quarta-feira, 13 de agosto de 2014
sexta-feira, 1 de agosto de 2014
Eugénio de Andrade - Véspera da Água
Tudo lhe doía
de tanto que lhes queria:
a terra
e o seu muro de tristeza,
um rumor adolescente,
não de vespas
mas de tílias,
a respiração do trigo,
o fogo reunido na cintura,
um beijo aberto na sombra,
tudo lhe doía:
a frágil e doce e mansa
masculina água dos olhos,
o carmim entornado nos espelhos,
os lábios,
instrumentos da alegria,
de tanto que lhes queria:
os dulcíssimos melancólicos
magníficos animais amedrontados,
um verão difícil
em altos leitos de areia,
a haste delicada de um suspiro,
o comércio dos dedos em ruína,
a harpa inacabada
da ternura,
um pulso claramente pensativo,
lhe doía:
na véspera de ser homem,
na véspera de ser água,
o tempo ardido,
rouxinol estrangulado,
meu amor: amora branca,
o rio
inclinado
para as aves,
a nudez partilhada, os jogos matinais,
ou se preferem: nupciais,
o silêncio torrencial,
a reverência dos mastros,
no intervalo das espadas
uma criança corre
corre na colina
atrás do vento,
de tanto que lhes queria,
tudo tudo lhe doía.
IN: Obscuro Domínio, 1971
sexta-feira, 25 de julho de 2014
Bernardo Soares - O RIO DA POSSE
Que somos todos diferentes, é um axioma da nossa naturalidade. Só nos parecemos de longe, na proporção, portanto, em que não somos nós. A vida é, por isso, para os indefinidos; só podem conviver os que nunca se definem, e são, um e outro, ninguéns.
Cada um de nós é dois, e quando duas pessoas se encontram, se aproximam, se ligam, é raro que as quatro possam estar de acordo.
O homem que sonha em cada homem que age, se tantas vezes se malquista com o homem que age, como não se malquistará com o homem que age e o homem que sonha no Outro.
Somos forças porque somos vidas. Cada um de nós tende para si próprio com escala pelos outros. Se temos por nós mesmos o respeito de nos acharmos interessantes, (...) Toda a aproximação é um conflito. O outro é sempre o obstáculo para quem procura. Só quem não procura é feliz; porque só quem não busca encontra, visto que quem não procura já tem, e já ter, seja o que for, é ser feliz (como não pensar é a parte melhor, de ser rico).
Olho para ti, dentro de mim, noiva suposta, e já nos desavimos antes de existires. O meu hábito de sonhar claro dá-me uma noção justa da realidade. Quem sonha demais precisa de dar realidade ao sonho. Quem dá realidade ao sonho tem que dar ao sonho o equilíbrio da realidade. Quem dá ao sonho o equilíbrio da realidade, sofre da realidade de sonhar tanto como da realidade da vida (e do irreal do sonho com o de sentir a vida irreal).
Estou-te esperando, em devaneio, no nosso quarto com duas portas, e sonho-te vindo e no meu sonho entras até mim pela porta da direita; se, quando entras, entras pela porta da esquerda, há já uma diferença entre ti e o meu sonho. Toda a tragédia humana está neste pequeno exemplo de como aqueles com quem pensamos nunca são aqueles em quem pensamos.
O amor perde identidade na diferença, o que é impossível já na lógica, quanto mais no mundo. O amor quer possuir, quer tornar seu o que tem de ficar fora para ele saber que só torna seu se não é. Amar é entregar-se. Quanto maior a entrega, maior o amor. Mas a entrega total entrega também a consciência do outro. O amor maior é por isso a morte, ou o esquecimento, ou a renúncia — os amores todos que são os absurdiandos do amor.
No terraço antigo do palácio, alçado sobre o mar, meditaremos em silêncio a diferença entre nós. Eu era príncipe e tu princesa, no terraço à beira do mar. O nosso amor nascera do nosso encontro, como a beleza se criou do encontro da Lua com as águas.
O amor quer a posse, mas não sabe o que é a posse. Se eu não sou meu, como serei teu, ou tu minha? Se não possuo o meu próprio ser, como possuirei um ser alheio? Se sou já diferente daquele de quem sou idêntico, como serei idêntico daquele de quem sou diferente.
