sábado, 7 de maio de 2016

AFONSO LOPES VIEIRA - À SENHORA MARIA LARANJO DA PRAIA DA NAZARÉ


Minha boa Amiga senhora Maria
Laranjo, da praia da Nazaré,
em quem tanto admiro essa fidalguia
de um povo que na Europa o mais fino é,
muito agradecido pelo almoço Real
que aí me deu junto às ondas do mar;
tivera Camões comido um igual,
fazia-lhe versos, mas não a zombar.

Minha boa Amiga, senhora Maria
Laranjo, da praia da Nazaré,
por minha mulher a receberia
(se a minha Amiga quisesse, já se vê)
se acaso a conheço quando era solteiro,
para ser agora, — ventura tamanha —
em vez de pobre doutor, marinheiro,
mendigo do mar, arrais de companha.

Estando da banda dos pobres do mar
já eu não teria, como tenho às vezes,
remorsos tamanhos e tão graves fezes
de ver tantas dores em roda a penar;
assim penaria e acreditaria
como eles, por lindo milagre da fé,
que depois no mar do Paraíso seria
o pescador mais feliz da Nazaré!...

Mas já que eu errei, por destino fatal,
o que era a minha pura, certa vocação,
saiba que em si louvo e admiro Portugal
no que tem de belo — alma e coração.
E saibam as altas senhoras princesas
que há uma fidalga aí na Nazaré
com quem elas podem aprender finezas
e a dar um almoço que tão fino é.

Afonso Lopes Vieira, 'Onde a terra se acaba e o mar começa', Lisboa, Livraria Bertrand, 1940; 2.ª ed., edição de António Manuel Couto Viana, Lisboa, Vega, 1998.
O poema é dedicado à avó materna do pintor Mário Botas.

Salgueiro - Xurês



Igrexa - fotografia de Filipa Pedroso

obrigada, Filipa Pedroso!
aqui

segunda-feira, 2 de maio de 2016

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Carlos Relvas - CASTELO DE ALMOUROL







Sophia de Mello Breyner Andersen - NAVIO NAUFRAGADO



Vinham dum mundo
Sonoro, nítido e denso.
E agora o mar o guarda no seu fundo
Silencioso e suspenso.

É um esqueleto branco o capitão,
Branco como as areias,
Tem duas conchas na mão
Tem algas em vez de veias
E uma medusa em vez de coração.

E em seu redor as grutas de mil cores
Tomam formas incertas quase ausentes
E a cor das águas toma a cor das flores
E os animais são mudos, transparentes.

E os corpos espalhados nas areias
Tremem à passagem das sereias,
As sereias leves de cabelos roxos
Que têm olhos vagos e ausentes
E verdes como os olhos dos videntes.

domingo, 27 de março de 2016

Vigília Pascal - Santa Cruz da Trapa



bênção do fogo e da água
fotografia de Daniel Soares Ferreira


bênção do fogo e da água
fotografia de Daniel Soares Ferreira



fotografias de Daniel Soares Ferreira

quinta-feira, 24 de março de 2016

MANUEL DE CASTRO - CANÇÃO

"triste como um rio, sereno como as pontes..."
fio d'água transparente
balança de luz
na noite que se alarga
serena como um rio
serena como as pontes

estátua que conduz
o cintilar do negro
na noite que se alarga
serena como um rio
serena como as pontes

o gato que se enrola
a limitar o brilho
que identifica o negro
que a noite percorre
sereno como um rio
sereno como as pontes

palácio que esqueci
teu corpo já estrangeiro
no nome tão distante
felino ainda na noite

triste como um rio
sereno como as pontes

Manuel de Castro, A Estrela Rutilante, ed. do autor




Helena Nilo  |  26.09.2014


segunda-feira, 21 de março de 2016

António Nobre - Santa Iria


N'um rio virginal d'agoas claras e mansas,
Pequenino baixel, a santa vae boiando...
Pouco e pouco, dilue-se o oiro das suas tranças
E, diluido, ve-se as agoas aloirando.

Circumda-a um resplendor, a luzir esperanças,
Unge-lhe a fronte o luar, avelludado e brando,
E, com a graça etherea e meiga das crianças,
Formosa Iria vae boiando, vae boiando...

Á lua, cantam as aldeãs de Riba-Joia,
E, ao verem-na passar, phantastica barquinha,
Exclamam todas: «Olha um marmore que aboia!»

Ella entra, emfim, no Oceano... E escuta-se, ao luar,
A mãe do pescador, rezando a ladainha
Pelos que andam, Senhor! sobre as agoas do mar...

