quarta-feira, 10 de maio de 2017

Chafariz da Fonte Santa




Eduardo Portugal, Chafariz da Fonte Santa, 1939
fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico
O Chafariz da Fonte Santa, com data de construção e arquitecto desconhecidos, localiza-se na rua Possidónio da Silva, entre os bairros da Estrela e de Alcântara, sendo o único chafariz, em Lisboa, com a designação de Fonte Santa. O seu nome deve-se à fama das virtudes medicinais da sua água. Segundo reza a crença popular apareceu há cinco séculos, no cimo da encosta do Vale de Alcântara para os Prazeres, perto de uma mina de água, a imagem de uma Santa.  Foi baptizada pelos populares Fonte Santa, porque os devotos da Santa, esperando a cura milagrosa, ali iam para lavar as feridas, os olhos, e beber água. No final do séc. XVI, o chafariz da Fonte Santa com as duas bicas e dois tanques, integrava a Quinta dos Prazeres, que  foi enfermaria de pestíferos depois da epidemia de 1598. 
A água da mina era sulfatada cálcica, mas, a partir do século XIX, a sua proximidade do cemitério e o seu teor nitratado vedou-a ao consumo público, passando o chafariz a ser alimentado por outra conduta. No local da ermida foi construída a taberna do João da Ermida. O chafariz tornou-se, então, num espaço de encontro dos operários e dos marujos, que aí descansavam depois de se saciarem na dita taberna.
Actualmente, possui apenas um tanque de recepção de águas com a respectiva bica, que surge encimada por um baixo relevo em calcário com as armas da cidade. Da fachada simples, destaca-se o remate invulgar "em quilha", à semelhança de um frontão de igreja setecentista em forma de arco abatido, coroado por uma cruz, cuja peanha evidencia o ano de 1735, data provável da reconstrução que lhe deu o aspecto actual. Do lado direito da fonte existem umas escadas de acesso.
Com base na informação recolhida AQUI e AQUI
Imagens do Arquivo Municipal de Lisboa | Fotográfico


Eduardo Portugal, Chafariz da Fonte Santa, caravela 1951
fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico



Eduardo Portugal, Chafariz da Fonte Santa, 1939
fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico

terça-feira, 9 de maio de 2017

O “Vapor”, casas aéreas de madeira







“Entre a Ponte Nova e a do Torreão, sobre a Ribeira de Santa Luzia ficava o “vapor”, essa habitação única que era um bairro em miniatura, uma república de lavadeiras presidida por uma velha vesga que sabia a vida de toda a gente, tanta roupa tinha já lavado.
Não que ela tivesse encargos sobre aquela irmandade, mas como uma abelha-mestra, tinham-lhe um certo respeito as outras vespas que na sua presença se abstinham um pouco de pregar brutal ferroada no crédito alheio. Mas, estava-lhes na massa do sangue a divisa da classe: ensaboar a roupa suja.
Quem mandou fazer aquela edificação esguia de tabuado, escorado de margem a margem da ribeira, nunca se nos deu de o saber, mas talvez começasse por servir de ponte, antes de ser armada a colmeia com o seu corredor muito estreito ao centro, tendo dos lados as pequenas células independentes com vista para montante e para a foz.
A cor vermelha com que foi pintado dava-lhe um aspecto de casco de navio e, ou fosse por esta razão ou pelo seu formato esguio, o certo é que todos conheciam a habitação tão singular pelo nome de “vapor”.
Que enormidade de coisas se arrumavam ali a dentro: uma cama velha, um baú ou caixa de pinho, uma cadeira sem costas ou de uma perna a menos, um Santo Antoninho de barro, ervas bentas pelas paredes, estampas encardidas, guitas cruzadas para dependurar roupa, um fogareiro de pedra, um tacho de folha, um cesto barreleiro, uma vassoura de palma, uma celha com água de anil, e mais.
A lavadeira é uma mulher fecunda. Tinham ali uma média de cinco filhos. Os mais pequenos em fralda, muito sujos, sempre a choramingar, os maiorinhos, já de calças, mas rotas, com um cordel traçado a servir de suspensórios, não desmereciam no fraseado das suas progenitoras.
Por baixo do “vapor” havia no verão uma represa feita na ribeira com os calhaus do leito cimentados a barro, leivas e ervas raizentes dos charcos, onde se empoçava a água, que solta da comporta todas as semanas, varria para juzante as imundices acumuladas no leito.
Era este açude o gáudio do rapazio. Naquela água turva do sabão, escoada das lavagens, cheia de bolhas, grossas que rebentavam só de encontro às margens, medravam eirós verde-negros, sacudindo o rabo como serpentes de água.
Faziam pesca deles, os rapazes, com um alfinete torto em forma de anzol, levando como isca uma minhoca que se debatia no suplício, atravessada de meio a meio.
Às vezes havia regatas de celhas, sentados os garotos ao fundo delas com os pés cruzados, servindo-se das mãos bem espalmadas para remar. Se acaso abalroavam as embarcações, metendo água dentro, não havia perigo, porque eram como peixes a nadar, saindo depois dali molhados, quais pintos ao sair da casca, e o menos que os esperava era uma sova de sapato, enquanto a roupa despida enxugava ao sol.
Foi demolido o “Vapor” que ameaçava ruína, desconjuntado e tremente ao marulho das enxurradas de Inverno.
Lavada em lágrimas vem a ribeira, mais lavado de ares ficou talvez o recanto, sem as lavadeiras.
Foi-se o “vapor” como um vapor de água que se perde, e como não figura nas estatísticas do porto, recordação, a vapor assim narrada.