O amor é um misticismo que quer praticar-se, uma impossibilidade que só é sonhada como devendo ser realizada.
Metafísico. Mas toda a vida é uma metafísica às escuras, com um rumor de deuses e o desconhecimento da rota como única via.
A pior astúcia comigo da minha decadência é o meu amor à saúde e à claridade. Achei sempre que um corpo belo e o ritmo feliz de um andar jovem tinham mais competência no mundo que todos os sonhos que há em mim. E com uma alegria da velhice pelo espírito que sigo às vezes — sem inveja nem desejo — os pares casuais que a tarde junta e caminham braço com braço para a consciência inconsciente da juventude. Gozo-os como gozo uma verdade, sem que pense se me diz ou não respeito. Se os comparo a mim, continuo gozando-os, mas como quem goza uma verdade que o fere, juntando à dor da ferida a consciência de ter compreendido os deuses.
Sou o contrário dos espiritualistas simbolistas, para quem todo o ser, e todo o acontecimento, é a sombra de uma realidade de que é a sombra apenas. Cada coisa, para mim, é, em vez de um ponto de chegada, um ponto de partida. Para o ocultista tudo acaba em tudo; tudo começa em tudo para mim.
Procedo, como eles, por analogia e sugestão, mas o jardim pequeno que lhes sugere a ordem e a beleza da alma, a mim não lembra mais que o jardim maior onde possa ser, longe dos homens, feliz a vida que o não pode ser. Cada coisa sugere-me não a realidade de que é a sombra, mas a realidade para que é o caminho.
O jardim da Estrela, à tarde, é para mim a sugestão de um parque antigo, nos séculos antes do descontentamento da alma.
s.d.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I.
Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete
Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado
Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.
- 273.
- 273.
"Fase decadentista", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol I. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.
DAQUI: http://arquivopessoa.net/textos/1299
DAQUI: http://arquivopessoa.net/textos/1299
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
Provérbios populares sobre a Lenda São Martinho
Provérbios populares do dia São Martinho
- No dia de S. Martinho vai à adega e prova o teu vinho.
- Mais vale um castanheiro do que um saco com dinheiro.
- Dia de S. Martinho fura o teu pipinho.
- Do dia de S. Martinho ao Natal, o médico e o boticário enchem o teu bornal.
- Pelo S. Martinho mata o teu porquinho e semeia o teu cebolinho.
- Se o Inverno não erra caminho, tê-lo-ei pelo S. Martinho.
- Se queres pasmar teu vizinho lavra, sacha e esterca pelo S. Martinho.
- Dia de S. Martinho, lume, castanhas e vinho.
- Pelo S. Martinho, prova o teu vinho, ao cabo de um ano já não te faz dano.
- Pelo S. Martinho mata o teu porco e bebe o teu vinho.
- Pelo S. Martinho semeia favas e vinho.
- Pelo S. Martinho, nem nado nem cabacinho.
- Água-pé, castanhas e vinho faz-se uma boa festa pelo S. Martinho.
- No dia de S. Martinho vai à adega e prova o teu vinho.
- Mais vale um castanheiro do que um saco com dinheiro.
- Dia de S. Martinho fura o teu pipinho.
- Do dia de S. Martinho ao Natal, o médico e o boticário enchem o teu bornal.
- Pelo S. Martinho mata o teu porquinho e semeia o teu cebolinho.
- Se o Inverno não erra caminho, tê-lo-ei pelo S. Martinho.
- Se queres pasmar teu vizinho lavra, sacha e esterca pelo S. Martinho.
- Dia de S. Martinho, lume, castanhas e vinho.
- Pelo S. Martinho, prova o teu vinho, ao cabo de um ano já não te faz dano.
- Pelo S. Martinho mata o teu porco e bebe o teu vinho.
- Pelo S. Martinho semeia favas e vinho.
- Pelo S. Martinho, nem nado nem cabacinho.
- Água-pé, castanhas e vinho faz-se uma boa festa pelo S. Martinho.
segunda-feira, 14 de outubro de 2013
Bernardo Soares - ...e as algas como molhados cabelos empastando o rosto...
