domingo, 7 de dezembro de 2014

viagens na minha terra...


PRECISO  DE  ESPAÇO


Preciso de espaço
Para ser feliz
Preciso de espaço
Para ser raiz
Ter a rede pronta
Para o mar de sempre
Ter aves e sonho
Quando a terra escuta
Falar de amor
Aos tambores da luta.

Ter palavras certas
No sol do caminho
E beber a rir o doirado vinho
Misturar a vida
Misturar o vento
E nas madrugadas
Quando o povo abraço
Para estar contigo
Preciso de espaço.

Preciso de espaço
Para ser feliz
Preciso de espaço
Para ser raiz
Caminhar sem ódio
Falar sem mentiras
Ter meus olhos longe
Na luz de uma estrela
E ser como um rio
Que se agita ao vê-la.

Vasco de Lima Couto


fotografias de Daniel Soares Ferreira, São Pedro do Sul


fotografias de Daniel Soares Ferreira, São Pedro do Sul


fotografias de Daniel Soares Ferreira, São Pedro do Sul


fotografias de Daniel Soares Ferreira, São Pedro do Sul


fotografias de Daniel Soares Ferreira, São Pedro do Sul

Carlos de Oliveira - Carta a Rui Feijó sobre o mistério de Oriana


Oriana adormeceu à beira-mar
e os seus cabelos longos de tristeza
salgou-os nessas ondas a coalhar
que há no mar do silêncio à portuguesa.
Correram-lhe das pálpebras pesadas
o Guadiana e o Tejo, o Minho e o Doiro;
o sol posto deixou-lhe as mãos doiradas,
e adormeceu com luz como um tesoiro.
Que estranho nome o de Oriana: estrela,
mulher ou pátria? flor, constelação?
Palavra numerosa, será ela
o múltiplo acordar desta canção:
aquela por quem eu, e por seu pranto,
sustenho a espada de Amadis e canto.


Carlos de Oliveira, Terra de Harmonia, 1950

viagens na minha terra...

terça-feira, 25 de novembro de 2014


[Rocha Peixoto]
fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico



[Rocha Peixoto]
fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico



Manuel de Castro - PARALELO W


Largos largos largos LARGOS HORIZONTES
- não te recordarei. Há um país fatal,
existe uma zona de aventura, um segredo.

O amor possui o tempo - Ignora
que já não há velas nem os capitães
são agora donos de seus barcos.
Tudo que nos transporta participa
do nosso imparável movimento.

Ignora

que os ancoradouros são para navios
mas os navios partem
e por vezes não regressam

Todos os meus amigos são rosas brancas
todo o meu amor é ave lenta

No entanto

prefiro-me veneziano rápido
oferecendo anéis aos mendigos
vestir-me de rubro e negro para ti
ao som dos clarins
fluir viagem de flores súplice de perigo

os navios partem
por vezes não regressam e todavia
eis O SUL - uma palavra, um gesto
um lugar, um anel
- rápido som de clarim
Viagem de Flores
Perigo

este é o tempo em que morrem os príncipes
ao sol posto num final sereno
e se iniciam os ritos bárbaros
da Grande Velocidade

manchas no céu da noite
quebram e reunem seus corpos
em cósmicos espelhos
enquanto um mágico aceno de fluor
descreve a partida das nossas frotas
na imensidão azul escura
cristalizando no oculto um sentido
para a vida e para a morte
concretizando o movimento dos nossos músculos
- um brilho que cheira a limo e sal.

Sobre os cadáveres assim incorruptíveis
dos velhos príncipes desagregados no mar
passam os navios
e a geração angélica e terrível
talha o seu destino sobrehumano
onde a noite vai expulsar os astros
iniciar-se, e ter um nome diferente.
 PARALELO W, Sintra: Edição do autor, 1958 (Sintra: Gráfica Sintrense)

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Afonso Lopes Vieira - Onde a terra se acaba e o mar começa




Onde a terra se acaba e o mar começa
é Portugal;
simples pretexto para o litoral,
verde nau qu'ao mar largo se arremessa.


Onde a terra se acaba e o mar começa
a Estremadura está,
com o Verde Pino que em glória floreça,
mosteiros, castelos, tanta pátria ali há!

