luis manuel gaspar, 'lenda da vela', 'prelo', 3.º série, n.º 1, lisboa, incm, jan.-abr 2006 |
AFONSO LOPES VIEIRA
LENDA DA VELA
Sobre o relevo da água
passando ao largo,
— casca de noz boiando no infinito —
vai uma vela…
Maria, com os olhos nela,
com o coração aflito,
vendo-a que sobe no irritado dorso
da vaga que arfa e que, crescendo, quási que a [afunda
e sobre que ergue novo e erguido esforço,
— Maria, com os olhos nela,
a Deus pede bom porto para a vela.
Este vento que sopra enfuna o xale
que está seus ombros cingindo,
e faz com ele o alado gesto igual
ao da vela que aos olhos vai fugindo…
Ísis, subindo o Nilo na jangada
que a remos leva na tenaz corrente,
já de remar se senta tão cansada
que mal avança já, cansadamente;
e a vontade da água é tão paciente,
tão tranquila, tão forte, que, assustada,
a pobre deusa desfalece e sente
que lhe desmaia a pálida remada.
Então, seu manto erguendo para a margem,
eis brada por socorro! — Entanto, a aragem
que o manto colhe em vivos arripios,
incha-o, redondo. . . — E rio acima, agora,
vai a nau que primeiro ao vento arvora
a Vela, mãe da glória dos navios!...
Afonso Lopes Vieira, «Lenda da vela», O Pão e as Rosas, 1908
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