António Nobre, , 1982




Reza para afastar a trovoada


Santa Barbara pequenina
Se vestiu e calçou
Seu caminho caminhou
Jesus encontrou
E Ele perguntou
Barbara, onde vais?
Senhor, vou para o céu,
Abrandar a trovoada
Que sobre nós anda armada
Manda para o monte do rosmaninho,
Onde não haja pão e vinho
Nem ramo, nem maneira
Nem folhinha de Oliveira.

"Ainda hoje, quando há grandes trovoadas, é hábito na Beira Alta as mulheres queimarem algumas das folhas do «ramo bento», para que o fumo «esconjure para longe os raios»"

domingo, 20 de março de 2016

Domingo de Ramos




Atados com fitas de cores e compostos por folhas de palmeira, alecrim, oliveira, loureiro, rosmaninho e mimosa, os ramos, benzidos antes da missa (ou de véspera, na missa da tarde), guardam-se depois em casa durante todo o ano.
Nas vilas e aldeias são pendurados na cozinha ou à cabeceira da cama, para «proteger a casa dos maus ares».

(...)

Em Estremoz, após o ramo de alecrim ter sido benzido, era tradição as raparigas retirarem-lhe um raminho, que colocavam nas lapelas dos casacos dos namorados, dizendo: «Verde é / Verde cheira / Ficas preso para sexta-feira» - significando que o namorado teria de oferecer-lhe amêndoas.
O rapaz fazia o mesmo com o seu próprio ramo, e dizia: «Verde é / Verde há-de cheirar / Ficas presa para me dar o folar» - o que acontecia no domingo de Páscoa.

Barros, Jorge e Soledade Martinho Costa (2002), Festas e Tradições Populares: Março e Abril. Lisboa: Círculo de Leitores. 


RAUL BRANDÃO - HÚMUS

" 21 de Março

Chegou. Vai abrir a mais bela, a mais fecunda, a mais dourada de todas as primaveras — a primavera eterna. Vai revolver a terra e cobrir os seres e as coisas de flores por camadas ininterruptas e sucessivas, com todas as cores e todos os entontecimentos, todas as infâmias e todas as tintas — com todos os desesperos. Já as florestas putrefactas se puseram a caminho. É aqui que corre e escorre o verde, o roxo e o lilás — os tons violentos e os tons apagados. Até as árvores são sonhos. Atravessaram o inverno com sonho contido, com o sonho humilde com que carregam há séculos. E até esses sonhos se transformaram em realidade. Realiza-se enfim o milagre: as árvores chegam ao céu."



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PRIMAVERA




DAQUI: daqui: http://diasquevoam.blogspot.pt/2015/03/a-prima-vera-podia-chegar-mais-depressa.html

Helena Nilo, Lisboa, 16.09.2014

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

RUY CINATTI - TARDE EM FATU-CAMA



Ondeio e conto cada salpico de onda,
que aflora nos meus olhos e entontece
o gesto de nadar, de ver a sombra
do braço mergulhando sem tocar
o fundo raso de areia fina.

E deixo-me levar, abandonar
pelo momento de lamento breve
que aproxima navios, transfigura neblinas
e retoma, afinal, a alegria
sensível voo d’ave inesperada.

Afogar-me, então, seria fácil
lento atravessar de afagos líquidos,
preso, no entanto, a um fio de vida
latente, cativo ao lume d’água.

Ruy Cinatti, 'Uma Sequência Timorense', Braga, Editora Pax, 1970



quarta-feira, 22 de julho de 2015

Fernado Pessoa


Meu pensamento é um rio subterrâneo.
Para que terras vai e donde vem?
Não sei... Na noite em que o meu ser o tem
Emerge dele um ruído subitâneo

De origens no Mistério extraviadas
De eu compreendê-las..., misteriosas fontes
Habitando a distância de ermos montes
Onde os momentos são a Deus chegados...

De vez em quando luze em minha mágoa
Como um farol num mar desconhecido
Um movimento de correr, perdido
Em mim, um pálido soluço de água...

E eu relembro de tempos mais antigos
Que a minha consciência da ilusão
Águas divinas percorrendo o chão
De verdores uníssonos e amigos,

E a ideia de uma Pátria anterior
À forma consciente do meu ser
Dói‑me no que desejo, e vem bater
Como uma onda de encontro à minha dor.

Escuto‑o... Ao longe, no meu vago tacto
Da minha alma, perdido som incerto,
Como um eterno rio indescoberto,
Mais que a ideia de rio certo e abstracto...

E p'ra onde é que ele vai, que se extravia
Do meu ouvi‑lo ? A que cavernas desce?
Em que frios de Assombro é que arrefece?
De que névoas soturnas se anuvia?

Não sei... Eu perco‑o... E outra vez regressa
A luz e a cor do mundo claro e actual,
E na interior distância do meu Real
Como se a alma acabasse, o rio cessa...

