quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O valor dos nossos vinhos

Se fossemos um povo de bons comerciantes, Portugal poderia viver só com o produto das exportações de vinhos e derivados ou, mais abrangentemente, ainda de tudo o que a videira pode gerar de Melgaço ao Pico, afora as zonas de grande altitude, área aliás insignificante no contexto geral, não há nesga de terra que não tenha aptidão para a cultura da vinha.



Por força da multiplicidade das minhas andanças já bebi não um copo, mas meia dúzia deles em quintas e vilares de mais de meio reino.

Um pouco exageradamente ou talvez não, costumo afirmar que não há município onde não resida pelo menos um meu antigo aluno e onde eu não tenha apanhado pelo menos uma bebedeira… Penso que sem prejuízo para a saúde física e a acuidade mental de que, passada de há muito, a casa dos oitenta, graças a Deus ainda gozo.
Manuel Leal Freire - Capeia Arraiana 
Possivelmente, porque só me tenho emborrachado em dias de festa, abstendo-me no quotidiano, de acordo com a regra usada no posto de carabineiros de Alamedilha del Chozo, ou de Lazaba, que, nos meus tempos de sirga muito frequentei e que manda assim comer y beber, hasta rebentar…después, ayunar…

Invocando o adágio, lembro também as loas que o cabo Canário e o alferes Rosales, ambos veteranos da guerra civil espanhola e por essência bons adoradores de baco, teciam ao vinho, à geropiga e à bagaceira com que meu pai os mimoseava. Ao contrário de mim, um fenómeno de inabilidade manual e de impaciência para esperas, meu pai, era capaz de ficar dois dias seguidos doseando a temperatura de uma alquitarra … E daí a qualidade do produto, tanto mais realçada por los civiles, quanto é certo que na raia espanhola era proibido fazer aguardente, sendo a balsa usada como estrume. Mas eles tinham fartura de domeqes, a que, no entanto, preferiam a nossa bagaceira. Geropiga, consideravam-na bebida para damas e donzelas. E quanto a vinho meu pai tratava amorosamente de uma courela abacelada, a que chamávamos Vinha da Porta.

E num tempo em que a totalidade dos íncolas juntavam castas e só esporadicamente apartava o branco do tinto, já seleccionava castas. O espadal, feito á base de ferral, tâmara e um palhete mistura de malvasia e moscatel torrado, arrancavam olés na guarnição, o que mais nos admirará lembrando que o alferes era da terra do Vega Cecilia e de família abastada e o Canário devia o nome á toponímia.

Agora, passarei a falar da minha experiência diaspórica, que começou por Castelo Branco. Aí tive a sorte de gozar da amizade de dois fidalgos – o Visconde de Tinalhas e o Marquês da Graciosa – o primeiro licenciado em Direito e de nome José Meireles Coutinho Barriga e o segundo engenheiro agrónomo e cujo nome de baptismo abrevio para Fernando Afonso de Melo Geraldes Sampaio Pereira de Figueiredo. O Visconde, ao tempo, já andava na casa dos setenta e o seu prazer era beber com um amigo uma das centenas de garrafas que seu pai enchera por ocasião do seu nascimento. O Marquês, esse revia-se num palheto da sua propriedade situada nos cabeços de Monsanto, a aldeia mais portuguesa… Mas nem Tinalhas, nem as Idanhas faziam ou fazem parte de roteiros vínicos.

Evoco ainda dois outros fidalgos da região, proverbiais pela aversão ao uísque. Um combatera ao lado de Mousinho, outro era germanófilo, ambos davam jantares de vinte pratos A quem pedisse aquele símbolo do império britânico arriscava expulsão. Álcoois só dos seus vinhedos, sendo certo que ambos já achampanhavam tintos e brancos das encostas da Gardunha, Alvelos e Moradal.

Mais tarde, passei a frequentar casas minhotas, e em todas elas achei verdes esplêndidos, mesmo os de puro enforcado. Entre os braços do ulmeiro, está a jucunda vide…
Há em frente ao meu quarto, um roble, uma floresta…, com uma vide enlaçado.

O roble enche um celeiro – a vide enche um lagar.
Mas também a vide faz braseal. E uma rez de leite – borrego ou cabrito – tem outro sabor assado sobre um feixe delas. Experimentem.

Experimentem também fazer doces com arrobe, que é o mosto tornado melaço pela fervura. E bebam homens e senhoras, lembrando o pranto da Maria Parda ou a quadra:

Mais vinho que é sangue virgem
Mais vinho que pago eu
Se o vinho leva ao inferno
Primeiro nos mostra o Céu.


Manuel Leal Freire
Capeia Raiana AQUI

Romarias e Romeiros...









ADRIANA FREIRE, Romarias e Romeiros, Olhapim

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Pitos de Santa Luzia






Neste dia de Santa Luzia, em Vila Real, manda a tradição que as raparigas da cidade ofereçam o pito aos rapazes seus eleitos, para que no dia 3 de Fevereiro, dedicado, na liturgia, a São Brás, os rapazes, retribuam a oferta com a gancha.
Para que não haja confusões, convém referir, que o pito é um bolo com recheio de doce de calondro e a gancha um rebuçado em forma de báculo bispal.

A tradição, a lenda e a receita encontram-se, por exemplo, AQUI

Feira de Santa Luzia ou Feira dos Sardões e das Passarinhas - Guimarães

bandeja usada nos rituais a Santa Luzia

«sardões» e «passarinhas»
Conhecida outrora pelo grande comércio de frutos, sobretudo pela castanha (hoje a aparecer pouco), pode dizer-se que a fama da feira assentou, desde sempre, no típicos «sardões» e «passarinhas» - doces tradicionais desta romaria, feitos de massa doce e escura, revestidos com uma camada branca de açucar, enfeitados com papel de cor.
Os sardões são oferecidos pelos rapazes às raparigas e as passarinhas são oferecidas pelas raparigas aos rapazes.