Onde a terra se acaba e o mar começa
há uma casa onde amei, sonhei, sofri;
encheu-se-me de brancas a cabeça
e, debruçado para o mar, envelheci...

Onde a terra se acaba e o mar começa
é a bruma, a ilha qu'o Desejo tem;
e ouço nos búzios, té que o som esmoreça,
novas da minha pátria - além, além!...


Afonso Lopes Vieira, Onde a Terra se Acaba e o Mar Começa, Bertrand, 1940

domingo, 16 de novembro de 2014

Inês Dias - Assim que a estação morria




fotografia de Inês Dias,  2014




"Grief returns like the rain,
like the night."

IRIS MURDOCH


Assim que a estação morria,
o mar vinha buscá-la
entre salvas e limos
e restos de outros naufrágios.
Os banheiros desmontavam a praia,
arriando bandeiras friorentas
enquanto eu, rei sem reino
para trocar pelo cavalo,
regressava então ao exílio.

À espreita, rancorosos, os dias
úteis, caçadores com alma
pela trela e o prazer
de atirar para ferir;
atrás de mim o verão,
como água salgada
a lamber uma ferida aberta.

A tua chuva, poeta, 
já nada me consegue ensinar:
tornei-me um cego
a quem cortaram as mãos
para não ler mais
o mundo, invariavelmente,
repetidamente, ainda ali.


Inês Dias, Tempos Vários, Paralelo W, Janeiro de 2014

sábado, 15 de novembro de 2014

Bernardo Soares - Lagoa da posse [a]



A posse é para meu pensar uma lagoa absurda — muito grande, muito escura, muito pouco profunda. Parece funda a água porque é falsa de suja.
A morte? Mas a morte está dentro da vida. Morro totalmente? Não sei da vida. Sobrevivo-me? Continuo a viver.
O sonho? Mas o sonho está dentro da vida. Vivemos o sonho? Vivemos. Sonhamo-lo apenas? Morremos. E a morte está dentro da vida.
Como a nossa sombra a vida persegue-me. E só não há sombra quando tudo é sombra. A vida só nos não persegue quando nos entregamos a ela.
O que há de mais doloroso no sonho é não existir. Realmente, não se pode sonhar.
O que é possuir? Nós não o sabemos. Como querer então poder possuir qualquer coisa. Direis que não sabemos o que é a vida, e vivemos... Mas nós vivemos realmente? Viver sem saber o que é a vida será viver?


Fernando Pessoa - Contemplo o lago mudo


Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.

O lago nada me diz.
Não sinto a brisa mexê-lo.
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo.

Trémulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?


4-8-1930


Lago na Tapada de Mafra



fotografia estereoscópica do Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico

Fernanda de Castro - O Poço * Luis Manuel Gaspar - O Poço



luis manuel gaspar, «o poço», 'ronda das horas lentas' (1980-1989)


FERNANDA DE CASTRO

O POÇO

Velho poço de água velha,
que não reflecte nem espelha
luz de olhar, brilho de estrela.

Toalha verde e amarela
de folhas apodrecidas,
avencas, líquenes, fetos,
sob os quais pulula a Vida
em mim vida repartida:
bactérias, larvas, insectos.

Paredes viscosas, tortas,
paredes já sem idade
que segregam humidade
e cheiram a coisas mortas.

Vida e Morte confundidas.
Não há barreiras nem fosso,
nem fronteiras definidas
nas águas turvas do poço.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Eugénio de Andrade - Um rio te espera


Estás só, e é de noite,
na cidade aberta ao vento leste.
Há muita coisa que não sabes
e é já tarde para perguntares.
Mas tu já tens palavras que te bastem,
as últimas,
pálidas, pesadas, ó abandonado.

Estás só
e ao teu encontro vem
a grande ponte sobre o rio.
Olhas a água onde passam os barcos,
escura, densa, rumorosa
de lírios ou pássaros nocturnos.

Por um momento esqueces
a cidade e o seu comércio de fantasmas,
a multidão atarefada em construir
pequenos ataúdes para o desejo,
a cidade onde cães devoram,
com extrema piedade,
crianças cintilantes
e despidas.

