sábado, 15 de novembro de 2014
Fernanda de Castro - O Poço * Luis Manuel Gaspar - O Poço
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luis manuel gaspar, «o poço», 'ronda das horas lentas' (1980-1989) |
FERNANDA DE CASTRO
O POÇO
Velho poço de água velha,
que não reflecte nem espelha
luz de olhar, brilho de estrela.
Toalha verde e amarela
de folhas apodrecidas,
avencas, líquenes, fetos,
sob os quais pulula a Vida
em mim vida repartida:
bactérias, larvas, insectos.
Paredes viscosas, tortas,
paredes já sem idade
que segregam humidade
e cheiram a coisas mortas.
Vida e Morte confundidas.
Não há barreiras nem fosso,
nem fronteiras definidas
nas águas turvas do poço.
quinta-feira, 13 de novembro de 2014
Eugénio de Andrade - Um rio te espera
Estás só, e é de noite,
na cidade aberta ao vento leste.
Há muita coisa que não sabes
e é já tarde para perguntares.
Mas tu já tens palavras que te bastem,
as últimas,
pálidas, pesadas, ó abandonado.
Estás só
e ao teu encontro vem
a grande ponte sobre o rio.
Olhas a água onde passam os barcos,
escura, densa, rumorosa
de lírios ou pássaros nocturnos.
Por um momento esqueces
a cidade e o seu comércio de fantasmas,
a multidão atarefada em construir
pequenos ataúdes para o desejo,
a cidade onde cães devoram,
com extrema piedade,
crianças cintilantes
e despidas.
Olhas o rio
como se fora o leito
da tua infância:
lembra-te da madressilva
no muro do quintal,
dos medronhos que colhias
e deitavas fora,
dos amigos a quem mandavas
palavras inocentes
que regressavam a sangrar,
lembras-te da tua mãe
que te esperava
com os olhos molhados de alegria.
Olhas a água, a ponte,
os candeeiros,
e outra vez a água;
a água;
água ou bosque;
sombra pura
nos grandes dias de verão.
Estás só.
Desolado e só.
E é de noite.
quarta-feira, 12 de novembro de 2014
terça-feira, 11 de novembro de 2014
António Botto - Passei o Dia Ouvindo o que o Mar Dizia
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Helena Nilo | Setembro 2014 |
Eu hontem passei o dia
Ouvindo o que o mar dizia.
Chorámos, rimos, cantámos.
Fallou-me do seu destino,
Do seu fado...
Depois, para se alegrar,
Ergueu-se, e bailando, e rindo,
Poz-se a cantar
Um canto molhádo e lindo.
O seu halito perfuma,
E o seu perfume faz mal!
Deserto de aguas sem fim.
Ó sepultura da minha raça
Quando me guardas a mim?...
Elle afastou-se calado;
Eu afastei-me mais triste,
Mais doente, mais cansado...
Ao longe o Sol na agonia
De rôxo as aguas tingia.
«Voz do mar, mysteriosa;
Voz do amôr e da verdade!
- Ó voz moribunda e dôce
Da minha grande Saudade!
Voz amarga de quem fica,
Trémula voz de quem parte...»
. . . . . . . . . . . . . . . .
E os poetas a cantar
São echos da voz do mar!
para a Gabriela P.P.
sábado, 8 de novembro de 2014
António Barahona - [O mergulhador tocou o fundo mar]
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fotografia de Fantasy Diving |
O mergulhador tocou o fundo do fundo:
sai-lhe sangue dos ouvidos e das narinas;
o coração esmagado sob o pêso da água
fragmenta-se; a corola das algas
coroa o seu martyrio
Oh, a embriaguês da água é maior do que a do vinho!
O afogado, antes de morrer, não se aflige:
contempla o azul esverdeado, a cintilação,
os pormenores da luz quieta no movimento,
as mãos transparentes
O mergulhador continua a descer
para lá do fundo do fundo,
onde não há fundo: só desconhecimento de si próprio
e um mêdo infinito
À medida que vai descendo
o mergulhador sobe no abysmo.
In: Pátria minha, Averno, Lisboa, 2014
sexta-feira, 7 de novembro de 2014
quinta-feira, 6 de novembro de 2014
Afonso Lopes Vieira - Lenda da Vela * Luis Manuel Gaspar - Lenda da Vela
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luis manuel gaspar, 'lenda da vela', 'prelo', 3.º série, n.º 1, lisboa, incm, jan.-abr 2006 |
AFONSO LOPES VIEIRA
LENDA DA VELA
Sobre o relevo da água
passando ao largo,
— casca de noz boiando no infinito —
vai uma vela…
Maria, com os olhos nela,
com o coração aflito,
vendo-a que sobe no irritado dorso
da vaga que arfa e que, crescendo, quási que a [afunda
e sobre que ergue novo e erguido esforço,
— Maria, com os olhos nela,
a Deus pede bom porto para a vela.
Este vento que sopra enfuna o xale
que está seus ombros cingindo,
e faz com ele o alado gesto igual
ao da vela que aos olhos vai fugindo…
Ísis, subindo o Nilo na jangada
que a remos leva na tenaz corrente,
já de remar se senta tão cansada
que mal avança já, cansadamente;
e a vontade da água é tão paciente,
tão tranquila, tão forte, que, assustada,
a pobre deusa desfalece e sente
que lhe desmaia a pálida remada.
Então, seu manto erguendo para a margem,
eis brada por socorro! — Entanto, a aragem
que o manto colhe em vivos arripios,
incha-o, redondo. . . — E rio acima, agora,
vai a nau que primeiro ao vento arvora
a Vela, mãe da glória dos navios!...
Afonso Lopes Vieira, «Lenda da vela», O Pão e as Rosas, 1908
quarta-feira, 5 de novembro de 2014
Pescadores
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fotografia de José Chaves Cruz Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico |
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fotografia de Helena Corrêa de Barros Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico |
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fotografia de Eduardo Portugal Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico |
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fotografia de Helena Corrêa de Barros Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico |
terça-feira, 4 de novembro de 2014
segunda-feira, 3 de novembro de 2014
CANÇÃO
"triste como um rio, sereno como as pontes..."
fio d'água transparente
balança de luz
na noite que se alarga
serena como um rio
serena como as pontes
estátua que conduz
estátua que conduz
o cintilar do negro
na noite que se alarga
serena como um rio
serena como as pontes
o gato que se enrola
o gato que se enrola
a limitar o brilho
que identifica o negro
que a noite percorre
sereno como um rio
sereno como as pontes
palácio que esqueci
palácio que esqueci
teu corpo já estrangeiro
no nome tão distante
felino ainda na noite
triste como um rio
triste como um rio
sereno como as pontes
Manuel de Castro, A Estrela Rutilante, ed. do autor
domingo, 2 de novembro de 2014
sábado, 1 de novembro de 2014
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