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sábado, 23 de fevereiro de 2013

António Nobre - Nasci, num reino d'Oiro e amores


Nasci, num reino d'Oiro e amores
À beira-mar. 
Sou neto de Navegadores, 
Heróis, Lobos-d'água, Senhores 
Da índia, d'Aquém e d'Além-mar! 

E o Vento mia! e o Vento mia! 
Que irá no Mar! 
Que noite! ó minha Irmã Maria 
Acende um círio à Virgem Pia, 
Pelos que andam no alto Mar... 

Ao Mundo vim, em terça-feira 
Um sino ouvia-se dobrar! 
Vim a subir pela ladeira 
E, numa certa terça-feira, 
Estive já pra me matar... 

Ides gelar, água das fontes 
Ides gelar! 
Águas do rio! Águas dos montes! 
Cantigas d'água pelos montes, 
Que sois como amas a cantar... 

Passam na rua os estudantes 
A vadrulhar... 
Assim como eles era eu dantes! 
Meus camaradas! estudantes! 
Deixai o Poeta trabalhar. 

O Job, coberto de gangrenas, 
Meu avatar! 
Conservo as mesmas tuas penas, 
Mais tuas chagas e gangrenas, 
Que não me farto de coçar! 

E a neve cai, como farinha, 
Lá desse moinho a moer, no Ar; 
Ó bom Moleiro, cautelinha! 
Não desperdices a farinha 
Que tanto custa a germinar... 

Andais, à neve, sem sapatos, 
Vós que não tendes que calçar! 
Corpos ao léu, vesti meus fatos! 
Pés nus! levai esses sapatos... 
Basta-me um par. 

Quando eu morrer, hirto de mágoa, 
Deitem-me ao Mar! 
Irei indo de frágua em frágua, 
Até que, enfim, desfeito em água, 
Hei de fazer parte do Mar! 

No Pantéon, trágico, o sino 
Dá meia-noite, devagar: 
É o Vítor, outra vez menino, 
A compor um alexandrino, 
Pelos seus dedos a contar! 

Que olhos tristes tem meu vizinho! 
Vê-me a comer e põe-se a ougar: 
Sobe ao meu quarto, bom velhinho! 
Que eu dou-te um copo deste vinho 
E metade do meu jantar. 

Bairro Latino! dorme um pouco, 
Faze, meu Deus, por sossegar! 
Cala-te, Georges! estás já rouco! 
Deixa-me em paz! Cala-te, louco. 
Ó boulevard! 

Boas almas, vinde ao meu seio! 
Espíritos errantes no Ar! 
Sou médium: evoco-os, noite em meio! 
Vós não acreditais, eu sei-o... 
Deixá-lo não acreditar. 

Se eu vos pudesse dar a vista, 
Ceguinhos que ides a tactear... 
Quando essa sorte me contrista! 
Mas ah! mais vale não ter vista 
Que um mundo destes ter de olhar... 

A Morte, agora, é a minha Ama 
Que bem que sabe acalentar! 
À noite, quando estou na cama: 
"Nana, nana, que a tua Ama 
Vem já, não tarda! foi cavar..." 

Camões! Ó Poeta do Mar-bravo! 
Vem-me ajudar... 
Tenho o nome do teu escravo: 
Em nome dele e do Mar-bravo 
Vem-me ajudar! 

E o Vento geme! e o Vento geme! 
Que irá no Mar! 
Lobos-d'água, que ides ao leme 
Tende cuidado! A lancha treme. 
Orçar! orçar! 

Meu velho Cão, meu grande amigo, 
Por que me estás assim a olhar! 
Quando eu choro, choras comigo 
Meu velho Cão! és meu amigo... 
Tu nunca me hás-de abandonar. 

Frades do Monte de Crestelo! 
Abri-me as portas! quero entrar... 
Cortai-me as barbas e o cabelo, 
Vesti-me esse hábito singelo... 
Deixai-me entrar! 

Moço Lusíada! criança! 
Por que estás triste, a meditar? 
Vês teu país sem esperança 
Que todo alui, à semelhança 
Dos castelos que ergueste no Ar?

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Raúl Brandão - Memórias (vol.III)


HÁ QUE TEMPOS!... 

