Nasci, num reino
d'Oiro e amores
À beira-mar.
Sou neto de
Navegadores,
Heróis,
Lobos-d'água, Senhores
Da índia, d'Aquém e
d'Além-mar!
E o Vento mia! e o
Vento mia!
Que irá no Mar!
Que noite! ó minha
Irmã Maria
Acende um círio à
Virgem Pia,
Pelos que andam no
alto Mar...
Ao Mundo vim, em
terça-feira
Um sino ouvia-se
dobrar!
Vim a subir pela
ladeira
E, numa certa
terça-feira,
Estive já pra me
matar...
Ides gelar, água
das fontes
Ides gelar!
Águas do rio! Águas
dos montes!
Cantigas d'água
pelos montes,
Que sois como amas
a cantar...
Passam na rua os
estudantes
A vadrulhar...
Assim como eles era
eu dantes!
Meus camaradas!
estudantes!
Deixai o Poeta
trabalhar.
O Job, coberto de
gangrenas,
Meu avatar!
Conservo as mesmas
tuas penas,
Mais tuas chagas e
gangrenas,
Que não me farto de
coçar!
E a neve cai, como
farinha,
Lá desse moinho a
moer, no Ar;
Ó bom Moleiro,
cautelinha!
Não desperdices a
farinha
Que tanto custa a
germinar...
Andais, à neve, sem
sapatos,
Vós que não tendes
que calçar!
Corpos ao léu,
vesti meus fatos!
Pés nus! levai
esses sapatos...
Basta-me um par.
Quando eu morrer,
hirto de mágoa,
Deitem-me ao Mar!
Irei indo de frágua
em frágua,
Até que, enfim,
desfeito em água,
Hei de fazer parte
do Mar!
No Pantéon,
trágico, o sino
Dá meia-noite,
devagar:
É o Vítor, outra
vez menino,
A compor um
alexandrino,
Pelos seus dedos a
contar!
Que olhos tristes
tem meu vizinho!
Vê-me a comer e
põe-se a ougar:
Sobe ao meu quarto,
bom velhinho!
Que eu dou-te um
copo deste vinho
E metade do meu
jantar.
Bairro Latino!
dorme um pouco,
Faze, meu Deus, por
sossegar!
Cala-te, Georges!
estás já rouco!
Deixa-me em paz!
Cala-te, louco.
Ó boulevard!
Boas almas, vinde
ao meu seio!
Espíritos errantes
no Ar!
Sou médium:
evoco-os, noite em meio!
Vós não acreditais,
eu sei-o...
Deixá-lo não
acreditar.
Se eu vos pudesse
dar a vista,
Ceguinhos que ides
a tactear...
Quando essa sorte
me contrista!
Mas ah! mais vale
não ter vista
Que um mundo destes
ter de olhar...
A Morte, agora, é a
minha Ama
Que bem que sabe
acalentar!
À noite, quando
estou na cama:
"Nana, nana,
que a tua Ama
Vem já, não tarda!
foi cavar..."
Camões! Ó Poeta do
Mar-bravo!
Vem-me ajudar...
Tenho o nome do teu
escravo:
Em nome dele e do
Mar-bravo
Vem-me ajudar!
E o Vento geme! e o
Vento geme!
Que irá no Mar!
Lobos-d'água, que
ides ao leme
Tende cuidado! A
lancha treme.
Orçar! orçar!
Meu velho Cão, meu
grande amigo,
Por que me estás
assim a olhar!
Quando eu choro,
choras comigo
Meu velho Cão! és
meu amigo...
Tu nunca me hás-de
abandonar.
Frades do Monte de
Crestelo!
Abri-me as portas!
quero entrar...
Cortai-me as barbas
e o cabelo,
Vesti-me esse
hábito singelo...
Deixai-me entrar!
Moço Lusíada!
criança!
Por que estás
triste, a meditar?
Vês teu país sem
esperança
Que todo alui, à
semelhança
Dos castelos que
ergueste no Ar?