quinta-feira, 10 de outubro de 2013
domingo, 16 de junho de 2013
A Lenda do Sever
Eis a lenda que, com mais ou menos variantes, a tradição nos transmitiu:
Em distante e já remota época, numeroso e escolhido cortejo de damas e cavaleiros, de longada para as bandas de Castela, resolve descansar das fadigas da jornada junto às margens do rio e no sítio onde mais fácil se torna a sua passagem a vau. Ao pretender, porém, recomeçar a viagem, quando as damas se preparavam para compor os seus vestidos e alisar os cabelos desgrenhados pelos solavancos da travessia através dos ásperos córregos e do pedregoso trilho dos rústicos caminhos viram, com desconsolada surpresa, que em nenhuma das escouradas arcas de bagagem se encontrava um espelho, objecto tão necessário às mais novas e tafús e que havia esquecido na azáfama confusa da partida. Compreender-se-á o desespero em que esse facto lançaria as entristecidas e contrariadas damas, tão ávidas de bem parecer e para as quais o espelho é o mais dilecto, necessário e indispensável companheiro.
Diz-se mesmo que em algumas delas tal contratempo se denunciava por mal contidas e furtivas lágrimas, que não passaram despercebidas ao olhar atento e enamorado de um gentil moço e garboso cavaleiro da comitiva. Pressuroso e cortês acudiu este procurando remediar a contrariedade das aflitas damas, lembrando-lhes que não havia, em verdade, motivo para se entristecerem pois que, para substituir o espelho tinham elas ali bem perto um belo rio de SE VER.
Para comemorar a gentil lembrança do moço fidalgo e como prémio e agradecida homenagem à sua tão feliz e oportuna ideia puseram, então, as damas ao sítio onde haviam estado a pentear-se o lindo e romântico nome de «PORTO DOS CAVALEIROS», nome que ainda hoje lá se conserva e que a tradição liga a esta lenda tão perfumada de cortês e graciosa galantaria.».
Fonte Biblio COSTA, Alexandre de Carvalho Marvão, suas freguesias rurais e alguns lugares n/a, Câmara Municipal de Marvão, 1982 , p.49-50
O sardão da Lapa
Consta-se que uma mulher vinha dum povoado chamado Forca a caminho de Quintela com um saco de novelos de linho para tecer. A meio da encosta da serra, num local conhecido por Cova, foi atacada por um grande lagarto. Este, de boca enorme, tentou morder a mulher que, aflita, pediu ajuda à Senhora da Lapa. Foi então que lhe veio a ideia de atirar ao monstro os novelos que no saco levava, ficando com a ponta dos fios nas mãos.
O bicharoco ia engolindo os novelos que a mulher lhe arremessava. Quando já tinha na mão uma grande quantidade de pontas, a mulher deu uns puxões que engasgaram a fera.
Em sinal de gratidão, a mulher ofereceu o corpo do lagarto à Senhora da Lapa.
Fonte Biblio
AA. VV., -
Literatura Portuguesa de Tradição Oral
s/l, Projecto Vercial - Univ. Trás -os-Montes e Alto Douro, 2003
, p.L3
daqui
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Vitorino Nemésio - A concha
A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fachada de marés, a sonho e lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.
Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.
E telhados de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta ao vento, as salas frias.
A minha casa. . . Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória.
Vitorino Nemésio, O Bicho Harmonioso, 1938
terça-feira, 23 de abril de 2013
sábado, 20 de abril de 2013
Alhandra - 17/04/2013
Gravura de Maria Irene Ribeiro (Casa-Museu Sousa Martins) |
Xilogravura de Augusto Bértholo (Casa-Museu Sousa Martins) |
(Casa-Museu Sousa Martins) |
[ obrigada, Daniel, por tudo e todos : ) ]
segunda-feira, 15 de abril de 2013
segunda-feira, 1 de abril de 2013
sábado, 30 de março de 2013
terça-feira, 26 de março de 2013
Manoel de Oliveira, Douro, Faina Fluvial, 1931
Adaptação musical: Maestro Luís de Freitas Branco
[via Luis Manuel Gaspar]
sábado, 23 de março de 2013
Sophia de Mello Breyner Andresen - PRIMAVERA
As heras de outras eras água pedra
E passa devagar memória antiga
Com brisa madressilva e Primavera
E o desejo da jovem noite nua
Música passando pelas veias
E a sombra das folhagens nas paredes
Descalço o passo sobre os musgos verdes
E a noite transparente e distraída
Com seu sabor de rosa densa e breve
Onde me lembro amor de ter morrido
— Sangue feroz do tempo possuído
Natália Correia - Fiz um conto para me embalar
Fiz com as fadas uma aliança.