Duas sombras têm acompanhado a minha vida e estão aqui a meu lado... Minha mãe gastou-se a sonhar, só nervos e paixão: viu cair por terra todos os seus sonhos – e teimou em sonhar, atrevendo-se contra todo o universo! A realidade temerosa afastou-a sempre de si. Venceu-a. Deu-nos vida a todos. Alimentou-nos do mesmo sonho que a devorou até final, sem medo da morte, como se a morte fosse a continuação natural da vida. Foi dela que herdei a sensibilidade e o amor pelas árvores, pela água, e dela herdei também  o sonho... Bastava  que  a  bica  do  quintal-  deitasse  menos  para  minha  mãe adoecer.  Ficava  horas  a olhar,  extasiada,  o  pouco  de  musgo  humedecido,  donde escorria, vindo da escuridão, com um hálito de frescura, o fio azul infatigável, que caía em baixo, desfeito em milhares de gotas líquidas que logo subiam à superfície reluzindo em  bolhas  iluminadas.  Às  vezes  íamos  vê-la  brotar  no  fundo  da  mina,  e  ansiosos e calados assistíamos na escuridão ao nascer misterioso da água borbulhando na madre e escorrendo logo pela caleira de pedra. Quando mais tarde minei o monte, fi-lo com a mesma ansiedade. Ver na terra sequiosa e inútil escorrerem as primeiras gotas que lhe dão vida e a transformam é um dos espectáculos mais lindos que conheço. É criar.

De Verão, ao levantar-se muito cedo, o primeiro olhar de minha mãe era para a fonte, que se ia reduzindo, desde o jorro de Inverno que transborda ao fio de Setembro, deitado com aflição. Em Agosto secam os montes, em Setembro secam as fontes.

– Se secasse!...

De  noite  punha  o  ouvido  à  escuta  –  como  me  acontece  ainda  hoje  a  mim.  No silêncio profundo aquela voz é extraordinária de frescura e pureza. Nenhuma outra me fala da mesma maneira – nem a das folhas, nem a do vento –, nenhuma outra me fala tão baixinho e com tanto encanto. Às vezes muda de tomàs vezes, e por momentos, emudece. Secou! E lá torna a correr...

Plantou árvores até aos últimos dias – como eu as planto. E, já prostrada, mantinha de  pé  a  ilusão.  e teimava  em  sonhar – como  eu sonho até ao fim da  vida. Foi tal o frenesi,  o  encanto,  as  lágrimas, que  ainda  hoje  vivo  da  vida  de  minha  mãe.  Às  vezes sonhávamos juntos. Sentava-me ao pé dela e era capaz de estar assim horas perdidas. Ou,  tendo  corrido  pelo  quintal  numa  exaltação,  ia  direito  ao alegrete  e  desatava  aos soluços com a cabeça no seu colo. Ela não me dizia palavra nem me estranhava sequer – talvez  porque  visse  em  mim  reproduzida  a  mesma  sensibilidade  exagerada;  só  me passava  a  mão  na  cabeça,  e  àquele  contacto  ia  serenando  e  chorando  cada  vez  mais baixinho...  A  lua aparecia  atrás  dos  montes,  sobre  a  mais  bela  paisagem  do  Mundo porque a paisagem mais bela é aquela em que fomos criados e que faz parte da nossa substância.

Há imagens tão delicadas no fundo do meu ser, que tenho medo que desapareçam tocando-lhes. Apagaram-se  pouco  e  pouco.  Melhor:  transformaram-se  pouco  e  pouco, mais desvanecidas e  mais lindas, num fundo de auréola como certas figuras dos livros. Sinto-a doirada. Pura e doirada. Toda a matéria desapareceu, reduzida a fios de aranha. Ficou uma luz – sentimento que liga as suas raízes às minhas raízes.É quase nada e faz parte da essência da minha alma.

O meu sonho está preso por um fio ténue e indestrutível ao fundo do seu sepulcro. Só uma única coisa se me conservou intacta na memória – o seu olhar. Talvez porque o amor nunca mais se apaga – talvez porque a luz seja a única realidade do mundo – o que é certo é que eu e ela olhamos ainda hoje um para o outro com a mesma ansiedade e o mesmo amor.

