada
No dia em que enfim deixar de chorar.

in: Camilo Pessanha, Clepsidra, Lisboa, Ática, 1992

sexta-feira, 6 de março de 2015

Helena Nilo - Aquae



helena nilo | aquae 2013\2014

para o Luis Manuel Gaspar
Obrigada!

Sebastião da Gama - Raiz

Tanto dissemos tu e eu, tanta palavra!...
E os enganos, as lutas, as promessas...
Como tudo vai longe! Como tudo foi útil e preciso!
Olha, vem à janela... Lá em baixo no largo,
brincam, junto da fonte, os moços e as meninas.
Alegres todos, riem. Nem reparam
como é triste uma fonte que não corre.
O que hão-de eles saber ?! Têm cinco, seis anos...

                                            Da janela
vemo-los bem. Vem à janela olhá-los,
felizes como nós...

Arrábida, Novembro de 51

in: Sebastião da Gama, Pelo Sonho É Que Vamos, Edições Arrábida

quinta-feira, 5 de março de 2015

Raul Brandão - MULHERES


«Outra vez rebuliço — agora é na fonte. Balbúrdia. Algumas são desbocadas, e aquela no auge da fúria curva‑se e bate palmadasem certo sítio, sobre as saias — quando não faz pior e o mostra… Então o barulho ensurdece. — Bateste no meu filho, grande porca! — Arrolada! — diz a outra. Arrolada é a pior de todas as injúrias… Dois cântaros partidos nas cabeças. A água inunda‑as e refresca‑as. E tudo volta ao silêncio. Só se ouve cantar nos tanques e o bater compassado da onda no cais. Aí tornam a passar as raparigas, com o cântaro à cabeça, a mão na cinta, e um fio húmido a escorrer‑lhes pela cara, apesar da cortiça que usam à superfície da água, para não se espalhar o líquido…»

in: Raul Brandão, Os Pescadores, ed. Vítor Viçoso e Luis Manuel Gaspar, Lisboa, Relógio D'Água, 2014

quarta-feira, 4 de março de 2015

ANTÓNIO OSÓRIO - O HIDRÓMETRA

Quando media
o débito da água
antes
no furo artesiano
lavava o rosto
e bebia.


De sua Mãe
se lembrava, devolvendo-o
(chuva) ao mundo.


terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Artur Pastor



fotografia de Artur Pastor  (Barroso)
Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico




fotografia de Artur Pastor (Sintra)
Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico





Nausica


(Versão de Traz os Montes)

Manhanita de São João,
Pela manhã de alvorada,
Jesus Christo  se passeia;
Ao redor da fonte clara,
Por sua boca dizia,
Por sua boca  falava:

-- Esta agua fica benta,
e a fonte fica sagrada.

Ouviu-o a filha de el rei
D'altas torres d'onde estava;

Vestiu suas meias de seda,
Calçou sapatos de prata,
Pegou num cantaro de ouro
Á fonte foi buscar agua.
Lá no meio do caminho
Com a Virgem se encontrava;
Atreveu-se e Perguntor-lhe
Se havia de ser casada?

Casadinha haveis de ser,
muito bem afortunada;
Tres filhos haveis de ter,
Todos  de  capa e espada;
Um será bispo de Roma
E outro cardeal em Braga
O mais novo d'elles todos
Servo da Virgem sagrada

Ditosa a donzelinha
Que foi á fonte que foi buscar água.


Teófilo Braga, Romanceiro Geral Português, 2ª edição

A moça da fonte

(Versão de Traz os Montes da Nausica)

Minha mãe mandou-me á fonte,
Á fonte do Salgueirinho;
Mandou-me lavar o cantaro
Com a flôr do rosmaninho.
Eu lavei-o com areia
E quebrei-lhe um bocadinho.

-- Anda cá, perra
Onde tinhas o sentido?
Não o tinhas tu na roca,
Nem tão pouco no sarilho,
Tinha-lo n'aquelle magano
Que anda de amores contigo.

