São Brás é um santo pobre. Tão pobre que os pescadores do carapau o consideram seu camarada e o único capaz de os ouvir, embora lá no alto, no monte de São Bartolomeu, que é um mamilo despropositado e quase esquecido no meio do pinhal, quando as outras montanhas figuram para longe. Mas o Santo se não os ouve, vê-os com certeza a arrastarem-se na praia, a medirem-se com o mar nas entradas e saídas, a deitarem-se na areia, abatidos, quase sem ganas de erguer um braço, tão agreste lhes vai a vida nestes tempos ruins. E apieda-se deles, dando-lhes resignação, que é a única coisa que um santo pode oferecer do céu.
[...]
Depois do almoço começam os grupos a derramar-se pela estrada além, apinocados os homens nas camisas coloridas de escocês e as raparigas nos aventais de seda bordados com flores, nas saias rodadas e bem curtas, nos cachinés de ramagens e nas blusas de padrões caprichosos, muitas delas com capas pretas pelos ombros, não porque o tempo esteja incerto, mas por lhes ficarem bem. Como manda a tradição, aparecem os primeiros mascarados a assinalar o começo do Carnaval, pois é preciso folgar quem passa vida tormentosa naquele mar de cruzes, que não perdoa a são nem a doente.
Depois do almoço começam os grupos a derramar-se pela estrada além, apinocados os homens nas camisas coloridas de escocês e as raparigas nos aventais de seda bordados com flores, nas saias rodadas e bem curtas, nos cachinés de ramagens e nas blusas de padrões caprichosos, muitas delas com capas pretas pelos ombros, não porque o tempo esteja incerto, mas por lhes ficarem bem. Como manda a tradição, aparecem os primeiros mascarados a assinalar o começo do Carnaval, pois é preciso folgar quem passa vida tormentosa naquele mar de cruzes, que não perdoa a são nem a doente.
Mascaram-se as costureiras de mulheres da Praia, vestem-se estas com fatos de homens, e os homens de matrafonas, seios grossos de trapos, ancas largas com almofadas, em caricaturas de senhoras que já se não usam, de chapéus floridos e peles ratadas a cingirem-lhes os ombros.
Enfiam todos pelo pinhal, onde se fazem fogueiras pequenas para assar a chouriça do costume, bem regada com vinho que os homens levam nos garrafões pequenos e nas cabaças, pinga dum lado, pinga do outro, e a meio da tarde já tudo dança. Dançam em grandes rodas ao som de pequenas charangas, em rodopios de estarrecer, cá em baixo e no planalto do meio da encosta, onde vendilhões oferecem fiadas de pêros secos, bolos de açúcar e canela, pinhões enfiados ou em medidas. É aqui que os mascarados bailam, num primeiro arremedo de grupos carnavalescos. Rapam de pandeiretas e rodopiam, põem as fiadas de pêros à volta do pescoço, e petiscam e cantam, e petiscam e bailam, enquanto os mais devotos lá amarinham por aquele caminho de cabras, num escadório de madeira apoiada nas rochas velhas e com a ajuda de um corrimão de ferro já velho também.
Alves Redol, 'O Lago das Viúvas', romance inédito, 'A Nazaré na Obra de Alves Redol', SEC/Museu Etnográfico e Arqueológico Dr. Joaquim Manso, 1980
[ aportou aqui via Luis Manuel Gaspar, obrigada ]