Foi ela quem me falou pela primeira vez naquele pobre que costuma entrar pela porta  dos  desgraçados dentro,  quando  menos  se  espera,  e  se  senta  ao  pé  do  lume:  – Assim andava o Senhor pelo mundo!... –E eu fugia para o fundo do quintal, para sonhar com Ele. Nunca mais deixei de amar a solidão nem de ver esse pobre extraordinário que me tem acompanhado até à velhice.

Porque será que todas as outras sombras vejo distintamente – e minha mãe não? Minha mãe é um fantasma de saudade, que lá está todas as noites sentada ao pé da bica. Não  a  separo  desse  fio,  que  a lua  toca  por  momentos  com  o  seu  dedo  molhado  de branco – e que nasce para apagar a sede de todos com indiferença, mas que só fala com encanto aos que sabem amar...

A  Mari’Emília  foi,  até  morrer,  nossa  criada.  Era  um  tipo  popular,  de  energia admirável.  Estou  a vê-la  de  bigode  branco,  olhos  espertos  dum  azul  já  um  pouco desbotado pela velhice, mas teimando em exprimir ternura até à morte. Vejo-lhe a boca desdentada a sorrir e sinto nas minhas mãos o calor das suas mãos e o dedo grosso e enorme a que me apegava quando ia para a mestra na Foz Velha. Doente duma perna, sempre a conheci a mancar. Atravessou toda a vida a mancar e a sorrir. Porque essa é que  era a  expressão  mais  intima  e  mais  bela  da  sua  alma:  a  alegria  na  desgraça. Infatigável e risonha – o riso sempre pronto no trabalho e na dor. Só a conheci alegre e morreu com um sorriso e um dente, depois de nos servir a vida inteira. A Mari’Enlília era já uma pessoa da família. Raro saía.. As mulheres do seu tempo estavam habituadas à reclusão e só saíam para a missa de capote e coca. A bem dizer-se, a  vida conventual estendia-se  até  cá  fora:  em  todos  os  quartos  de  dormir  havia  um oratório, de castanho ou pau-santo onde dia e noite ardia a lamparina. O da Mari’Emília era tão lindo como a sua alma: o Jesus crucificado sobressaia do fundo de papel azul com estrelinhas doiradas, entre o Bom e o Mau Ladrão. Também lá se via, um pouco a frente,  o  Menino  pela  mão  de  Maria  e  de  José  –  e,  muito  maior,  outro personagem principal,  entre  duas  velas  de  cera,  Santo  António,  o  santo  da  sua  devoção,  que  lhe servia de medianeiro quando queria obter os favores celestiais. Do quarto ao lado, onde eu dormia, ouvia-a todas as noites rezar. Ouvia-a com espanto. Era um diálogo cheio de familiaridade com Santo António – era uma coisa pueril que fazia chegar as lágrimas aos olhos. Ela não só lhe pedia – ralhava com ele como ralhava comigo, com autoridade e ternura.

–  Tu  ouves?...  –  Silêncio.  –  Tu  ouves?...  Tu  não  me  queres  ouvir!...–  Outro silêncio (naturalmente ele respondia-lhe). – Então eu peço e tu não me ouves?! Tinha-te prometido umas velas de arrátel, mas já não te dou, meu maroto, senão umas de quarta!

E aquilo seguia, durante muito tempo, no mesmo tom, com exclamações e rogos, até eu adormecer...Ao fim de tantos anos de familiaridade, tinham chegado a tratar-se como velhos amigos.

Nos  últimos  anos,  a  Mari’Emília  já  não  podia  trabalhar,  mas  fazia,  de  manhã  à noite,  as  meias de fio  branco  que  meu  pai  usou  até  à  morte  –  contando-nos  histórias intermináveis. Aprendi com a Mari’Emília coisas extraordinárias – a religião, no que ela tem de mais vivo – o veio que passa escondido de alma para alma do povo e a piedade pelos  humildes.  Vi  Jesus.  Vi  Jesus  menino,  a  quem  não  é preciso mudar  de  túnica porque  a  túnica  cresce  naturalmente  com  Ele;  vi-O  fazendo  pássaros  de barro  e soprando-lhes para eles voarem. Vi-O, depois, à porta do rico soberbo que O repele – vi-O sobretudo aparecer  nas  horas  em  que  se  sofre  e  se  espera.  Esta  religião  viva  e escondida,  esta ânsia  do pobre  –  esta  aspiração  que  não  morre  para  uma  vida  mais perfeita  e  mais  bela, transmitiu-me  uma criada  velha  e  humilde  –  que  tenho  sempre diante de mim mancle-mancle, a sorrir- -me com os olhos azuis já turvos pelos anos. E com ela quero viver e morrer.