«-- Ó minha mãe não me bata,
Com varas de marmeleiro,
Que eu estou muito doentinha,
Mande chamar o barbeiro,»

-- O barbeiro já alli vem,
Com a lanceta na mão,
Para sangrar a menina,
Na veia do coração.

-- Mal o hajas, tu, barbeiro,
E mais a tua navalha
Fôste sangrar a menina,
Na veia mais delicada.

Teófilo Braga, Romanceiro Geral Português, 2ª edição

Sebastião da Gama - POEMA DEPOIS DA CHUVA

(a Maria Guiomar)
Depois da chuva o Sol -- a graça.
Oh! a terra molhada iluminada!
E os regos de água atravessando a praça
-- luz a fluir, num fluir imperceptível quase.

Canta, contente, um pássaro qualquer.
Logo a seguir, nos ramos nus, esvoaça.
O fundo é branco -- cal fresquinha no casario da praça.

Guizos, rodas rodando, vozes claras no ar.

Tão alegre este Sol! Há Deus. (Tivera-O eu negado
antes do Sol, não duvidava agora.)
Ó Tarde virgem, Senhora Aparecida! Ó Tarde igual
às manhãs do princípio!

E tu passaste, flor dos olhos pretos que eu admiro.
Grácil, tão grácil!.. Pura imagem da Tarde...
Flor levada nas águas, mansamente...

(Fluía a luz, num fluir imperceptível quase... )


Estremoz, 12 de Fevereiro de 1951
Publicado em "A Teixeira de Pascoaes"

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Afonso Lopes Vieira - FEVEREIRO - A CHUVA

Nesta hora sozinha e pardacenta,
a chuva entra na aldeia...

No ar, cheio de musgo, a luz cinzenta
bruxoleia.

Através da vidraça,
vejo-a que chega: é uma mendiga escura,
trôpega e acurvada. E vem cansada.
Há, nos seus olhos vagos, amargura.
Oiço as suas passadas resignadas,
arrastadas por baixo da janela.
E digo para mim: -- É a chuva.-- E ela,
a triste vellha curva e turva, passa...

No ar, cheio de musgo, a luz cinzenta
bruxoleia.

E a chuva atravessa a aldeia.

Através da vidraça,
onde colei a minha face, agora,
contra o vidro tão baço como o céu,
vejo-a que vai: e vai p'la rua fora...

Não se ouve uma voz. E ninguém passa.

Tudo se sente só: a chuva e eu.

In: Afonso Lopes Vieira, Canções do Vento e do Sol, Ulmeiro, 1983

Artur Benarus - lavadeiras, em Espinho, 191-


[Artur Berarus]
fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico




[Artur Berarus]
fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico



[Artur Berarus]
fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico





terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Branquinho da Fonseca - O Arquipélago das Sereias

Ó nau Catarineta
Em que andei no mar
Por caminhos de ir,
Nunca de voltar!

Veio a tempestade
Perder-se do mundo,
Fez-se o céu infindo,
Fez-se o mar sem fundo!

Ai como era grande
O mundo e a vida Se a nau, tendo estrela,
Vogava perdida!

E que lindas eram
Lá em Portugal
Aquelas meninas
No seu laranjal!

E o cavalo branco
Também lá o via
Que tão belo e alado
Nenhum outro havia!

Mundo que não era,
Terras nunca vistas!
Tive eu de perder-me
Pra que tu existas.

Ó nau Catarineta
Perdida no mar,
Não te percas ainda,
Vem-me cá buscar!

Afonso Lopes Vieira - Cantares dos Búzios

Ai ondas do mar, ai ondas,
ó jardins das alvas flores,
sobre vós, ondas, ai ondas,
suspiram os meus amores.

No fundo dos búzios canta
o mar que chora a cantar
ó mar que choras cantando,
eu canto e estou a chorar!

Ai ondas do mar, ai ondas,
eu bem vos quero lembrar:
«a minha alma é só de Deus
e o meu corpo da água do mar!»