SARMENTO, Alberto Artur – O Vapor. Das Artes e da História da Madeira, Vol. 4, Nº 23, 1956. P.9-10
Imagem retirada de CALDEIRA, Abel Marques - O Funchal no primeiro quartel do século XX. 2ª ed. Funchal:Eco do Funchal,1995.

O artigo original encontra-se AQUI

Foi partilhado no facebook de Francisco Queiroz

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Moinhos do Tejo




António Carvalho da Silva Porto, 'O Moinho Gigante', Barreiro, 1887
DAQUI:



António Carvalho da Silva Porto, Moinho do Estêvão [Alcochete], (1885-1887)
 DAQUI:

Moinho junto ao mar



fotografia de autor desconhecido


DAQUI:






[Álvaro] Laborinho, 'Um dóri no mar', Nazaré, XX d.C.


«Retrata, no meio do alto mar, um dóri equipado com vários aprestos, entre eles, linhas e foquim. A meio do dóri, sentado no banco da embarcação, o pescador Armando Bizarro Valverde, com boné e roupa de oleado, segura em dois remos, na posição própria de remar, mas olhando para o observador. No verso da reprodução fotográfica, um carimbo, pouco legível, " Fotografia Laborinho/Nazaré/S. Martinho do Porto".»

O pescador representado na fotografia é Armando Bizarro Valverde, que viveu na Rua dos Pescadores, 22, na Nazaré. Ofereceu ao Museu, além desta fotografia, um par de botas para a pesca do bacalhau, que ele próprio utilizou (inv. 658 Etn.), duas pedras de amolar (inv. 662 e 663 Etn.), uma faca de escalar (inv. 659 Etn.), uma espicha (inv. 660 Etn.), uma bóia (inv. 661 Etn.), uma "Medalha comemorativa do esforço dos tripulantes dos navios mercantes durante a guerra de 1939-1945. Reconhecimento da Nação", de 1958 (inv. 35 Med.) e ainda outra fotografia (cf. recibos n.ºs 195 e 196).

DAQUI


 

Varela Pécurto




Varela Pécurto, 'Reflexos na Esteira', Figueira da Foz


Valério Pécurto: http://www.museuartecontemporanea.pt/pt/artistas/ver/142/artists


Partilhado por Luis Manuel Gaspar no facebook: AQUI

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Júlio Pomar - Adelino Lyon de Castro



 Adelino Lyon de Castro, um fotógrafo esquecido?