...e as algas como molhados cabelos empastando o rosto morto das águas.
Um som suave de rio largo, uma indecisa frescura aquática, uma saudade audível, oculta, um amarelo morto de movimento.
Leves, leves as sombras calmas.
A noite era cheia daquelas pequenas nuvens muito brancas, que se destacam umas das outras. Vista através de uma ou outra delas, a Lua tinha em seu torno um halo azul, castanho e amarelo, com uns tons supostos de verde-vivo. Entre as árvores o céu era dum azul-negro profundíssimo, longínquo, irrevogável. As estrelas viam-se ora através das nuvens, ora, muito longe, mas entre elas. Uma saudade de coisas idas, de grandes passados da alma, talvez porque em reencarnações antigas, olhos nossos, no corpo físico, houvesse visto, este luar sobre florestas longínquas, quando selvática ainda, a alma infanta talvez pressentia, por uma memória em Deus ao contrário, no futuro das suas reencarnações, esta lua retrospectiva. E assim essas duas luas davam mãos de sombra por sobre a minha cabeça abatida.
Um som suave de rio largo, uma indecisa frescura aquática, uma saudade audível, oculta, um amarelo morto de movimento.
Leves, leves as sombras calmas.
A noite era cheia daquelas pequenas nuvens muito brancas, que se destacam umas das outras. Vista através de uma ou outra delas, a Lua tinha em seu torno um halo azul, castanho e amarelo, com uns tons supostos de verde-vivo. Entre as árvores o céu era dum azul-negro profundíssimo, longínquo, irrevogável. As estrelas viam-se ora através das nuvens, ora, muito longe, mas entre elas. Uma saudade de coisas idas, de grandes passados da alma, talvez porque em reencarnações antigas, olhos nossos, no corpo físico, houvesse visto, este luar sobre florestas longínquas, quando selvática ainda, a alma infanta talvez pressentia, por uma memória em Deus ao contrário, no futuro das suas reencarnações, esta lua retrospectiva. E assim essas duas luas davam mãos de sombra por sobre a minha cabeça abatida.
s.d.
Livro do Desassossego. Vol.I. Fernando Pessoa. (Organização e fixação de inéditos de Teresa Sobral Cunha.) Coimbra: Presença, 1990. - 82.
"Fase decadentista", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol I. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.
daqui: http://arquivopessoa.net/textos/2117
daqui: http://arquivopessoa.net/textos/2117
Bernardo Soares - Os teus colares de pérolas fingidas amaram comigo...
Os teus colares de pérolas fingidas amaram comigo as minhas horas
melhores. Eram cravos as flores preferidas, talvez porque não
significavam requintes. Os teus lábios festejavam sobriamente a ironia
do seu próprio sorriso. Compreendias bem o teu destino? Era por o
conheceres sem que o compreendesses que o mistério escrito na tristeza
dos teus olhos sombreara tanto os teus lábios desistidos. A nossa Pátria
estava demasiado longe para rosas. Nas cascatas dos nossos jardins a
água era pelúcida de silêncios. Nas pequenas cavidades rugosas das
pedras, por onde a água escolhia, havia segredos que tivéramos quando
crianças, sonhos do tamanho parado dos nossos soldados de chumbo, que
podiam ser postos nas pedras da cascata, na execução estática duma
grande acção militar, sem que faltasse nada aos nossos sonhos, nem nada
tardasse às nossas suposições.
s.d.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I.
Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete
Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado
Coelho.) Lisboa: Ática, 1982. - 266.
"Fase decadentista", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol I. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.
daqui: http://arquivopessoa.net/textos/140
daqui: http://arquivopessoa.net/textos/140
sexta-feira, 11 de outubro de 2013
Luiza Neto Jorge - ANOS QUARENTA, OS MEUS
fotografia de Artur Pastor |
ANOS QUARENTA, OS MEUS
De eléctrico andava a correr meio mundo
subia a colina ao castelo-fantasma
onde um pavão alto me aflorava muito
em sonhos, à noite. E sofria de asma
alma e ar reféns dentro do pulmão
(como o chimpanzé que à boca da jaula
respirava ainda pela estendida mão).
Salazar, três vezes, no eco da aula.
As verdiças tranças prontas a espigar
escondiam na auréola os mais duros ganchos.
E o meu coito quando jogava a apanhar
era nesse tronco do jardim dos anjos
que hoje inda esbraceja, numa árvore passiva.
Níqueis e organdis, espelhos e torpedos
acabou a guerra meu pai grita «Viva».
Deflagram no rio golfinhos brinquedos.
Já bate no cais das colunas uma
onda ultramarina onde singra um barco
pra Cacilhas e, no céu que ressuma
névoas, águas mil, um fictício arco-
-íris como que é, no seu cor-a-cor,
uma dor que ao pé doutra se indefine.
No cinema lis luz o projector
e o FIM através do tempo retine.
Luiza Neto Jorge
obrigada, Daniel
ALDEIAS SONORAS
“Aldeias Sonoras” é um projecto educativo da Binaural/Nodar
de mapeamento sonoro de zonas rurais portuguesas, em paralelo com o seu
levantamento geográfico, histórico e sócio-cultural. O projecto envolve
escolas básicas e secundárias de zonas rurais de diversas regiões de
Portugal, tendo ocorrido um primeiro módulo no ano lectivo 2008/2009 em
parceria com a Escola Secundária de São Pedro do Sul e um segundo módulo
no ano de 2010 em parceria com diversas escolas de zonas por onde passa
o rio Paiva, integrado no projecto “Paivascapes #1“
O projecto pretende evidenciar a riqueza sonora do mundo rural português e a necessidade de o registar, envolvendo crianças e jovens nessa descoberta, promovendo em paralelo o sentido de identidade, de diversidade e de orgulho em viver no campo.
“Aldeias Sonoras” envolve uma série de
módulos de aprendizagem teórico-prática, com o objectivo de dotar os
alunos de conhecimentos de tecnologias de registo e edição de sons,
utilização de blogs para a organização e distribuição de informação,
associando cada etapa do projecto a diversas disciplinas curriculares
(nas áreas da arte, história, cidadania, geografia, tecnologias de
informação, etc.).
obrigada, Daniel
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quinta-feira, 10 de outubro de 2013
domingo, 16 de junho de 2013
A Lenda do Sever
Eis a lenda que, com mais ou menos variantes, a tradição nos transmitiu:
Em distante e já remota época, numeroso e escolhido cortejo de damas e cavaleiros, de longada para as bandas de Castela, resolve descansar das fadigas da jornada junto às margens do rio e no sítio onde mais fácil se torna a sua passagem a vau. Ao pretender, porém, recomeçar a viagem, quando as damas se preparavam para compor os seus vestidos e alisar os cabelos desgrenhados pelos solavancos da travessia através dos ásperos córregos e do pedregoso trilho dos rústicos caminhos viram, com desconsolada surpresa, que em nenhuma das escouradas arcas de bagagem se encontrava um espelho, objecto tão necessário às mais novas e tafús e que havia esquecido na azáfama confusa da partida. Compreender-se-á o desespero em que esse facto lançaria as entristecidas e contrariadas damas, tão ávidas de bem parecer e para as quais o espelho é o mais dilecto, necessário e indispensável companheiro.
Diz-se mesmo que em algumas delas tal contratempo se denunciava por mal contidas e furtivas lágrimas, que não passaram despercebidas ao olhar atento e enamorado de um gentil moço e garboso cavaleiro da comitiva. Pressuroso e cortês acudiu este procurando remediar a contrariedade das aflitas damas, lembrando-lhes que não havia, em verdade, motivo para se entristecerem pois que, para substituir o espelho tinham elas ali bem perto um belo rio de SE VER.
Para comemorar a gentil lembrança do moço fidalgo e como prémio e agradecida homenagem à sua tão feliz e oportuna ideia puseram, então, as damas ao sítio onde haviam estado a pentear-se o lindo e romântico nome de «PORTO DOS CAVALEIROS», nome que ainda hoje lá se conserva e que a tradição liga a esta lenda tão perfumada de cortês e graciosa galantaria.».