Olhas o rio
como se fora o leito
da tua infância:
lembra-te da madressilva
no muro do quintal,
dos medronhos que colhias
e deitavas fora,
dos amigos a quem mandavas
palavras inocentes
que regressavam a sangrar,
lembras-te da tua mãe
que te esperava
com os olhos molhados de alegria.

Olhas a água, a ponte,
os candeeiros,
e outra vez a água;
a água;
água ou bosque;
sombra pura
nos grandes dias de verão.

Estás só.
Desolado e só.
E é de noite.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

António Botto - Passei o Dia Ouvindo o que o Mar Dizia


Helena Nilo | Setembro 2014


Eu hontem passei o dia
Ouvindo o que o mar dizia.

Chorámos, rimos, cantámos.

Fallou-me do seu destino,
Do seu fado...

Depois, para se alegrar,
Ergueu-se, e bailando, e rindo,
Poz-se a cantar
Um canto molhádo e lindo.

O seu halito perfuma,
E o seu perfume faz mal!

Deserto de aguas sem fim.

Ó sepultura da minha raça
Quando me guardas a mim?...

Elle afastou-se calado;
Eu afastei-me mais triste,
Mais doente, mais cansado...

Ao longe o Sol na agonia
De rôxo as aguas tingia.

«Voz do mar, mysteriosa;
Voz do amôr e da verdade!
- Ó voz moribunda e dôce
Da minha grande Saudade!
Voz amarga de quem fica,
Trémula voz de quem parte...»
. . . . . . . . . . . . . . . .

E os poetas a cantar
São echos da voz do mar!



para a Gabriela P.P.

sábado, 8 de novembro de 2014

António Barahona - [O mergulhador tocou o fundo mar]


fotografia de Fantasy Diving

O mergulhador tocou o fundo do fundo:
sai-lhe sangue dos ouvidos e das narinas;
o coração esmagado sob o pêso da água
fragmenta-se; a corola das algas
coroa o seu martyrio

Oh, a embriaguês da água é maior do que a do vinho!
O afogado, antes de morrer, não se aflige:
contempla o azul esverdeado, a cintilação,
os pormenores da luz quieta no movimento,
as mãos transparentes

O mergulhador continua a descer
para lá do fundo do fundo,
onde não há fundo: só desconhecimento de si próprio
e um mêdo infinito

À medida que vai descendo
o mergulhador sobe no abysmo.


In: Pátria minha, Averno, Lisboa, 2014

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Varinas



 Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico


 Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico


fotografia de Joshua Benoliel, [Varina lavando o peixe], 1909
Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico


 Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico

Afonso Lopes Vieira - Lenda da Vela * Luis Manuel Gaspar - Lenda da Vela



luis manuel gaspar, 'lenda da vela',
'prelo', 3.º série, n.º 1, lisboa, incm, jan.-abr 2006







 

 AFONSO LOPES VIEIRA

LENDA DA VELA

Sobre o relevo da água
passando ao largo,
— casca de noz boiando no infinito —
vai uma vela…

Maria, com os olhos nela,
com o coração aflito,
vendo-a que sobe no irritado dorso
da vaga que arfa e que, crescendo, quási que a [afunda
e sobre que ergue novo e erguido esforço,
— Maria, com os olhos nela,
a Deus pede bom porto para a vela.

Este vento que sopra enfuna o xale
que está seus ombros cingindo,
e faz com ele o alado gesto igual
ao da vela que aos olhos vai fugindo…

Ísis, subindo o Nilo na jangada
que a remos leva na tenaz corrente,
já de remar se senta tão cansada
que mal avança já, cansadamente;

e a vontade da água é tão paciente,
tão tranquila, tão forte, que, assustada,
a pobre deusa desfalece e sente
que lhe desmaia a pálida remada.

Então, seu manto erguendo para a margem,
eis brada por socorro! — Entanto, a aragem
que o manto colhe em vivos arripios,

incha-o, redondo. . . — E rio acima, agora,
vai a nau que primeiro ao vento arvora
a Vela, mãe da glória dos navios!...