A morte por doença de Adelino Lyon de Castro logo no verão de 1953 (nascera em 1910) é seguramente uma das razões efectivas do que pode considerar-se o esquecimento deste fotógrafo. As razões políticas serão também significativas, e adiante se referem. Outra razão determinante tem a ver com o facto de ser recente (a partir dos inícios dos anos 80) a alargada atenção à fotografia e a construção mais ou menos rigorosa da sua memória histórica, como algo de exterior aos seus diversos círculos fechados de interessados ou praticantes (fotojornalistas e outros profissionais; amadores e demais salonistas; artistas plásticos que usam a fotografia). (...) Continua AQUI



Adelino Lyon de Castro, 'Os meninos e as redes', 1951 d.C.


 
Adelino Lyon de Castro, 'Contra-luz', 1950 d.C. - 1952 d.C.

Outras fotografias de A. Lyon de Castro - AQUI



fotografia de António Gomes Coelho, Lagoa de Albufeira, 2017

obrigada

quarta-feira, 3 de maio de 2017




fotografia de Luísa Oliveira, 2000

Mão feminina segurando uma concha, Quinta das Longas, 3 dC
DAQUI

Nabia - "Ara de Marecos"




"Ara de Marecos"



Achada na Capela de Nossa Senhora do Desterro, em Marecos, Penafiel, Porto.
Encontra-se no Biblioteca-Museu de Penafiel.  Ver ficha epigráfica aqui*

[...]
«Se a ocupação romana de Santarém se fez sentir entre meados do século II a.c. e o século VI, é natural que o panteão divino se tivesse mesclado de deidades pré-romanas, romanas pagãs e romanas cristãs. Assim se explicaria a semelhança entre cultos pré-cristãos, por exemplo ligados a rios e fontes, e cultos cristãos com capelas, igrejas e mosteiros construídos, na maior parte das vezes, sobre antigos templos, anteriores ao cristianismo.
Nabia ou Navia, deusa aquática adorada na Lusitânia, parece ter sido cultuada a 5 de Abril [?], segundo a inscrição numa ara de Marecos* e surge relacionada com nomes de rios e de localidades próximas de ribeiras e nascentes. São exemplos os rios Nábios, Neiva e mesmo Nabia(13), ou a vila de Nava, na Galiza; Nabais e Nabainhos, na Serra da Estrela; Naves, povoação próxima de Envendos, região de nascentes e barragens; ou o rio Nabão, que deu origem a Nabância, a 2 km do que é hoje Tomar. Em Braga, a milenar Fonte do Ídolo, que secou há bem pouco tempo, tem uma pedra com a inscrição “Tongoe Nabiago” que algumas versões apontam como um juramento a Nabia.»

(13) J. M. Blázquez 1983 294: “El rio Nabia gozó de gran culto, a juzgar por el número de dedicatorias. Nabia es palabra que indica corriente de agua y que aparece con diferentes denominaciones”. 

Lina Maria Soares, "Da Scallabis romana a Sanctaren medieval: espaço, gentes e lendas",
AQUI:  CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ESTUDOS CLÁSSICO, 7, Évora 2008 - Espaços e paisagens: antiguidade clássica e heranças contemporâneas: Vol.3 História, Arqueologia e Arte. Coimbra