A deste conto nunca contar.
Mas como ainda sou criança
Quero a mim própria embalar.
Estavam na praia três donzelas
Como três laranjas num pomar.
Nenhuma sabia para qual delas
Cantava o príncipe do mar.
Rosas fatais, as três donzelas
A mão de espuma as desfolhou.
Nenhum soube para qual delas
O príncipe do mar cantou.
Fialho de Almeida - 'A princesinha das rosas'
(...)
Captiva por aquella phantasmagoria do lago,
a princesa desceu á praia uma noite ... o luar vinha
nascendo... — diz que uma barca atracara
ás escadarias dos cães, negra barca de mudos barqueiros,
anões com hombros de titans, cujos olhos phosphorejavam
por baixo de chapéus feitos de grandes cogumellos.
Mas a princesa, a princesa?
Diz que pelas velhas estradas trotam mensageiros
anciosos, creanças n'aquelle tempo, hoje velhos de
mil annos, que vâo perguntando aos viandantes se a
viram passar alli. Quanta maior certeza elles teem
de não achar quem procuram, tanto mais frenéticos
precipitam os voos seus cavallos esqueletos.
(...)
Livro AQUI
Alexandre O’Neill - «O TEJO CORRE NO TEJO»
17.7.2012 |
Tu que passas por mim tão indiferente,
no teu correr vazio de sentido,
na memória que sobes lentamente,
do mar para a nascente,
és o curso do tempo já vivido.
Não, Tejo,
não és tu que em mim te vês,
- sou eu que em ti me vejo!
Por isso, à tua beira se demoraaquele que a saudade ainda trespassa,
repetindo a lição, que não decora,
de ser, aqui e agora,
só um homem a olhar para o que passa.
Não, Tejo,
não és tu que em mim te vês,
- sou eu que em ti me vejo!
Um voo desferido é uma gaivota,não é o voo da imaginação;
gritos não são agoiros, são a lota…
Vá, não faças batota,
Deixa ficar as coisas onde estão…
Não, Tejo,
não és tu que em mim te vês,
- sou eu que em ti me vejo!
Tejo desta canção, que o teu corrernão seja o meu pretexto de saudade.
Saudade tenho, sim, mas de perder,
sem as poder deter,
as águas vivas da realidade!
Não, Tejo,
não és tu que em mim te vês,
- sou eu, em mim, que me vejo!
domingo, 24 de fevereiro de 2013
Soeiro Pereira Gomes
Esteiros. Minúsculos canais, como dedos de mão espalmada, abertos na margem do Tejo. Dedos das mãos avaras dos telhais que roubam nateiro às águas e vigores à malta. Mãos de lama que só o rio afaga.
Soeiro Pereira Gomes, Esteiros, Publicações Europa-América, p. 9
AQUI
Soeiro Pereira Gomes, Esteiros, Publicações Europa-América, p. 9
AQUI
sábado, 23 de fevereiro de 2013
António Nobre - Nasci, num reino d'Oiro e amores
Nasci, num reino d'Oiro e amores
À beira-mar.
Sou neto de Navegadores,
Heróis, Lobos-d'água, Senhores
Da índia, d'Aquém e d'Além-mar!
E o Vento mia! e o Vento mia!
Que irá no Mar!
Que noite! ó minha Irmã Maria
Acende um círio à Virgem Pia,
Pelos que andam no alto Mar...