Fonte Biblio COSTA, Alexandre de Carvalho Marvão, suas freguesias rurais e alguns lugares n/a, Câmara Municipal de Marvão, 1982 , p.49-50
O sardão da Lapa
Consta-se que uma mulher vinha dum povoado chamado Forca a caminho de Quintela com um saco de novelos de linho para tecer. A meio da encosta da serra, num local conhecido por Cova, foi atacada por um grande lagarto. Este, de boca enorme, tentou morder a mulher que, aflita, pediu ajuda à Senhora da Lapa. Foi então que lhe veio a ideia de atirar ao monstro os novelos que no saco levava, ficando com a ponta dos fios nas mãos.
O bicharoco ia engolindo os novelos que a mulher lhe arremessava. Quando já tinha na mão uma grande quantidade de pontas, a mulher deu uns puxões que engasgaram a fera.
Em sinal de gratidão, a mulher ofereceu o corpo do lagarto à Senhora da Lapa.
Fonte Biblio
AA. VV., -
Literatura Portuguesa de Tradição Oral
s/l, Projecto Vercial - Univ. Trás -os-Montes e Alto Douro, 2003
, p.L3
daqui
daqui
Vitorino Nemésio - A concha
A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fachada de marés, a sonho e lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.
Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.
E telhados de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta ao vento, as salas frias.
A minha casa. . . Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória.
Vitorino Nemésio, O Bicho Harmonioso, 1938
terça-feira, 23 de abril de 2013
sábado, 20 de abril de 2013
Alhandra - 17/04/2013
Gravura de Maria Irene Ribeiro (Casa-Museu Sousa Martins) |
Xilogravura de Augusto Bértholo (Casa-Museu Sousa Martins) |
(Casa-Museu Sousa Martins) |
[ obrigada, Daniel, por tudo e todos : ) ]
segunda-feira, 15 de abril de 2013
segunda-feira, 1 de abril de 2013
sábado, 30 de março de 2013
terça-feira, 26 de março de 2013
Manoel de Oliveira, Douro, Faina Fluvial, 1931
Adaptação musical: Maestro Luís de Freitas Branco
[via Luis Manuel Gaspar]
sábado, 23 de março de 2013
Sophia de Mello Breyner Andresen - PRIMAVERA
As heras de outras eras água pedra
E passa devagar memória antiga
Com brisa madressilva e Primavera
E o desejo da jovem noite nua
Música passando pelas veias
E a sombra das folhagens nas paredes
Descalço o passo sobre os musgos verdes
E a noite transparente e distraída
Com seu sabor de rosa densa e breve
Onde me lembro amor de ter morrido
— Sangue feroz do tempo possuído
Natália Correia - Fiz um conto para me embalar
Fiz com as fadas uma aliança.
A deste conto nunca contar.
Mas como ainda sou criança
Quero a mim própria embalar.
Estavam na praia três donzelas
Como três laranjas num pomar.
Nenhuma sabia para qual delas
Cantava o príncipe do mar.
Rosas fatais, as três donzelas
A mão de espuma as desfolhou.
Nenhum soube para qual delas
O príncipe do mar cantou.
Fialho de Almeida - 'A princesinha das rosas'
(...)
Captiva por aquella phantasmagoria do lago,
a princesa desceu á praia uma noite ... o luar vinha
nascendo... — diz que uma barca atracara
ás escadarias dos cães, negra barca de mudos barqueiros,
anões com hombros de titans, cujos olhos phosphorejavam
por baixo de chapéus feitos de grandes cogumellos.
Mas a princesa, a princesa?
Diz que pelas velhas estradas trotam mensageiros
anciosos, creanças n'aquelle tempo, hoje velhos de
mil annos, que vâo perguntando aos viandantes se a
viram passar alli. Quanta maior certeza elles teem
de não achar quem procuram, tanto mais frenéticos
precipitam os voos seus cavallos esqueletos.
(...)
Livro AQUI
Alexandre O’Neill - «O TEJO CORRE NO TEJO»
17.7.2012 |
Tu que passas por mim tão indiferente,
no teu correr vazio de sentido,
na memória que sobes lentamente,
do mar para a nascente,
és o curso do tempo já vivido.
