quarta-feira, 19 de novembro de 2014
terça-feira, 18 de novembro de 2014
Afonso Lopes Vieira - Onde a terra se acaba e o mar começa
Onde a terra se acaba e o mar começa
é Portugal;
simples pretexto para o litoral,
verde nau qu'ao mar largo se arremessa.
Onde a terra se acaba e o mar começa
a Estremadura está,
com o Verde Pino que em glória floreça,
mosteiros, castelos, tanta pátria ali há!
Onde a terra se acaba e o mar começa
há uma casa onde amei, sonhei, sofri;
encheu-se-me de brancas a cabeça
e, debruçado para o mar, envelheci...
Onde a terra se acaba e o mar começa
é a bruma, a ilha qu'o Desejo tem;
e ouço nos búzios, té que o som esmoreça,
novas da minha pátria - além, além!...
Afonso Lopes Vieira, Onde a Terra se Acaba e o Mar Começa, Bertrand, 1940
a Estremadura está,
com o Verde Pino que em glória floreça,
mosteiros, castelos, tanta pátria ali há!
Onde a terra se acaba e o mar começa
há uma casa onde amei, sonhei, sofri;
encheu-se-me de brancas a cabeça
e, debruçado para o mar, envelheci...
Onde a terra se acaba e o mar começa
é a bruma, a ilha qu'o Desejo tem;
e ouço nos búzios, té que o som esmoreça,
novas da minha pátria - além, além!...
Afonso Lopes Vieira, Onde a Terra se Acaba e o Mar Começa, Bertrand, 1940
domingo, 16 de novembro de 2014
Inês Dias - Assim que a estação morria
fotografia de Inês Dias, 2014 |
"Grief returns like the rain,
like the night."
IRIS MURDOCH
Assim que a estação morria,
o mar vinha buscá-la
entre salvas e limos
e restos de outros naufrágios.
Os banheiros desmontavam a praia,
arriando bandeiras friorentas
enquanto eu, rei sem reino
para trocar pelo cavalo,
regressava então ao exílio.
À espreita, rancorosos, os dias
úteis, caçadores com alma
pela trela e o prazer
de atirar para ferir;
atrás de mim o verão,
como água salgada
a lamber uma ferida aberta.
A tua chuva, poeta,
já nada me consegue ensinar:
tornei-me um cego
a quem cortaram as mãos
para não ler mais
o mundo, invariavelmente,
repetidamente, ainda ali.
Inês Dias, Tempos Vários, Paralelo W, Janeiro de 2014
sábado, 15 de novembro de 2014
Bernardo Soares - Lagoa da posse [a]
A posse é para meu pensar uma lagoa absurda — muito grande, muito
escura, muito pouco profunda. Parece funda a água porque é falsa de
suja.
A morte? Mas a morte está dentro da vida. Morro totalmente? Não sei da vida. Sobrevivo-me? Continuo a viver.
O sonho? Mas o sonho está dentro da vida. Vivemos o sonho? Vivemos. Sonhamo-lo apenas? Morremos. E a morte está dentro da vida.
Como a nossa sombra a vida persegue-me. E só não há sombra quando tudo é sombra. A vida só nos não persegue quando nos entregamos a ela.
O que há de mais doloroso no sonho é não existir. Realmente, não se pode sonhar.
O que é possuir? Nós não o sabemos. Como querer então poder possuir qualquer coisa. Direis que não sabemos o que é a vida, e vivemos... Mas nós vivemos realmente? Viver sem saber o que é a vida será viver?
A morte? Mas a morte está dentro da vida. Morro totalmente? Não sei da vida. Sobrevivo-me? Continuo a viver.
O sonho? Mas o sonho está dentro da vida. Vivemos o sonho? Vivemos. Sonhamo-lo apenas? Morremos. E a morte está dentro da vida.
Como a nossa sombra a vida persegue-me. E só não há sombra quando tudo é sombra. A vida só nos não persegue quando nos entregamos a ela.
O que há de mais doloroso no sonho é não existir. Realmente, não se pode sonhar.
O que é possuir? Nós não o sabemos. Como querer então poder possuir qualquer coisa. Direis que não sabemos o que é a vida, e vivemos... Mas nós vivemos realmente? Viver sem saber o que é a vida será viver?
Fernando Pessoa - Contemplo o lago mudo
Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.
O lago nada me diz.
Não sinto a brisa mexê-lo.
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo.
Trémulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.
O lago nada me diz.
Não sinto a brisa mexê-lo.
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo.
Trémulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?
Fernanda de Castro - O Poço * Luis Manuel Gaspar - O Poço
![]() |
luis manuel gaspar, «o poço», 'ronda das horas lentas' (1980-1989) |
FERNANDA DE CASTRO
O POÇO
Velho poço de água velha,
que não reflecte nem espelha
luz de olhar, brilho de estrela.
Toalha verde e amarela
de folhas apodrecidas,
avencas, líquenes, fetos,
sob os quais pulula a Vida
em mim vida repartida:
bactérias, larvas, insectos.
Paredes viscosas, tortas,
paredes já sem idade
que segregam humidade
e cheiram a coisas mortas.
Vida e Morte confundidas.
Não há barreiras nem fosso,
nem fronteiras definidas
nas águas turvas do poço.
quinta-feira, 13 de novembro de 2014
Eugénio de Andrade - Um rio te espera
Estás só, e é de noite,
na cidade aberta ao vento leste.