Que  é  que  nós  lhe  demos para  assim  nos  amar?  Sofrimento,  trabalho  até  cair exausta de dedicação. E ela deu-nos à vida a alegria. Mancou e riu até ao fim. Nenhuma desgraça  pôde  com ela.Resistiu  sempre.  Serviu  e  amou.  E  no  fim  morreu  ainda servindo-nos e com estas palavras na boca:                           – Levo-vos no coração!

veio daqui
obrigada, Luis Manuel Gaspar, por Raúl Brandão

sábado, 2 de junho de 2012

A Fonte da Moura de S. Julião

    Na aldeia de S. Julião, concelho de Bragança, havia uma fonte conhecida como a “Fonte da Moura” e também lhe chamavam “Fonte de Cima da Trembla”, pois situava-se no cimo de uma lameira com esse nome.
    Dizem as pessoas de idade que à meia-noite era costume ouvir-se ali tecer um tear. E que numa madrugada de S. João, uma mulher foi à fonte e entrou-lhe a ponta de um cordão para o cântaro. Ela pegou nele e começou a dobar até fazer um novelo grande, tão grande que já não lhe cabia nas mãos. E como só com muita dificuldade conseguia dobar mais, resolveu partir o cordão.
    Nesse mesmo instante o novelo desapareceu-lhe das mãos, e ouviu uma voz que disse:
    — Marota, que me encantaste para toda a minha vida!
    E o tear então nunca mais se ouviu. Dizem que a voz era de uma moura encantada. Se a mulher não tem partido o cordão, a moura teria aparecido na figura de serpente e não fazia mal a ninguém. Bastaria que a mulher lhe tivesse deitado um pouco de saliva na cabeça para ela ficar desencantada e em figura de uma jovem muito bonita.
    E traria com ela toda a sua riqueza.


Fonte: PARAFITA, Alexandre A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros Vila Nova de Gaia, Gailivro, 2006 , p.217-218

AQUI

terça-feira, 1 de maio de 2012


O Passeio de Santo António

Saíra Santo António do convento,
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento,
Um cândido sermão sobre o pecado.

Andando, andando sempre, repetia
O divino sermão piedoso e brando,
E nem notou que a tarde esmorecia,
Que vinha a noite plácida baixando…

E andando, andando, viu-se num outeiro,
Com árvores e casas espalhadas,
Que ficava distante do mosteiro
Uma légua das fartas, das puxadas.

Surpreendido por se ver tão longe,
E fraco por haver andado tanto,
Sentou-se a descansar o bom do monge,
Com a resignação de quem é santo…

O luar, um luar claríssimo nasceu.
Num raio dessa linda claridade,
O Menino Jesus baixou do céu,
Pôs-se a brincar com o capuz do frade.

Perto, uma bica de água murmurante
Juntava o seu murmúrio ao dos pinhais.
Os rouxinóis ouviam-se distante.
O luar, mais alto, iluminava mais.

De braço dado, para a fonte, vinha
Um par de noivos todo satisfeito.
Ela trazia ao ombro a cantarinha,
Ele trazia… o coração no peito.

Sem suspeitarem de que alguém os visse,
Trocaram beijos ao luar tranquilo.
O Menino, porém, ouviu e disse:
- Ó Frei António, o que foi aquilo?…

O Santo, erguendo a manga de burel
Para tapar o noivo e a namorada,
Mentiu numa voz doce como o mel:
- Não sei o que fosse. Eu cá não ouvi nada…

Uma risada límpida, sonora,
Vibrou em notas de oiro no caminho.
- Ouviste, Frei António? Ouviste agora?
- Ouvi, Senhor, ouvi. É um passarinho.

