sexta-feira, 26 de junho de 2015
sexta-feira, 19 de junho de 2015
Sebastião da Gama - O Cais
Já o cais não é de pedra,...
de tanto sentir o Mar.
Já não é, a pedra, lisa:
já ganha forma de velas
pandas de vento e de orgulho;
já deixou de ser branquinha
p'ra ser azul como as águas.
Já o cordame, que sonha
noite e dia sobre o cais,
o tem o sonho mudado
em algas prenhes de iodo.
Degraus de pedra se animam
e pelas ondas se atrevem
-botes sem mestre, perdidos,
sem outro leme que o gosto
de ir pelas ondas adentro.
Marujos que o nunca foram,
assentadinhos no cais
desde a hora de nascer,
quem foi que disse que tinham
raízes naquelas pedras?
- Já lhes despontam nas costas,
já por ares e mares os levam,
asas leves de gaivota.
Cada traineira que passa
convida o cais a sair.
Já o cais não é de pedra.
O sal moldou-lhe uma quilha,
as ondas o encurvaram,
os limos o arrastaram
p'ra lá de todo o limite,
e o cais cedeu ao convite
de ser um barco sem mestre.
Lá vai perdido nas ondas
e não lhe importa a chegada.
Deitou a bússola ao Mar.
Fez uma estaca do leme,
que atesta o sítio em que foi.
Voltou as costas à terra
e o seu destino cumpriu-se,
que era partir e mais nada.
Sebastião da Gama, Pelo Campo Aberto, Edições Arrábida
de tanto sentir o Mar.
Já não é, a pedra, lisa:
já ganha forma de velas
pandas de vento e de orgulho;
já deixou de ser branquinha
p'ra ser azul como as águas.
Já o cordame, que sonha
noite e dia sobre o cais,
o tem o sonho mudado
em algas prenhes de iodo.
Degraus de pedra se animam
e pelas ondas se atrevem
-botes sem mestre, perdidos,
sem outro leme que o gosto
de ir pelas ondas adentro.
Marujos que o nunca foram,
assentadinhos no cais
desde a hora de nascer,
quem foi que disse que tinham
raízes naquelas pedras?
- Já lhes despontam nas costas,
já por ares e mares os levam,
asas leves de gaivota.
Cada traineira que passa
convida o cais a sair.
Já o cais não é de pedra.
O sal moldou-lhe uma quilha,
as ondas o encurvaram,
os limos o arrastaram
p'ra lá de todo o limite,
e o cais cedeu ao convite
de ser um barco sem mestre.
Lá vai perdido nas ondas
e não lhe importa a chegada.
Deitou a bússola ao Mar.
Fez uma estaca do leme,
que atesta o sítio em que foi.
Voltou as costas à terra
e o seu destino cumpriu-se,
que era partir e mais nada.
Sebastião da Gama, Pelo Campo Aberto, Edições Arrábida
sábado, 30 de maio de 2015
António Barahona - MISTÉRIO DO SOM
III
A linguagem dos búzios
ensina a soletrar silêncio,
a fim de escrutar dentro de nós os
nomes ditos em segrêdo submarino.
Só reconheço que sou sábio neste
mistério, o que equivale a re-
conhecer que não sei nada, nem en-
tendo nada de nada mesmo que
seja tudo, pois só entendo o Todo.
António Barahona, O SOM DO SÔPRO, Poesia Incompleta
terça-feira, 5 de maio de 2015
quinta-feira, 2 de abril de 2015
sexta-feira, 27 de março de 2015
AFONSO LOPES VIEIRA - ESPUMA
António Carneiro, retrato de Afonso Lopes Vieira, 1912. |
Mais leve que a pluma
que no ar balança,
pela praia dança
a ligeira espuma.
Dançando se afaga
no alado bailar!
Pétalas da vaga,
poeira do mar…
Espuma de neve,
ergue-a num momento
a curiosa e leve,
vaga mão do vento.
Mas o vento, achando
que da mão lhe escorre,
com ela brincando
pela praia corre…
Eis se ergue e dissolve,
coisa láctea e pura,
onde o luar se envolve
na fervente alvura.
Espuma levada
das águas ao rés,
renda evaporada,
jóia das marés!
Grácil mimo e flor
de femínea graça.
que efémera passa
no eterno esplendor.
Em meus dedos, ágil,
um momento tive-a,
e na morte nívea
se me evola frágil.
Mais leve que a pluma
que no ar ondeia,
pela fina areia
baila, aérea, a espuma.
E na dança etérea,
que impalpável ronda!
Bafo da matéria,
penugem da onda…
Os Versos de Afonso Lopes Vieira, Lisboa, Sociedade Editora Portugal-Brasil, 1927
ergue-a num momento
a curiosa e leve,
vaga mão do vento.
Mas o vento, achando
que da mão lhe escorre,
com ela brincando
pela praia corre…
Eis se ergue e dissolve,
coisa láctea e pura,
onde o luar se envolve
na fervente alvura.
Espuma levada
das águas ao rés,
renda evaporada,
jóia das marés!
Grácil mimo e flor
de femínea graça.
que efémera passa
no eterno esplendor.
Em meus dedos, ágil,
um momento tive-a,
e na morte nívea
se me evola frágil.
Mais leve que a pluma
que no ar ondeia,
pela fina areia
baila, aérea, a espuma.
E na dança etérea,
que impalpável ronda!
Bafo da matéria,
penugem da onda…
Os Versos de Afonso Lopes Vieira, Lisboa, Sociedade Editora Portugal-Brasil, 1927
segunda-feira, 23 de março de 2015
Luís Miguel Nava - FALÉSIAS
Poder-me-ão encontrar, trago um rapaz na minha
memória, a casa a uma janela
da qual ele vem como um sabor à boca,
falésias onde o aguardo à hora do crepúsculo.
Regresso assim ao mar de que não posso
falar sem recorrer ao fogo e as tempestades
ao longe multiplicam-nos os passos.
Onde eu não sonhe a solidão fá-lo por mim.
memória, a casa a uma janela
da qual ele vem como um sabor à boca,
falésias onde o aguardo à hora do crepúsculo.
Regresso assim ao mar de que não posso
falar sem recorrer ao fogo e as tempestades
ao longe multiplicam-nos os passos.
Onde eu não sonhe a solidão fá-lo por mim.
quinta-feira, 12 de março de 2015
Luís Miguel Nava - Sem outro Intuito
à água para o silêncio vir à tona.
O mundo, que os sentidos tonificam,
surgia-nos então todo enterrado
na nossa própria carne, envolto
por vezes em ferozes transparências
que as pedras acirravam
sem outro intuito além do de extraírem
às águas o silêncio que as unia.
Luís Miguel Nava, in 'Vulcão'
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