Outra tradição da festa, conservada até aos nossos dias, prende-se com os chamados «segredos», igualmente à venda nas bancas dos doces, a manter idêntica procura. Trata-se de pequenas caixas de cartão (pouco maiores que uma caixa de fósforos), vistosamente forradas, contendo no interior, sobre algodão, três miniaturas: um sardão, uma passarinha e um coração trespassado por um papelinho, onde pode ler-se uma dedicatória, quase sempre de teor moroso.
Os «segredos» (não comestíveis) continuam a ser oferecidos pelos rapazes às raparigas, conforme manda a praxe

sardões e passarinhas


banca dos doces


Barros, Jorge e Soledade Martinho Costa (2002), Festas e Tradições Populares: Novembro e Dezembro. Lisboa: Círculo de Leitores. 

Santa Luzia - dia 13 e Dezembro

Pendão de Santa Luzia. Ruilhe, Braga
  
(Cantares populares a Santa Luzia - Fundão)

Senhora Santa Luzia,
Tendes o pinheiro à porta;
Dá-me uma polinha dele
Para pôr na minha horta.



Senhora Santa Luzia,
Acudi a quem vos chama, 
Acudi ao meu amor, 
Que está doente na cama.

Senhora Santa Luzia, 
Cá vos fica o meu cordão,
Fica muito bem entregue,
Senhora, na vossa mão.


Oferta de «olhos vivos» (animais vivos) como cumprimento de promessa. Freamunde, Paços de Ferreira.



Barros, Jorge e Soledade Martinho Costa (2002), Festas e Tradições Populares: Novembro e Dezembro. Lisboa: Círculo de Leitores. 


Por Santa Luzia cresce a noite minga o dia.


Pedrinhas desta calçada
Levantai-vos e dizei
Quem vos passeia de noite
Eu de dia bem o sei 


O Sol se esconde, brilha o luar,
A noite é bela só p'ra te amar.


O Sol se esconde, brilha o luar,
Olha a barquinha que anda no mar.
[Olha a barquinha que anda no mar.]

...


[adaptado: - foi assim que a aprendi. Cantavam-se à volta  da fogueira, à beira-rio, enquanto se bebia vinho e se comia a bola acabada de sair do forno da padaria.]

domingo, 11 de dezembro de 2011




[Revista , Expresso, 8 de Dezembro de 1995]

que as mãos puxam...


Epitáfios





Ballada do Caixão


O meu vizinho é carpinteiro,
Algibebe de Dona Morte:
Ponteia e coze, o dia inteiro,
Fatos de pau de toda a sorte:
Mogno, debruados de velludo
Flandres gentil, pinho do Norte...
Ora eu que trago um sobretudo
Que já me vae a aborrecer,
Fui-me lá, hontem: (era Entrudo,
Havia immenso que fazer!...)
- Olá, bom homem! quero um fato,
Tem que me sirva? - Vamos ver...
Olhou, mexeu na caza toda...
- Eis aqui um e bem barato.

- Está na moda? - Está na moda.
(Gostei e nem quiz apreçal-o:
Muito justinho, pouca roda...)
- Quando posso mandar buscal-o?
- Ao por-do-sol. Vou dal-o a ferro:
(Poz-se o bom homem a aplainal-o...)

Ó meus amigos! salvo-erro,
Juro-o pela alma, pelo céu!
Nenhum de vós, ao meu enterro,
Irá mais dandy, olhae! do que eu!

António Nobre,

sábado, 10 de dezembro de 2011



Peixeira que não mente, na bolsa o sente.

pesca





[muito bom, muito bom. obrigada, China ]


Passei o Dia Ouvindo o que o Mar Dizia


Eu hontem passei o dia
Ouvindo o que o mar dizia.

Chorámos, rimos, cantámos.

Fallou-me do seu destino,
Do seu fado...

Depois, para se alegrar,
Ergueu-se, e bailando, e rindo,
Poz-se a cantar
Um canto molhádo e lindo.

O seu halito perfuma,
E o seu perfume faz mal!

Deserto de aguas sem fim.

Ó sepultura da minha raça
Quando me guardas a mim?...

Elle afastou-se calado;
Eu afastei-me mais triste,
Mais doente, mais cansado...

Ao longe o Sol na agonia
De rôxo as aguas tingia.

«Voz do mar, mysteriosa;
Voz do amôr e da verdade!
- Ó voz moribunda e dôce
Da minha grande Saudade!
Voz amarga de quem fica,
Trémula voz de quem parte...»
. . . . . . . . . . . . . . . .

E os poetas a cantar
São echos da voz do mar!

António Botto, Canções

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

mãos que rezaram





Nossa Senhora da Conceição - Padroeira de Portugal







Deve-se ao rei D. João IV o facto de Nossa Senhora da Conceição ter sido proclamada padroeira de Portugal, por proposta sua, durante as Cortes reunidas em Lisboa a 28 de Dezembro de 1645 até 16 de Março de 1646.
Acto da proclamação - 25 de Março de 1646

Lenita


Eugénio de Andrade - Poema à Mãe

Jornal de Notícias, Terça-feira, 14 de Junho de 2005


No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
          Era uma vez uma princesa
          no meio de um laranjal...


Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade