segunda-feira, 21 de março de 2016

António Nobre - Santa Iria


N'um rio virginal d'agoas claras e mansas,
Pequenino baixel, a santa vae boiando...
Pouco e pouco, dilue-se o oiro das suas tranças
E, diluido, ve-se as agoas aloirando.

Circumda-a um resplendor, a luzir esperanças,
Unge-lhe a fronte o luar, avelludado e brando,
E, com a graça etherea e meiga das crianças,
Formosa Iria vae boiando, vae boiando...

Á lua, cantam as aldeãs de Riba-Joia,
E, ao verem-na passar, phantastica barquinha,
Exclamam todas: «Olha um marmore que aboia!»

Ella entra, emfim, no Oceano... E escuta-se, ao luar,
A mãe do pescador, rezando a ladainha
Pelos que andam, Senhor! sobre as agoas do mar...

António Nobre, , 1982




Reza para afastar a trovoada


Santa Barbara pequenina
Se vestiu e calçou
Seu caminho caminhou
Jesus encontrou
E Ele perguntou
Barbara, onde vais?
Senhor, vou para o céu,
Abrandar a trovoada
Que sobre nós anda armada
Manda para o monte do rosmaninho,
Onde não haja pão e vinho
Nem ramo, nem maneira
Nem folhinha de Oliveira.

"Ainda hoje, quando há grandes trovoadas, é hábito na Beira Alta as mulheres queimarem algumas das folhas do «ramo bento», para que o fumo «esconjure para longe os raios»"

domingo, 20 de março de 2016

Domingo de Ramos




Atados com fitas de cores e compostos por folhas de palmeira, alecrim, oliveira, loureiro, rosmaninho e mimosa, os ramos, benzidos antes da missa (ou de véspera, na missa da tarde), guardam-se depois em casa durante todo o ano.
Nas vilas e aldeias são pendurados na cozinha ou à cabeceira da cama, para «proteger a casa dos maus ares».

(...)

Em Estremoz, após o ramo de alecrim ter sido benzido, era tradição as raparigas retirarem-lhe um raminho, que colocavam nas lapelas dos casacos dos namorados, dizendo: «Verde é / Verde cheira / Ficas preso para sexta-feira» - significando que o namorado teria de oferecer-lhe amêndoas.
O rapaz fazia o mesmo com o seu próprio ramo, e dizia: «Verde é / Verde há-de cheirar / Ficas presa para me dar o folar» - o que acontecia no domingo de Páscoa.

Barros, Jorge e Soledade Martinho Costa (2002), Festas e Tradições Populares: Março e Abril. Lisboa: Círculo de Leitores. 


RAUL BRANDÃO - HÚMUS

" 21 de Março

Chegou. Vai abrir a mais bela, a mais fecunda, a mais dourada de todas as primaveras — a primavera eterna. Vai revolver a terra e cobrir os seres e as coisas de flores por camadas ininterruptas e sucessivas, com todas as cores e todos os entontecimentos, todas as infâmias e todas as tintas — com todos os desesperos. Já as florestas putrefactas se puseram a caminho. É aqui que corre e escorre o verde, o roxo e o lilás — os tons violentos e os tons apagados. Até as árvores são sonhos. Atravessaram o inverno com sonho contido, com o sonho humilde com que carregam há séculos. E até esses sonhos se transformaram em realidade. Realiza-se enfim o milagre: as árvores chegam ao céu."



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PRIMAVERA




DAQUI: daqui: http://diasquevoam.blogspot.pt/2015/03/a-prima-vera-podia-chegar-mais-depressa.html

Helena Nilo, Lisboa, 16.09.2014

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

RUY CINATTI - TARDE EM FATU-CAMA



Ondeio e conto cada salpico de onda,
que aflora nos meus olhos e entontece
o gesto de nadar, de ver a sombra
do braço mergulhando sem tocar
o fundo raso de areia fina.

E deixo-me levar, abandonar
pelo momento de lamento breve
que aproxima navios, transfigura neblinas
e retoma, afinal, a alegria
sensível voo d’ave inesperada.

Afogar-me, então, seria fácil
lento atravessar de afagos líquidos,
preso, no entanto, a um fio de vida
latente, cativo ao lume d’água.

Ruy Cinatti, 'Uma Sequência Timorense', Braga, Editora Pax, 1970



quarta-feira, 22 de julho de 2015

Fernado Pessoa


Meu pensamento é um rio subterrâneo.
Para que terras vai e donde vem?
Não sei... Na noite em que o meu ser o tem
Emerge dele um ruído subitâneo

De origens no Mistério extraviadas
De eu compreendê-las..., misteriosas fontes
Habitando a distância de ermos montes
Onde os momentos são a Deus chegados...

De vez em quando luze em minha mágoa
Como um farol num mar desconhecido
Um movimento de correr, perdido
Em mim, um pálido soluço de água...

E eu relembro de tempos mais antigos
Que a minha consciência da ilusão
Águas divinas percorrendo o chão
De verdores uníssonos e amigos,

E a ideia de uma Pátria anterior
À forma consciente do meu ser
Dói‑me no que desejo, e vem bater
Como uma onda de encontro à minha dor.

Escuto‑o... Ao longe, no meu vago tacto
Da minha alma, perdido som incerto,
Como um eterno rio indescoberto,
Mais que a ideia de rio certo e abstracto...

E p'ra onde é que ele vai, que se extravia
Do meu ouvi‑lo ? A que cavernas desce?
Em que frios de Assombro é que arrefece?
De que névoas soturnas se anuvia?

Não sei... Eu perco‑o... E outra vez regressa
A luz e a cor do mundo claro e actual,
E na interior distância do meu Real
Como se a alma acabasse, o rio cessa...

5-11-1914



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sábado, 18 de julho de 2015

António Nobre - Ao Mar


(SONETO ANTIGO)

Ó meu amigo Mar, meu companheiro
De infancia! dos meus tempos de collegio,
Quando p'ra vir nadar como um poveiro
Eu gazeava á lição do mestre-regio!

Recordas-te de mim, do Anto trigueiro?
(O contrario seria um sacrilegio)
Lembras-te ainda d'esse marinheiro
De boina e de cachimbo? Ó mar protege-o!

Que tua mão oceanica me ajude,
Leva-me sempre pelo bom caminho,
Não me faltes nas horas de afflicção.

Dá-me talento e paz, dá-me saude,
Que um dia eu possa emfim, poeta velhinho!
Trazer meus netos a beijar-te a mão...





Via Filipe da Palma

Jorge de Sena - Post-Scriptum II




obrigada, Daniel

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Artur Pastor


Artur Pastor, registos de Arquitectura. Da Beira a Trás os Montes, décadas de 50 e 60.


Artur Pastor, registos de Arquitectura. Da Beira a Trás os Montes, décadas de 50 e 60.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

sexta-feira, 26 de junho de 2015

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Sebastião da Gama - O Cais

Já o cais não é de pedra,...
de tanto sentir o Mar.
Já não é, a pedra, lisa:
já ganha forma de velas
pandas de vento e de orgulho;
já deixou de ser branquinha
p'ra ser azul como as águas.


Já o cordame, que sonha
noite e dia sobre o cais,
o tem o sonho mudado
em algas prenhes de iodo.
Degraus de pedra se animam
e pelas ondas se atrevem
-botes sem mestre, perdidos,
sem outro leme que o gosto
de ir pelas ondas adentro.
 

Marujos que o nunca foram,
assentadinhos no cais
desde a hora de nascer,
quem foi que disse que tinham
raízes naquelas pedras?
- Já lhes despontam nas costas,
já por ares e mares os levam,
asas leves de gaivota.

Cada traineira que passa
convida o cais a sair.
Já o cais não é de pedra.
O sal moldou-lhe uma quilha,
as ondas o encurvaram,
os limos o arrastaram
p'ra lá de todo o limite,
e o cais cedeu ao convite
de ser um barco sem mestre.

Lá vai perdido nas ondas
e não lhe importa a chegada.
Deitou a bússola ao Mar.
Fez uma estaca do leme,
que atesta o sítio em que foi.
Voltou as costas à terra
e o seu destino cumpriu-se,
que era partir e mais nada.


Sebastião da Gama, Pelo Campo Aberto, Edições Arrábida