******

[...]
«A inscrição de Marecos (Penafiel, Porto), que alude a um sacrifício consagrado a Nabia Corona, “ninfa” (ou divindade protectora) dos Danigi, e a outras divindades, recorda uma cerimónia realizada em 9 de Abril. Ora, não ficando esta data distante da que hoje consideramos a do equinócio da Primavera, poderemos tomar a inscrição de Marecos como argumento a favor da função que atribuímos a Nabia?
Na ara de Marecos, P. Le Roux e A. Tranoy (1974) leram primeiro: O(ptimae) V(irgini) Co(nservatrici), vel Co(rnigera), et Nim(phae) Danigom Nabiae Coronae. Depois, P. Le Roux (1994: 561) sugeriu O(mnia) v(ota) co(nsagro) et nim(bifero) Danigo m(acto) Nabiae Coronae, traduzindo: “Consagro-vos todas estas oferendas e, por Danigo, que dispensa a chuva, sacrifico a Nabia Corona”.
A primeira restituição, “À excelente virgem conservadora (ou cornuda) e ninfa dos Danigos”, parece-nos preferível.
A inscrição começaria pela invocação da divindade, com seus epítetos. Segue-se a indicação dos animais oferecidos: à própria deusa javascript:void(0); Nabia (agora nomeada sem epítetos), a Júpiter, a uma outra divindade [...]urgo e a Ida (ou Lida). Estando atestado o epíteto Idunica ou Idennica com o sentido de “a que gera ou dá à luz” (OLMSTED, 1994: 157), esta divindade a que se oferece um cordeiro seria, talvez, deusa que se invocaria para favorecer o parto dos animais. Na inscrição, os animais oferecidos parecem preceder os teónimos.
Perséfone é por vezes, na Grécia, designada apenas como Korê, “virgem” ou “rapariga”. Não surpreende, pois, que Nabia leve este nome de “virgem” na ara de Marecos.»

Jorge de Alarcão, "A religião de lusitanos e calaicos"
DAQUI: Conimbriga XLVIII (2009) p. 81-121


*****

Para outra interpretação da Ara de Marecos (Nabia: divindade de culto agrário)
Artigo sem autor. Ver aqui: http://revistas.ucm.es/index.php/HIEP/article/viewFile/HIEP9696110381A/30467
Revista - Hispania Epigraphica, volume 6 (2000)

sábado, 29 de abril de 2017

Pedro Gomes Monteiro




Pedro Gomes Monteiro,
Cais velho de Darque, na margem esquerda do rio Limas, frente a Viana do Castelo, 2017






Benjamim Pereira - Ernesto Veiga de Oliveira





fotografia de Benjamim Pereira,
'Retrato de grupo / Ernesto Veiga de Oliveira na travessia de barco entre as ilhas de S. Jorge e Pico', Açores,
1963 dC
Ernesto Veiga de Oliveira (1910-1990):
- nota biográfica: http://alfarrabio.di.uminho.pt/arqevo/textospa/html/evo/evobiobi.htm
- arquivo sonoro: http://alfarrabio.di.uminho.pt/arqevo/index.html



Benjamim Pereira,





Benjamim Pereira,
'Barco transformado em habitação de pescadores avieiros', Póvoa de Stª Iria, Vila Franca de Xira



Fernando Galhano e Benjamim Pereira, 'Barraca de estorno', Fonte da Telha, Lisboa

Entrevista a Benjamim Pereira:
AQUI - Paulo Ferreira da Costa, Cláudia Jorge Freire e Benjamim Pereira, « Entrevista a Benjamim Pereira: “Uma aventura prodigiosa” », Etnográfica [Online], vol. 14 (1) | 2010, Online desde 21 Maio 2012

 Fotografias daqui: MatrizPix



Carlos Relvas - Ribeira, Porto




Carlos Relvas, [Ribeira, Porto], c. 1865

terça-feira, 25 de abril de 2017




Bourdain de Macedo, [retrato de grupo junto ao rio]
fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico


NABIA - INSCRIÇÃO RUPESTRE DA LAJE DO ADUFE



«Inscrição rupestre, datada do século II, localizada na cumeada da Lomba da Pedra Aguda, divisória entre os concelhos da Covilhã e do Fundão, abrigada num suave talvegue adjacente ao povoado amuralhado da Quinta da Samaria Gravou-se num afloramento granítico arredondado, provavelmente seccionado para o efeito, aproveitando-se a face quase plana obtida pelo corte, na qual tem uma posição central.