Ao Mundo vim, em terça-feira
Que noite! ó minha Irmã Maria
Acende um círio à Virgem Pia,
Pelos que andam no alto Mar...
Ao Mundo vim, em terça-feira
Um sino ouvia-se
dobrar!
Vim a subir pela ladeira
E, numa certa terça-feira,
Estive já pra me matar...
Ides gelar, água das fontes
Vim a subir pela ladeira
E, numa certa terça-feira,
Estive já pra me matar...
Ides gelar, água das fontes
Ides gelar!
Águas do rio! Águas dos montes!
Cantigas d'água pelos montes,
Que sois como amas a cantar...
Passam na rua os estudantes
Águas do rio! Águas dos montes!
Cantigas d'água pelos montes,
Que sois como amas a cantar...
Passam na rua os estudantes
A vadrulhar...
Assim como eles era eu dantes!
Meus camaradas! estudantes!
Deixai o Poeta trabalhar.
O Job, coberto de gangrenas,
Assim como eles era eu dantes!
Meus camaradas! estudantes!
Deixai o Poeta trabalhar.
O Job, coberto de gangrenas,
Meu avatar!
Conservo as mesmas tuas penas,
Mais tuas chagas e gangrenas,
Que não me farto de coçar!
E a neve cai, como farinha,
Conservo as mesmas tuas penas,
Mais tuas chagas e gangrenas,
Que não me farto de coçar!
E a neve cai, como farinha,
Lá desse moinho a
moer, no Ar;
Ó bom Moleiro, cautelinha!
Não desperdices a farinha
Que tanto custa a germinar...
Andais, à neve, sem sapatos,
Ó bom Moleiro, cautelinha!
Não desperdices a farinha
Que tanto custa a germinar...
Andais, à neve, sem sapatos,
Vós que não tendes
que calçar!
Corpos ao léu, vesti meus fatos!
Pés nus! levai esses sapatos...
Basta-me um par.
Quando eu morrer, hirto de mágoa,
Corpos ao léu, vesti meus fatos!
Pés nus! levai esses sapatos...
Basta-me um par.
Quando eu morrer, hirto de mágoa,
Deitem-me ao Mar!
Irei indo de frágua em frágua,
Até que, enfim, desfeito em água,
Hei de fazer parte do Mar!
No Pantéon, trágico, o sino
Irei indo de frágua em frágua,
Até que, enfim, desfeito em água,
Hei de fazer parte do Mar!
No Pantéon, trágico, o sino
Dá meia-noite,
devagar:
É o Vítor, outra vez menino,
A compor um alexandrino,
Pelos seus dedos a contar!
Que olhos tristes tem meu vizinho!
É o Vítor, outra vez menino,
A compor um alexandrino,
Pelos seus dedos a contar!
Que olhos tristes tem meu vizinho!
Vê-me a comer e
põe-se a ougar:
Sobe ao meu quarto, bom velhinho!
Que eu dou-te um copo deste vinho
E metade do meu jantar.
Bairro Latino! dorme um pouco,
Sobe ao meu quarto, bom velhinho!
Que eu dou-te um copo deste vinho
E metade do meu jantar.
Bairro Latino! dorme um pouco,
Faze, meu Deus, por
sossegar!
Cala-te, Georges! estás já rouco!
Deixa-me em paz! Cala-te, louco.
Ó boulevard!
Boas almas, vinde ao meu seio!
Cala-te, Georges! estás já rouco!
Deixa-me em paz! Cala-te, louco.
Ó boulevard!
Boas almas, vinde ao meu seio!
Espíritos errantes
no Ar!
Sou médium: evoco-os, noite em meio!
Vós não acreditais, eu sei-o...
Deixá-lo não acreditar.
Se eu vos pudesse dar a vista,
Sou médium: evoco-os, noite em meio!
Vós não acreditais, eu sei-o...
Deixá-lo não acreditar.
Se eu vos pudesse dar a vista,
Ceguinhos que ides
a tactear...
Quando essa sorte me contrista!
Mas ah! mais vale não ter vista
Que um mundo destes ter de olhar...