- Tu não estás com a cabeça boa…
Um passarinho a cantar assim!…
E o pobre Santo António de Lisboa
Calou-se embaraçado, mas por fim,

Corado como as vestes dos cardeais,
Achou esta saída redentora:
- Se o Menino Jesus pergunta mais,
…Queixo-me à sua mãe, Nossa Senhora!

Voltando-lhe a carinha contra a luz
E contra aquele amor sem casamento,
Pegou-lhe ao colo e acrescentou: - Jesus,
São horas…

E abalaram pró convento.

Augusto Gil

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A Fonte da Moura, em Alpedriz (Alcobaça)






Da lendária ocupação árabe apenas ficou a lenda da “Fonte da Moura”. Situada numa propriedade particular a referida fonte é uma nascente de água, ligada ao chamado rio da Loureira. Segundo a lenda, uma Moura ia ali buscar água arranjando pretexto para se encontrar com o namora­do e terá ficado ali “encantada” vendo a água correr e certamente a pensar nas delícias do futuro, quando o povo a que pertencia foi atacada e tudo foi desfeito.

A moura de Cidagonha


Na aldeia de Moimenta, concelho de Vinhais, há um lugar com sinais de antigas fortificações conhecido por Cidagonha, e a que o povo também chama “cidade dos mouros”. Diz a lenda que vivia ali uma princesa mourisca encantada que, ora aparecia a pentear os seus cabelos com um pente de ouro, ao luar, ora a tecer num tear de ouro, cujo bater compassado dos pentes na teia e o ruído dos pedais poderiam ouvir-se na povoação em noites calmas. Outras vezes poderia ouvir-se a referida princesa cantar melodiosas canções de saudade, cujas palavras não seriam perceptíveis.
Segundo a lenda, o tesouro seria constituído pelo tear, o pente e muitos outros utensílios e jóias da princesa, incluindo um manto, tudo em ouro. Mas tratando-se de um tesouro encantado, este só poderia ser descoberto por pata de ovelha e ponta de relha.

Fonte: MARTINS, João Vicente – Moimenta da Raia – uma aldeia
comunitária em evolução e mudança, Braga, Ed. Autor, 1995, p. 83

domingo, 6 de novembro de 2011

A Fonte do salgueirinho




A Fonte do Salgueirinho tem sido considerada um romance popular moderno devido à sua limitada distribuição geográfica e à falta de versões antigas. Contudo, como demonstro neste trabalho, evidência interna de carácter literário, linguístico e folclórico sugere que, na realidade, o poema é bastante antigo. A fonte como ponto de encontre para os amantes e a utilização eufemística de palavras como "cântara," "roca," "sarilho," "barbeiro," "lanceta," "sangrar," "veia" e "picada" eram correntes na Idade Média e no Renascimento. Essas metáforas aparecem frequentemente na poesia cortesã, em poesia francamente erótica, e noutros tipos de poesia antiga. Como alguns destes eufemismos já não se usam nem se entendem bem, o poema não pode constituir uma composição moderna. Por conseguinte, neste caso a tradição oral moderna suplementa, uma vez mais, o nosso conhecimento do passado, conservando-nos um velho poema que, caso contrário, nos seria completamente desconhecido. 

terça-feira, 29 de março de 2011

As Fontes

2. As Fontes

Na tradição e na cultura mediterrânica, seja judaica ou portuguesa, as fontes e os poços são locais onde se realizam encontros essenciais. É junto das fontes e da água que o amor nasce e os casamentos se iniciam. É junto das nascentes que se concentram os cultos. Todo o  santuário tem uma fonte. Tinham uma fonte os santuários orientais, tem uma fonte a Senhora do Almortão. Têm uma fonte ou chafariz ou ribeiro todas as ermidas de Portugal.

A sagração das fontes é um acto universal, pois a fonte é a boca da água viva ou da água  virgem. A água que brota da fonte é a água das chuvas, é o sémen divino, é a maternidade. Por isso é que as mouras estão encantadas nas fontes e beber nelas é conhecer. Beber água nestas fontes é ficar encantado. Por isso é que se costuma dizer, a propósito do rapaz que casa noutra terra que não a sua: bebeu água da fonte... e ficou por cá.