O texto encontra-se rodeado por um profundo e largo sulco, definindo um quadrado de cantos arredondados, dividido por rasgo central que cesura o texto, criando o esquematismo de um livro, e encimado por uma alusão a um frontão rebaixado e mais estreito que a cartela. Julgamos resultar de regravação (e reavivamento) a rudeza do sulco que envolve o texto, possivelmente ensaiada aquando da execução da cissura que o rasgou de alto a baixo, pelo que é provável que originalmente o texto já se encontrasse no interior de uma cartela incisa quadrilateral, talvez subjacente à representação do frontão, esta em jeito de fastigium de altar, pois se por um lado o sulco regravado parece excluí-lo, por outro também aparece claro que este elemento não se adapta ao resultado esperado de esquissar um livro, deduzindo-se, assim, a sua anterioridade. A superfície do espaço epigráfico encontra-se bastante delida e totalmente coberta por líquenes, condições que, aliadas aos danos provocados pela cissura supracitada e por uma depressão aberta no seu canto inferior direito, dificultam grandemente a leitura da inscrição.

Dimensões: 250 x 330 x ?
Campo epigráfico: 62 x 62 [frontão (b x l): 29 x 20]. 



MAT[A]VS MO
GV[L]IN[I L]IBERT
VS++++NESIS (sic)
ARA(m) DE[AE] NABI
AE MV[.]TINA[C]
AE M(erito) L(ibens) F[E]CIT

  - Mantau, liberto de Mogulino, ...ense, fez de boa vontade um altar à deusa Nábia Mu[.]tinaca


O dedicante é liberto de um peregrino, identificando-se ambos com onomástica indígena [da Lusitânia].
A divindade invocada não é desconhecida na região, embora o seja o seu epíteto, apresentando-se o teónimo precedido do qualificativo Dea. A geografia do culto a Nabia inclui os territórios galaico e lusitano, estando, no que a este último respeita, bem afirmado na actual província de Cáceres, com extensão à Beira Baixa, constatação que igualmente poderia reforçar a possibilidade aventada para a indicação de proveniência do dedicante. A interpretação de Nabia como divindade ligada aos vales tem ganhado consistência em função dos argumentos da análise etimológica ao teónimo.»

DAQUI: http://www.uc.pt/fluc/iarq/pdfs/Pdfs_FE/FE_80_2005 
[Armando Redentor, Marcos Daniel Osório, Pedro C. Carvalho, Inscriçao rupestre da laje do adufe (Ferro, Covilha): (Conventus Emeritensis), Ficheiro epigrafico, ISSN 0870-2004, Nº. 80, 2005, págs. 3-8


Laje do Adufe

Imagem publicada aqui:
http://arqueofundao.blogspot.pt/2013/04/castro-de-vale-feitoso-peroviseu.html 
[Publicado por ]


Do autor: José-Vidgal Madruga
Ficha epigráfica:
 - http://eda-bea.es/pub/record_card_1.php?rec=25642
Artigo:
José-Vidal Madruga, "Dedicación a Nabia", 2015-03-03 Aqui: http://www.europeana.eu/portal/pt/record/2058808/UAH__89a183c0c11d6d0ca7830f9d530a3097__artifact__cho.html

Outra Bibliografia:
Redentor, A., Osório, M., Carvalho, P.C., 2006. "Inscrição rupestre da Laje do Adufe: um novo testemunho do culto à deusa Nabia", Eburobriga 4, 51–59


quinta-feira, 20 de abril de 2017

CAMILO PESSANHA



Il pleure dans mon cœur
Comme il pleut sur la ville.
Verlaine


Meus olhos apagados,
Vede a água cair.
Das beiras dos telhados,
Cair, sempre cair.

Das beiras dos telhados,
Cair, quasi morrer.
Meus olhos apagados,
E cansados de ver.

Meus olhos afogai-vos
Na vã tristeza ambiente.
Caí, e derramai-vos
Como a água morrente.


Camilo Pessanha, 'Clepsydra', ed. António Barahona,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2003

terça-feira, 18 de abril de 2017

Nazareth - Praia de banhos





Inês Dias - JOAQUIM E JUDITE




Para o Manuel,
na Nazaré


Fizera toda a viagem com ele ao colo.

Queria despedir-se junto ao mar,
mas as partidas são tão imperfeitas
demasiado enferrujada para abrir
se o coração é uma caixa de cinzas
ao vento. Mesmo agora, depois de lavada
a última partícula que se lhe colara
à pele, sabia que o amor passara a ter
o peso exacto das ondas e, por isso,
nunca mais deixaria de o ouvir.

