Atravesso
Portimão de olhos postos no castelo de Arade, onde o velho poeta sonha
com O Fausto, e talvez como ele em recomeçar a vida. A luz é cada vez
mais viva. Um homem com dois cabazes apregoa na rua: é um tipo seco e
tisnado de mouro, de camisola azul e perna nua. Passa uma carrinha
guizalhando, e logo atrás outro burro com bilhas de água fresca. É
extraordinário o que este pobre jerico inocente e peludo, de olhos
límpidos, trabalha no Algarve. É ele que leva a fruta ao mercado e tira a
água das noras. Lavra as terras calcinadas, transporta pelas estradas
solheirentas, adornado com cordões vermelhos, quase uma família a dorso.
Vai às Caídas buscar as grandes bilhas vermelhas que transpiram, mata a
sede da gente e a sede da terra – e não sei se embala os berços...
Produz muito e contenta-se com pouco.
In: Raul Brandão, Os Pescadores, ed. Vítor Pena Viçoso e Luis Manuel Gaspar, Lisboa, Relógio D'Água, 2014, p.181
In: Raul Brandão, Os Pescadores, ed. Vítor Pena Viçoso e Luis Manuel Gaspar, Lisboa, Relógio D'Água, 2014, p.181
Fotografia de Manuel Mendonça Retirada daqui: http://portimaoruaarua.blogspot.com/ |
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