A Morte, agora, é a minha Ama
Quando essa sorte me contrista!
Mas ah! mais vale não ter vista
Que um mundo destes ter de olhar...
A Morte, agora, é a minha Ama
Que bem que sabe
acalentar!
À noite, quando estou na cama:
"Nana, nana, que a tua Ama
Vem já, não tarda! foi cavar..."
Camões! Ó Poeta do Mar-bravo!
À noite, quando estou na cama:
"Nana, nana, que a tua Ama
Vem já, não tarda! foi cavar..."
Camões! Ó Poeta do Mar-bravo!
Vem-me ajudar...
Tenho o nome do teu escravo:
Em nome dele e do Mar-bravo
Vem-me ajudar!
E o Vento geme! e o Vento geme!
Tenho o nome do teu escravo:
Em nome dele e do Mar-bravo
Vem-me ajudar!
E o Vento geme! e o Vento geme!
Que irá no Mar!
Lobos-d'água, que ides ao leme
Tende cuidado! A lancha treme.
Orçar! orçar!
Meu velho Cão, meu grande amigo,
Lobos-d'água, que ides ao leme
Tende cuidado! A lancha treme.
Orçar! orçar!
Meu velho Cão, meu grande amigo,
Por que me estás
assim a olhar!
Quando eu choro, choras comigo
Meu velho Cão! és meu amigo...
Tu nunca me hás-de abandonar.
Frades do Monte de Crestelo!
Quando eu choro, choras comigo
Meu velho Cão! és meu amigo...
Tu nunca me hás-de abandonar.
Frades do Monte de Crestelo!
Abri-me as portas!
quero entrar...
Cortai-me as barbas e o cabelo,
Vesti-me esse hábito singelo...
Deixai-me entrar!
Moço Lusíada! criança!
Cortai-me as barbas e o cabelo,
Vesti-me esse hábito singelo...
Deixai-me entrar!
Moço Lusíada! criança!
Por que estás
triste, a meditar?
Vês teu país sem esperança
Que todo alui, à semelhança
Dos castelos que ergueste no Ar?
Vês teu país sem esperança
Que todo alui, à semelhança
Dos castelos que ergueste no Ar?
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terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
Aspectos do ex-voto pictórico português
CARLOS NOGUEIRA
CENTRO DE TRADIÇÕES POPULARES PORTUGUESAS
“PROF. MANUEL VIEGAS GUERREIRO” / UNIVERSIDADE DE LISBOA
Resumo
O ex-voto, como objecto, que, colocado em ermidas, igrejas, capelas, etc., se oferece a Deus, à Virgem Maria ou a um santo, em cumprimento de um voto (do latim ex voto, “segundo promessa”), tem, em Portugal, uma das expressões mais quantiosas e ricas nas tábuas, painéis, quadros ou retábulos votivos, a que se atribui ainda a designação de “milagres” (por empréstimo sinedóquico da fórmula de abertura de grande parte destes artefactos, a qual, de resto, de todas aquela que certamente não é apenas do uso de especialistas, reenvia imediatamente para a práxis religiosa que se celebra e para o conteúdo diegético humano-religioso que ali se concentra). As narrativas pictóricas neles plasmadas, alusivas, na sua maioria, a moribundos e a naufrágios, a par das inscrições que os acompanham e prolongam, consubstanciam uma fenomenologia do corpo e da alma que importa conhecer, para o que é necessário convocar conhecimentos interdisciplinares (da semiologia, da estética, da literatura, da linguística, da etnologia, da sociologia, da religião...).
DAQUI
Oração ao deitar - Serra da Estrela
«Com Deus me deito
Com Deus me levanto
Com a graça de Deus e do Divino Espírito Santo.
Com três anjos aos pés
e quatro à cabeceira,
e Nossa Senhora na dianteira.
Se eu dormir embalai-me
Se eu morrer, acompanhai-me»
in: Pinharanda Gomes, "Piedade Eclesial, Piedade Popular", Separata de LAIKOS, Lisboa, 1980
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