E ria, apontando-nos mais um turista
à procura das marcas do milagre
na pedra. Como se não fosse milagre
suficiente cada volta do mar: sermos
ainda reconhecidos, sete passos
dentro da noite, quando andamos
pelo mundo a povoá-lo de fantasmas.

Amadeu Ferrari - Nazaré




Amadeu Ferrari, 'Embarcações em terra', Nazaré [entre 1950 e 1970]
Fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico



Manuel de Freitas - Forte de São Miguel




in memoriam A. F.


Ainda não enlouqueci e julgo-me até
capaz de reconhecer a beleza, quando a vejo.
Esta noite, por exemplo, era de prata,
sonora, o mar que se erguia na varanda do hotel.
Acordei-te; és agora a única testemunha
deste poema - e da minha vida.
Antes, logo de manhã, coube-nos lançar
ao mar as cinzas do meu pai.
Não foi fácil, tecnicamente falando.
A tampa de metal teimava em não abrir,
tivemos de recorrer a uma ponta de corrimão
das escadas velhas do Forte. E assim,
sem preparo nem rigor, há-de chegar ao oceano
o que sobrou, fisicamente, do meu pai.
Custou-me lavar as mãos, sujas
- pela última vez - da carne que me gerou.
A alma, se existe, não a sei lavar, embora
as lulas estufadas e o vinho branco
voltassem a tornar recomendável a Casa Pires.
Adeus, pai. Acho que foi mesmo
a única vez que me sujaste as mãos.

Manuel de Freitas




fotografia de autor desconhecido (1957)


segunda-feira, 17 de abril de 2017






Helena Nilo /  Quinta da Granja / 5.01.2017



Augusto Oliveira Mendes



No mar velhaco e atroz da Praia do Norte
a sereia chegou um dia ao areal
e dormiu -, diziam os mais velhos do Sítio

Aqui, lugar de santa e de suicídios
onde não chegam gaivotas nem sardinhas
as águas viraram-se para sapatear
toda a terra o homem

*****


AO MÁRIO BOTAS

Inalado o cheiro das flores do campo
os gatos,
a morte moribunda, afastada
Poderias estar lá, Mário, nu, obrando
Perto um riacho ferido de espinhos, de mato
Os doces cobertos de seios e pimenta
seriam o repasto no feriado da lota
o desleixo perdido dos homens do mar



As gaivotas teriam partido rio acima
levando os pêlos quebrados da tua face

a noite embriagada
Augusto Oliveira Mendes
publicações o camelo e o cachimbo, Tramagal, 1990



quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Teresa Cavalheiro - folha






'folha' - fotografia de Teresa Cavalheiro




ANTÓNIO NOBRE


Poveirinhos! meus velhos Pescadores!
Na Água quisera com Vocês morar:
Trazer o grande gorro de três cores,
Mestre da lancha  Deixem-nos passar!

Far-me-ia outro, que os vossos interiores
De há tantos tempos, devem já estar
Calafetados pelo breu das Dores,
Como esses pongos em que andais no Mar!

Ó meu Pai, não ser eu dos poveirinhos!
Não seres tu, para eu o ser, poveiro,
Mail-Irmão do «Senhor de Matosinhos»!

No alto mar, às trovoadas, entre gritos,
Prometermos, si o barco fôri intieiro,
Nossa bela à Sinhora dos Aflitos!

António Nobre, Só, Livraria Tavares Martins, 1950

 

sábado, 26 de novembro de 2016

GÉNESIS





ilustração de Daniela Gomes


GÉNESIS
Almeida Faria, Helder Moura Pereira, Manuel de Freitas, Rui Miguel Ribeiro, Luis Manuel Gaspar, Inês Dias, Rui Pires Cabral, «Génesis», ilustração de Daniela Gomes, in 'Suroeste — Revista de literaturas ibéricas', n.º 4, Badajoz, 2014

ALMEIDA FARIA
PRIMEIRO DIA

Há trevas à tua volta
trevas só
sobre esta terra
desolada e convulsiva
sem sentido nem fim