Não, Tejo,
não és tu que em mim te vês,
- sou eu que em ti me vejo!
Por isso, à tua beira se demoraaquele que a saudade ainda trespassa,
repetindo a lição, que não decora,
de ser, aqui e agora,
só um homem a olhar para o que passa.
Não, Tejo,
não és tu que em mim te vês,
- sou eu que em ti me vejo!
Um voo desferido é uma gaivota,não é o voo da imaginação;
gritos não são agoiros, são a lota…
Vá, não faças batota,
Deixa ficar as coisas onde estão…
Não, Tejo,
não és tu que em mim te vês,
- sou eu que em ti me vejo!
Tejo desta canção, que o teu corrernão seja o meu pretexto de saudade.
Saudade tenho, sim, mas de perder,
sem as poder deter,
as águas vivas da realidade!
Não, Tejo,
não és tu que em mim te vês,
- sou eu, em mim, que me vejo!
domingo, 24 de fevereiro de 2013
Soeiro Pereira Gomes
Esteiros. Minúsculos canais, como dedos de mão espalmada, abertos na margem do Tejo. Dedos das mãos avaras dos telhais que roubam nateiro às águas e vigores à malta. Mãos de lama que só o rio afaga.
Soeiro Pereira Gomes, Esteiros, Publicações Europa-América, p. 9
AQUI
Soeiro Pereira Gomes, Esteiros, Publicações Europa-América, p. 9
AQUI
sábado, 23 de fevereiro de 2013
António Nobre - Nasci, num reino d'Oiro e amores
Nasci, num reino d'Oiro e amores
À beira-mar.
Sou neto de Navegadores,
Heróis, Lobos-d'água, Senhores
Da índia, d'Aquém e d'Além-mar!
E o Vento mia! e o Vento mia!
Que irá no Mar!
Que noite! ó minha Irmã Maria
Acende um círio à Virgem Pia,
Pelos que andam no alto Mar...
Ao Mundo vim, em terça-feira
Que noite! ó minha Irmã Maria
Acende um círio à Virgem Pia,
Pelos que andam no alto Mar...
Ao Mundo vim, em terça-feira
Um sino ouvia-se
dobrar!
Vim a subir pela ladeira
E, numa certa terça-feira,
Estive já pra me matar...
Ides gelar, água das fontes
Vim a subir pela ladeira
E, numa certa terça-feira,
Estive já pra me matar...
Ides gelar, água das fontes
Ides gelar!
Águas do rio! Águas dos montes!
Cantigas d'água pelos montes,
Que sois como amas a cantar...
Passam na rua os estudantes
Águas do rio! Águas dos montes!
Cantigas d'água pelos montes,
Que sois como amas a cantar...
Passam na rua os estudantes
A vadrulhar...
Assim como eles era eu dantes!
Meus camaradas! estudantes!
Deixai o Poeta trabalhar.
O Job, coberto de gangrenas,
Assim como eles era eu dantes!
Meus camaradas! estudantes!
Deixai o Poeta trabalhar.
O Job, coberto de gangrenas,
Meu avatar!
Conservo as mesmas tuas penas,
Mais tuas chagas e gangrenas,
Que não me farto de coçar!
E a neve cai, como farinha,
Conservo as mesmas tuas penas,
Mais tuas chagas e gangrenas,
Que não me farto de coçar!
E a neve cai, como farinha,
Lá desse moinho a
moer, no Ar;
Ó bom Moleiro, cautelinha!
Não desperdices a farinha
Que tanto custa a germinar...
Andais, à neve, sem sapatos,
Ó bom Moleiro, cautelinha!
Não desperdices a farinha
Que tanto custa a germinar...
Andais, à neve, sem sapatos,
Vós que não tendes
que calçar!
Corpos ao léu, vesti meus fatos!
Pés nus! levai esses sapatos...
Basta-me um par.
Quando eu morrer, hirto de mágoa,
Corpos ao léu, vesti meus fatos!
Pés nus! levai esses sapatos...
Basta-me um par.