As fontes, em Portugal, têm moiras encantadas. No dizer de C. Pedroso, as moiras portuguesas são «génios femininos das águas», irmãs das germânicas nixen, das inglesas lac-ladies, das russas rusalki, das sérvias vilas, das escandinavas elfen e das gregas naiadas. Diríamos que são irmãs menos conhecidas da Lady of de Lake dos Cavaleiros da Távola Redonda. Seguindo o mesmo autor, as moiras aparecem como génios maléficos que perseguem o homem, como fiandeiras e construtoras de monumentos e como guardadoras de tesouros encantados; mas a sua maior função e razão de serem conhecidas é de serem génios femininos das águas. Não há fonte portuguesa que não tenha uma moira que ora tem a forma de serpente e exerce feitiço sobre os viandantes, ora tem a forma de uma linda donzela que promete riqueza e felicidade a quem colocar fim ao seu encantamento. O dia e a hora primordial de aparecimento é a Noite de São João, à Meia-Noite. Nesta noite, a serpente, a moira, a grande mãe, que são uma e a mesma coisa, liberta-se da autoridade do pai, diz M. E. Santo. Liberta-se e acontece a noite de maior sensualidade e sexualidade de todo o calendário agro religioso rural.

António Maria Romeiro Carvalho

A Moura de Algoso

Algoso é uma pequena aldeia perdida nas serranias transmontanas. Diz uma lenda que ainda hoje por lá corre que, no tempo dos Mouros existia nos arredores um bruxo famoso, conhecedor de mezinhas milagrosas e sabedor do passado e do futuro. Vivia num casebre um pouco afastado da povoação, mas nem a pobreza da sua casa, nem o afastamento da mesmo obstavam a que ali acorressem quantos acreditavam nas suas capacidades mágicas ou videntes.

Na verdade, ricos e pobres, de longe ou de perto, todos ali acudiam em busca de cura para os seus males, pedindo filtros de amor ou indagando sobre o que lhes reservaria o futuro.

Em certos dias era uma autêntica romaria. E com tudo isto o bruxo criou fama e proveito de homem rico, apesar de continuar a viver no pobre casebre tentando fazer-se passar por miserável. Entretanto, os cristãos iam avançando na reconquisto de território ainda sobre a dependência dos Mouros e estavam a aproximar-se rapidamente de Algoso. Sabendo disto o bruxo, que não podia prever o seu próprio futuro, calculou que a ocupação cristã não viesse a ser muito demorada e decidiu esconder os seus tesouros, disposto a recuperá-los mais tarde, quando pudesse recuperar o seu oficio.

Assim pensando, escolheu o que poderia carregar consigo, e o restante, as jóias e o ouro, meteu-o num cofre de marfim chapeado a cobre. Feito isto, e como precisava de encontrar um bom esconderijo para a sua fortuna, partiu com o cofre debaixo do braço em demanda do melhor local.

Depois de muito procurar, achou que o melhor sitio era debaixo da fonte de S. João, debaixo das raízes de um enorme e belo chorão que derramava a sua sombra as águas. Pegou numa enxadinha e cavou um buraco apropriado ao tamanho do cofre. Meteu-o lá dentro, tapou-o com terra e disfarçou a obra com folhagem e gravetos.

Terminando o trabalho, levantou-se e olhou em volta. Espantado, viu uma mourinha que, descuidada, descia uma vereda da serra cantando uma velha canção. Convencido que a moura o vira esconder o cofre e estava agora a disfarçando o caso, o bruxo encaminhou-se para ela, olhou-a com uma estranha fixidez, fez uns sinais misteriosos e, recitando certa oração antiga, lançou sobre a menina um encantamento, de tal modo que ela desapareceu no mesmo instante. Casquinhando, esfregou as mãos, pegou nos seus haveres e desandou rapidamente para a floresta, donde nunca mais voltou. A lenda da moura de Algoso foi passando de boca em ouvido, de geração em geração.