As trevas pesam
o dia demora a vir
a terra espera há milénios
o 'homo erectus'
o 'homo heidelbergensis'
o 'homo sapiens'
o homem que deixe
na pedra em rolos de papiro
em tabuinhas em pergaminho
sinais e signos nomeando o mundo
os deuses invisíveis
as sombras
de sombras
do primeiro dia

Abismo e Caos copularam
misturando suas águas
na solidão da escuridão

Outras línguas contariam
outro primeiro dia
no Livro Primeiro
dos cinco quintos:

'Génese'
'Êxodo'
'Levítico'
'Números'
'Deuteronómio'

Torrentes de homens e mulheres
dilúvios devoradores
desde Gilgamesh até Noé

Palavras para a vertigem de um dia
sem sentido nem fim
dia desolado e convulsivo
sobre esta terra de trevas só
à tua volta

***

HELDER MOURA PEREIRA

NÃO VOS LEMBREIS DE MIM NEM DA MINHA DOR

Nem sequer é corpo, não é corpo
que tenha nome, é linha, figura,
mera silhueta, está num quadro
onde tudo é só água, figura lavada
em lágrimas, paisagem de mar vasto
ou rio à beira, ponte, passagem.
A figura é um traço projectado
num horizonte onde ainda não há
estrelas, chegou-se à beira do mar
depois de muito ter pensado
no seu futuro e no passado
de todos nós. Vai anoitecendo,
já quase não contrasta a linha
da silhueta com as margens
das formas e das cores, tem a boca
colada, presa, agrafada, não há
palavras, há o silêncio, sim, e água
a toda a volta, os olhos ainda vêem,
mas pouco, já não é preciso falar
e já quase não é preciso olhar.
A mão que há pouco começara
a ensinar a outra mão a escrever
desiste, também já não vale a pena
escrever. A figura é de um homem
entre tantos, chegou à beira da água
lavado em lágrimas como se estivesse
dentro de um drama, mas não era
bem um drama, a não ser que seja
drama sentir a confusão clara. E agora?
O que se segue agora? Um estrondo
de espuma numa rocha, e outro
estrondo, mais um estrondo, ritmo
do princípio de uma construção,
crescendo, força, decisão. E assim,
com a bomba do absurdo numa
das mãos e a bomba da inocência
na outra, põe-se a pensar. Convém
separar as águas. Ir para casa separar
as águas. Estar à altura de tanta
água sem sal em cima, de tanta água
com sal em baixo. Matéria única,
fio de lágrimas (não, os animais
não podem chorar) e só então se vê
a regressar por um carril, pelo fio
de um caminho, uma silhueta
antiga levantando a cabeça quando
sente que lhe chove na cabeça.
É uma silhueta que gosta de sentir
chuva na cabeça. Avança devagar.
Vai para casa. Tanta água e sempre
tanta sede, tanta sede. Vê-se agora
muito bem que tem uns óculos escuros
de funeral. A silhueta murmura
não vos lembreis
não vos lembreis de mim
não vos lembreis de mim
nem da minha dor.

***

MANUEL DE FREITAS

POEM OF THE RIVER

para a Inês Dias

Tinha, desde criança, a fantasia de ir a pé até às margens do Tejo, partindo do Vale de Santarém. Sabia que o rio estava próximo — ou era, pelo menos, alcançável — desde que se seguisse o «Caminho de Fátima», nome que sempre me causou alguma estranheza. Só hoje, com quarenta anos, ousei fazer esse percurso.

*

Vira-se à esquerda, logo a seguir à 'Légua', e são muitos os lamaçais e os campos de papoilas que nos convidam a parar. Mas não quisemos desistir. Já desesperávamos de haver Tejo quando, após um sereno concílio de cavalos, surgiu uma estrada de alcatrão que nos levou às Caneiras. Nem sabia que ficava ali, a «apenas» seis quilómetros, aquela aldeia piscatória.