Afonso Lopes Vieira, «Lenda da vela», O Pão e as Rosas, 1908 

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Pescadores



fotografia de José Chaves Cruz
 Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico


fotografia de Helena Corrêa de Barros
 Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico


fotografia de Eduardo Portugal
 Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico


fotografia de Helena Corrêa de Barros
Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico



Camilo Pessanha - Dois Sonetos Inéditos

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Miguel Torga - Água





Água a correr na fonte.
Uma quimera líquida que sai
Das entranhas do monte
A saber ao mistério que lá vai...

Pura,
Branca, inodora e fria,
Cai numa pedra dura
E desfaz o mistério em melodia...


Gerês, 26 de Agosto de 1942
Diário II


fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Pescadores contando o ganho da safra

Rocha Peixoto - Lavadeira no rio




CANÇÃO


"triste como um rio, sereno como as pontes..."
fio d'água transparente
balança de luz
na noite que se alarga
serena como um rio
serena como as pontes

estátua que conduz
o cintilar do negro
na noite que se alarga
serena como um rio
serena como as pontes

o gato que se enrola
a limitar o brilho
que identifica o negro
que a noite percorre
sereno como um rio
sereno como as pontes

palácio que esqueci
teu corpo já estrangeiro
no nome tão distante
felino ainda na noite

triste como um rio
sereno como as pontes

Manuel de Castro, A Estrela Rutilante, ed. do autor

quinta-feira, 30 de outubro de 2014



«Quem não poupa água nem lenha não poupa nada que se tenha» 

Adágio Popular

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Rocha Peixoto



fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | Fotográfico



Luís Miguel Nava - Rios


Aqui, onde o vemos
correr, o rio mais não é que uma cortina, por trás
da qual corre outro rio. O
que no primeiro se reflecte
no outro transfigura-se.

Desprende-se o primeiro
do plano a que os sentidos o
mantêm agarrado, para assim
melhor entrar na alma, de cuja
incerta superfície faz as margens.
Disto isto doutra forma: assenta-nos
as margens na aspereza
da alma, a cujas reetrâncias
(já dizia o Pessoa) o sol não chega.

Mas nem ele é preciso. Uma só vela
nas trevas basta
para que o rio se ilumine
desde a foz à nascente.

É esse rio, idêntico a uma porta
que existe só por dentro e que por fora
foi já toda comida pelas trevas, que
nos serve de metáfora do tempo
(só o outro é literal)
e, tal como nas trevas - onde as ervas
e as flores são invisíveis -
o aroma verdeja, assim

o tempo, escoando-se, adquire
a cor da erva: e ontem, hoje
e amanhã mais não são do que tantos outros tons de
verde
que bovinamente a alma saboreia.

AQUI

terça-feira, 7 de outubro de 2014

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

António Lopes Ribeiro - Lisboa de Hoje e de Amanhã, 1948




Lisboa de Hoje e de Amanhã é um documentário português realizado, escrito e narrado por António Lopes Ribeiro, produzido pela Câmara Municipal de Lisboa, no ano de 1948. Consiste numa série de pequenas filmagens de algumas zonas da cidade, com a explicação das mesmas por Lopes Ribeiro e, música de fundo.

Este documentário é uma análise da cidade de Lisboa, feita por António Lopes Ribeiro, de quatro perspectivas: habitação, circulação, trabalho e, espaços de lazer. São divididas por quatro partes, cada uma com 10 minutos de duração. Num Portugal indirectamente devastado pela Segunda Guerra Mundial, este filme apresenta aquilo que já pudera ser feito e, tudo o que estava planeado fazer para tornar Lisboa numa cidade pioneira ao nível dos quatro pilares referidos.
AQUI





António Lopes Ribeiro - AQUI
António Lopes Ribeiro

terça-feira, 23 de setembro de 2014

"Os 'Olhares Fotográficos' dos estrangeiros" sobre Portugal



François Le Diascorn, Lamentações das três Marias, Évora, Portugal 1980



Sabine Weiss, Interior de igreja em Portugal, 1954



Cartier Bresson, 'Confissão', Igreja dos Jerónimos, 1954
DAQUI

sexta-feira, 19 de setembro de 2014