Há muita coisa que não sabes
e é já tarde para perguntares.
Mas tu já tens palavras que te bastem,
as últimas,
pálidas, pesadas, ó abandonado.
Estás só
e ao teu encontro vem
a grande ponte sobre o rio.
Olhas a água onde passam os barcos,
escura, densa, rumorosa
de lírios ou pássaros nocturnos.
Por um momento esqueces
a cidade e o seu comércio de fantasmas,
a multidão atarefada em construir
pequenos ataúdes para o desejo,
a cidade onde cães devoram,
com extrema piedade,
crianças cintilantes
e despidas.
Olhas o rio
como se fora o leito
da tua infância:
lembra-te da madressilva
no muro do quintal,
dos medronhos que colhias
e deitavas fora,
dos amigos a quem mandavas
palavras inocentes
que regressavam a sangrar,
lembras-te da tua mãe
que te esperava
com os olhos molhados de alegria.
Olhas a água, a ponte,
os candeeiros,
e outra vez a água;
a água;
água ou bosque;
sombra pura
nos grandes dias de verão.
Estás só.
Desolado e só.
E é de noite.
quarta-feira, 12 de novembro de 2014
terça-feira, 11 de novembro de 2014
António Botto - Passei o Dia Ouvindo o que o Mar Dizia
![]() |
Helena Nilo | Setembro 2014 |
Eu hontem passei o dia
Ouvindo o que o mar dizia.
Chorámos, rimos, cantámos.
Fallou-me do seu destino,
Do seu fado...
Depois, para se alegrar,
Ergueu-se, e bailando, e rindo,
Poz-se a cantar
Um canto molhádo e lindo.
O seu halito perfuma,
E o seu perfume faz mal!
Deserto de aguas sem fim.
Ó sepultura da minha raça
Quando me guardas a mim?...
Elle afastou-se calado;
Eu afastei-me mais triste,
Mais doente, mais cansado...
Ao longe o Sol na agonia
De rôxo as aguas tingia.
«Voz do mar, mysteriosa;
Voz do amôr e da verdade!
- Ó voz moribunda e dôce
Da minha grande Saudade!
Voz amarga de quem fica,
Trémula voz de quem parte...»
. . . . . . . . . . . . . . . .
E os poetas a cantar
São echos da voz do mar!
para a Gabriela P.P.
sábado, 8 de novembro de 2014
António Barahona - [O mergulhador tocou o fundo mar]
![]() |
fotografia de Fantasy Diving |
O mergulhador tocou o fundo do fundo:
sai-lhe sangue dos ouvidos e das narinas;
o coração esmagado sob o pêso da água
fragmenta-se; a corola das algas
coroa o seu martyrio
Oh, a embriaguês da água é maior do que a do vinho!
O afogado, antes de morrer, não se aflige:
contempla o azul esverdeado, a cintilação,
os pormenores da luz quieta no movimento,
as mãos transparentes
O mergulhador continua a descer
para lá do fundo do fundo,
onde não há fundo: só desconhecimento de si próprio
e um mêdo infinito
À medida que vai descendo
o mergulhador sobe no abysmo.
In: Pátria minha, Averno, Lisboa, 2014
sexta-feira, 7 de novembro de 2014
quinta-feira, 6 de novembro de 2014
Afonso Lopes Vieira - Lenda da Vela * Luis Manuel Gaspar - Lenda da Vela
![]() |
luis manuel gaspar, 'lenda da vela', 'prelo', 3.º série, n.º 1, lisboa, incm, jan.-abr 2006 |
AFONSO LOPES VIEIRA
LENDA DA VELA
Sobre o relevo da água
passando ao largo,
— casca de noz boiando no infinito —
vai uma vela…
Maria, com os olhos nela,
com o coração aflito,
vendo-a que sobe no irritado dorso
da vaga que arfa e que, crescendo, quási que a [afunda
e sobre que ergue novo e erguido esforço,
— Maria, com os olhos nela,
a Deus pede bom porto para a vela.
Este vento que sopra enfuna o xale
que está seus ombros cingindo,
e faz com ele o alado gesto igual
ao da vela que aos olhos vai fugindo…
Ísis, subindo o Nilo na jangada
que a remos leva na tenaz corrente,
já de remar se senta tão cansada
que mal avança já, cansadamente;
e a vontade da água é tão paciente,
tão tranquila, tão forte, que, assustada,
a pobre deusa desfalece e sente
que lhe desmaia a pálida remada.
Então, seu manto erguendo para a margem,
eis brada por socorro! — Entanto, a aragem
que o manto colhe em vivos arripios,
incha-o, redondo. . . — E rio acima, agora,
vai a nau que primeiro ao vento arvora
a Vela, mãe da glória dos navios!...
Afonso Lopes Vieira, «Lenda da vela», O Pão e as Rosas, 1908
quarta-feira, 5 de novembro de 2014
Pescadores
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fotografia de José Chaves Cruz Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico |
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fotografia de Helena Corrêa de Barros Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico |
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fotografia de Eduardo Portugal Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico |
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fotografia de Helena Corrêa de Barros Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico |
terça-feira, 4 de novembro de 2014
segunda-feira, 3 de novembro de 2014
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