domingo, 26 de setembro de 2021

RAUL BRANDÃO

 








RAUL BRANDÃO
O homem nestes sítios é quase anfíbio: a água é‑lhe essencial à vida e a população filha da ria e condenada a desaparecer com ela. Se a ria adoece, a população adoece. Segundo Pinho Leal, em 1550, Aveiro tinha doze mil habitantes e armava 150 navios. A barra entulha‑se, a terra decai. Em 1575, com a barra outra vez entupida, os campos tornam‑se estéreis e a cidade despovoa‑se. A alma desta terra é na realidade a sua água. A ria, como o Nilo, é quase uma divindade. Só ela gera e produz. Todos os limos, todos os detritos vêm carreados na vazante até à planície onde repousam. Isto é água e estrume, terra vegetal que se transforma em leite e pão. Palpa‑se a camada gordurosa sobre a areia. E além de fecundar e engordar, a ria dá‑lhes a humidade durante todo o ano, e com a brisa do mar refresca durante o estio as plantas e os seres. Uma atmosfera humedecida constantemente envolve a paisagem como um hálito.
Raul Brandão, «A Ria de Aveiro», Os Pescadores [1923], edição de Vítor Viçoso e Luis Manuel Gaspar, prefácio de Vítor Viçoso, Lisboa, Relógio D'Água, Setembro de 2014.
postal ilustrado — 598.Nº 5. Centro da Cidade. Aveiro. Editor nao indicado. S/D. Circulado em 1925. Dim. 87x138 mm. Col. J. Paracana

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