A fonte de S. João de resto, continuava ali, lembrando a todos a desdita da mourinha encantada pelo bruxo e desafiando a coragem de quem sonhasse desencantá-la. Uma noite, muito próxima da de S. João, uma rapaz de Algoso que se apaixonara pela história sonhou que via a moura na fonte. Mal acordou, decidiu que, desse lá por onde desse, havia de tentar ver na madrugada de S. João se a lenda era verdadeira. Além disso, como corria se alguém visse a moura nas suas horas felizes lhe podia fazer três pedidos, os quais seriam atendidos, o rapaz achou que, apesar do medo, era talvez vantajoso fazer aquela tentativa. Na véspera de S. João, encaminhou-se para a fonte ainda antes de anoitecer por completo. Procurou um local para se esconder, um local de onde visse sem ser visto, e preparou-se para esperar pela meia noite sem fazer ruído algum. O velho chorão da fonte, já centenário, continuava lançando sobre a água os seus ramos lacrimejantes

Do outro lado, havia agora um belíssimo roseiral, donde provinha um perfume intenso quando todas as rosas abriam. Chegou a meia noite. De repente o rapaz ouviu uma restolhada vinda das bandas do roseiral. Era uma enorme serpente que, rastejando, se dirigia para a fonte. Aí chegada, mergulhou três vezes. Qual não foi o espanto do moço quando viu aparecer sobre as águas uma menina: a moura da fonte e... mais bela do que tradição contava. A moura saltou com leveza da rocha para o solo e, sentando-se na borda da fonte, começou a cantar uma suave canção que o marulhar da água acompanhava, enquanto ela ia passando um pente pelos seus cabelos loiros. Subitamente, uma corça apareceu vinda da floresta e, sem mostrar qualquer receio, aproximou-se da moura, que a afagou com ternura. A corça, num gesto de agradecimento, lambeu-lhe as babuchas de damasco azul.

Era realmente um espectáculo de beleza que o rapaz jamais esperava encontrar, E, acocorado no seu canto, esqueceu os três pedidos que queria fazer, esqueceu tudo, esqueceu-se até de si mesmo, até que, bruscamente, a moura parou de se pentear, debruçou-se no tanque e desatou num pranto irreprimível. Chorava, talvez, a dor da sua solidão sem fim. Condoído, o rapaz fez um movimento para a consolar, esquecido do que não fosse aquela ânsia de ternura que dele se apoderara. Ao erguer-se, porém, fez estalar sob o corpo os ramos da sebe em que se escondera. A corça embrenhou-se rapidamente no mato e a moura desapareceu subitamente, evolando-se numa névoa sobre a águas da fonte de S. João de Algoso.
AQUI

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Lenda da Fonte da Moura

    Numa herdade onde eu vivi com os meus pais, chamada “Cacharroeira” havia uma fonte onde diziam que noutros tempos habitava uma moura encantada.
     Certo dia, ao passar junto da fonte, um caçador viu sentada numa pedra uma linda mulher a pentear-se.
     Logo que esta deu pelo caçador desapareceu imediatamente em direcção à fonte, ouvindo ele só o rastejar de umas correntes de ferro.
     Espreitando para dentro da fonte apenas viu uma enorme serpente da qual conta a lenda ser a dita moura encantada.
     Como diziam que quem matasse a serpente desencantava a moura e casaria com a princesa...
     Alguns homens cavaram na fonte para a conseguirem matar, o que não sucedeu. E ali ficou um poço que ainda hoje é chamado o Poço da Moura.

sábado, 28 de novembro de 2009

Rama

Ó rama, ó que linda rama,
Ó rama da oliveira!
O meu par é o mais lindo
Que anda aqui na roda inteira!


Que anda aqui na roda inteira,
Aqui e em qualquer lugar,
Ó rama, que linda rama,
Ó rama do olival!


Eu gosto muito de ouvir
Cantar a quem aprendeu.
Se houvera quem me ensinara,
Quem aprendia era eu!
 

Não m’invejo de quem tem
Parelhas, éguas e montes;
Só m’invejo de quem bebe
A água em todas as fontes.
 

Fui à fonte beber água,
Encontrei um ramo verde;
Quem o perdeu tinha amores, 

Quem o achou tinha sede.
 

Debaixo da oliveira
Não se pode namorar;
A folha é miudinha,
Deixa passar o luar.


Letra e música: popular; Alentejo.