Quando eu morrer, hirto de mágoa,
Deitem-me ao Mar!
Irei indo de frágua em frágua,
Até que, enfim, desfeito em água,
Hei de fazer parte do Mar!
No Pantéon, trágico, o sino
Irei indo de frágua em frágua,
Até que, enfim, desfeito em água,
Hei de fazer parte do Mar!
No Pantéon, trágico, o sino
Dá meia-noite,
devagar:
É o Vítor, outra vez menino,
A compor um alexandrino,
Pelos seus dedos a contar!
Que olhos tristes tem meu vizinho!
É o Vítor, outra vez menino,
A compor um alexandrino,
Pelos seus dedos a contar!
Que olhos tristes tem meu vizinho!
Vê-me a comer e
põe-se a ougar:
Sobe ao meu quarto, bom velhinho!
Que eu dou-te um copo deste vinho
E metade do meu jantar.
Bairro Latino! dorme um pouco,
Sobe ao meu quarto, bom velhinho!
Que eu dou-te um copo deste vinho
E metade do meu jantar.
Bairro Latino! dorme um pouco,
Faze, meu Deus, por
sossegar!
Cala-te, Georges! estás já rouco!
Deixa-me em paz! Cala-te, louco.
Ó boulevard!
Boas almas, vinde ao meu seio!
Cala-te, Georges! estás já rouco!
Deixa-me em paz! Cala-te, louco.
Ó boulevard!
Boas almas, vinde ao meu seio!
Espíritos errantes
no Ar!
Sou médium: evoco-os, noite em meio!
Vós não acreditais, eu sei-o...
Deixá-lo não acreditar.
Se eu vos pudesse dar a vista,
Sou médium: evoco-os, noite em meio!
Vós não acreditais, eu sei-o...
Deixá-lo não acreditar.
Se eu vos pudesse dar a vista,
Ceguinhos que ides
a tactear...
Quando essa sorte me contrista!
Mas ah! mais vale não ter vista
Que um mundo destes ter de olhar...
A Morte, agora, é a minha Ama
Quando essa sorte me contrista!
Mas ah! mais vale não ter vista
Que um mundo destes ter de olhar...
A Morte, agora, é a minha Ama
Que bem que sabe
acalentar!
À noite, quando estou na cama:
"Nana, nana, que a tua Ama
Vem já, não tarda! foi cavar..."
Camões! Ó Poeta do Mar-bravo!
À noite, quando estou na cama:
"Nana, nana, que a tua Ama
Vem já, não tarda! foi cavar..."
Camões! Ó Poeta do Mar-bravo!
Vem-me ajudar...
Tenho o nome do teu escravo:
Em nome dele e do Mar-bravo
Vem-me ajudar!
E o Vento geme! e o Vento geme!
Tenho o nome do teu escravo:
Em nome dele e do Mar-bravo
Vem-me ajudar!
E o Vento geme! e o Vento geme!
Que irá no Mar!
Lobos-d'água, que ides ao leme
Tende cuidado! A lancha treme.
Orçar! orçar!
Meu velho Cão, meu grande amigo,
Lobos-d'água, que ides ao leme
Tende cuidado! A lancha treme.
Orçar! orçar!
Meu velho Cão, meu grande amigo,
Por que me estás
assim a olhar!
Quando eu choro, choras comigo
Meu velho Cão! és meu amigo...
Tu nunca me hás-de abandonar.
Frades do Monte de Crestelo!
Quando eu choro, choras comigo
Meu velho Cão! és meu amigo...
Tu nunca me hás-de abandonar.
Frades do Monte de Crestelo!
Abri-me as portas!
quero entrar...
Cortai-me as barbas e o cabelo,
Vesti-me esse hábito singelo...
Deixai-me entrar!
Moço Lusíada! criança!
Cortai-me as barbas e o cabelo,
Vesti-me esse hábito singelo...
Deixai-me entrar!
Moço Lusíada! criança!
Por que estás
triste, a meditar?
Vês teu país sem esperança
Que todo alui, à semelhança
Dos castelos que ergueste no Ar?
Vês teu país sem esperança
Que todo alui, à semelhança
Dos castelos que ergueste no Ar?
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