*

Retemperámos forças na 'Taverna do Ramiro' — não com sável, enguias ou fataça, mas com uma opulenta grelhada mista. Só depois percorremos as vielas estreitas, onde casas de madeira assentam em palafitas, e cães e gatos parecem ter encontrado o paraíso. Trata-se, como seria de esperar, de um paraíso triste: as madeiras coloridas acusam o desgaste do tempo, a pobreza audível destas casas onde ainda mora gente. Porta a porta, um embarcadouro mínimo confirma que o rio continua a ser uma débil fonte de rendimento ou de aventuroso recreio.

*

O mais estranho, porém, foi ter reencontrado nas Caneiras, onde nunca estivera, a «reconstituição» exacta de uma aldeia ribeirinha que surge em muitos dos meus sonhos. E que hoje, ao teu lado, se revelou mais bela do que alguma vez sonhara, na sua altiva imperfeição, na música calada dos barcos — tão pequenos e vazios como um poema que chega, finalmente, ao rio.

***

RUI MIGUEL RIBEIRO

O QUARTO DIA

Se queres saber como era
pensa no escuro no interior de um fruto.
Em sucessão, da sua força reclusa,
conhecem-se duas curvaturas, divididas
por duas rotações nas linhas sem altura
dos seus pés à firmeza das sábias geometrias.

Uma exterior, de brancura cega, o nulo manto,
onde o vidro não se distingue da pedra
na esfera maior que agora inicia.
Uma interior, onde as sombras não têm forma,
e nas trevas que repartem o prodígio, o mundo,
a envelhecer inciso, interroga.

Se queres saber como será
pensa que das formas em que o mesmo fruto muda
uma vez caído, ou por mão colhido,
delas mantém, insuprível, a película de luz
que todas as coisas veste.

***

LUIS MANUEL GASPAR

V

A manhã rebate as asas na ombreira;
janelas de pau, penumbra e parapeito
onde o navio desatado estancou,
um fio de oiro captado pelos mastros

Aderem os dedos ao pêndulo perdido,
ao lençol semicerrado no aquário.
Pela escada move os peixes o senhor
das clarabóias. À névoa, de olhos tristes,

veio dizer-me de véspera que morri.
Ganhando altura, quando os ferros se encontram
a meio do rio, o sexo inflado nas mãos

de anjos inda pouco destros, mal saídos
das locas. E foi a ânfora desfeita,
a tarde e a manhã como um tiro na têmpora

***

INÊS DIAS

ODISSEIA DE BAIRRO

'If we return.
If we return.'

Genesis P. Orridge

Esperou. No verso da página.
Até o casal quebrar o beijo
que quase interrompera a rua do mundo;
até a noite sufocar,
uma a uma, as ilhas de luz,
depois as vozes.

Só então regressou
à cidade sem sombra
(na barriga de madeira crua
do segredo), sublinhando o caminho
com migalhas de tinta maiúscula
sobre as paredes cegas.

Um pequeno e doméstico auto-de-fé
que evitasse à história re-
cair em esquecimento:
«JÁ DISSE PARA
NÃO TE METERES
COM O MEU MARIDO!»

***

RUI PIRES CABRAL

SÉTIMO DIA

Domingo, os lódãos
ficam mais sérios
no retrato

do jardim. Descansam
as criaturas, descansa quem
as criou, algures longe

da vista, longe do coração.
Descansa o cão extraviado
à sombra do contentor

e o ministro das finanças —
sempre, sempre tão
cansado — no seu reduto

murcho. Domingo, linha branca
que atravessa um olival:
'já deste o ramo

ao padrinho?' Vagares
de um mundo pequeno
ao domingo, no palheiro,

em histórias de papel velho
cor de açúcar mascavado —
'eu bem não queria

morrer.' Domingo nos montes
em volta, domingo na ilha
de Kirrin,

domingo em toda a parte,
de nenhures, de Deus
nenhum.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016





Ilustração de George Landmann, 1818



Ilustração de George Landmann, 1818






obrigada, Armando Monteiro




fotografia de Armando Monteiro

 
obrigada, Armando Monteiro

terça-feira, 15 de novembro de 2016

quarta-feira, 21 de setembro de 2016