5-11-1914



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sábado, 18 de julho de 2015

António Nobre - Ao Mar


(SONETO ANTIGO)

Ó meu amigo Mar, meu companheiro
De infancia! dos meus tempos de collegio,
Quando p'ra vir nadar como um poveiro
Eu gazeava á lição do mestre-regio!

Recordas-te de mim, do Anto trigueiro?
(O contrario seria um sacrilegio)
Lembras-te ainda d'esse marinheiro
De boina e de cachimbo? Ó mar protege-o!

Que tua mão oceanica me ajude,
Leva-me sempre pelo bom caminho,
Não me faltes nas horas de afflicção.

Dá-me talento e paz, dá-me saude,
Que um dia eu possa emfim, poeta velhinho!
Trazer meus netos a beijar-te a mão...





Via Filipe da Palma

Jorge de Sena - Post-Scriptum II




obrigada, Daniel

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Artur Pastor


Artur Pastor, registos de Arquitectura. Da Beira a Trás os Montes, décadas de 50 e 60.


Artur Pastor, registos de Arquitectura. Da Beira a Trás os Montes, décadas de 50 e 60.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

sexta-feira, 26 de junho de 2015

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Sebastião da Gama - O Cais

Já o cais não é de pedra,...
de tanto sentir o Mar.
Já não é, a pedra, lisa:
já ganha forma de velas
pandas de vento e de orgulho;
já deixou de ser branquinha
p'ra ser azul como as águas.


Já o cordame, que sonha
noite e dia sobre o cais,
o tem o sonho mudado
em algas prenhes de iodo.
Degraus de pedra se animam
e pelas ondas se atrevem
-botes sem mestre, perdidos,
sem outro leme que o gosto
de ir pelas ondas adentro.
 

Marujos que o nunca foram,
assentadinhos no cais
desde a hora de nascer,
quem foi que disse que tinham
raízes naquelas pedras?
- Já lhes despontam nas costas,
já por ares e mares os levam,
asas leves de gaivota.

Cada traineira que passa
convida o cais a sair.
Já o cais não é de pedra.
O sal moldou-lhe uma quilha,
as ondas o encurvaram,
os limos o arrastaram
p'ra lá de todo o limite,
e o cais cedeu ao convite
de ser um barco sem mestre.

Lá vai perdido nas ondas
e não lhe importa a chegada.
Deitou a bússola ao Mar.
Fez uma estaca do leme,
que atesta o sítio em que foi.
Voltou as costas à terra
e o seu destino cumpriu-se,
que era partir e mais nada.


Sebastião da Gama, Pelo Campo Aberto, Edições Arrábida

sábado, 30 de maio de 2015

António Barahona - MISTÉRIO DO SOM




III

A linguagem dos búzios
ensina a soletrar silêncio,
a fim de escrutar dentro de nós os
nomes ditos em segrêdo submarino.
Só reconheço que sou sábio neste
mistério, o que equivale a re-
conhecer que não sei nada, nem en-
tendo nada de nada mesmo que
seja tudo, pois só entendo o Todo.



António Barahona, O SOM DO SÔPRO, Poesia Incompleta

terça-feira, 5 de maio de 2015

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Fernando Martinez Pozal



Fernando Martinez Pozal
|fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico



Fernando Martinez Pozal 
fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico

sexta-feira, 27 de março de 2015

AFONSO LOPES VIEIRA - ESPUMA




António Carneiro, retrato de Afonso Lopes Vieira, 1912.



Mais leve que a pluma
que no ar balança,
pela praia dança
a ligeira espuma.
Dançando se afaga
no alado bailar!
Pétalas da vaga,
poeira do mar…


Espuma de neve,
ergue-a num momento
a curiosa e leve,
vaga mão do vento.
Mas o vento, achando
que da mão lhe escorre,
com ela brincando
pela praia corre…

Eis se ergue e dissolve,
coisa láctea e pura,
onde o luar se envolve
na fervente alvura.
Espuma levada
das águas ao rés,
renda evaporada,
jóia das marés!

Grácil mimo e flor
de femínea graça.
que efémera passa
no eterno esplendor.
Em meus dedos, ágil,
um momento tive-a,
e na morte nívea
se me evola frágil.

Mais leve que a pluma
que no ar ondeia,
pela fina areia
baila, aérea, a espuma.
 E na dança etérea,
que impalpável ronda!
Bafo da matéria,
penugem da onda…

Os Versos de Afonso Lopes Vieira, Lisboa, Sociedade Editora Portugal-Brasil, 1927

segunda-feira, 23 de março de 2015

Luís Miguel Nava - FALÉSIAS

Poder-me-ão encontrar, trago um rapaz na minha
memória, a casa a uma janela
da qual ele vem como um sabor à boca,
falésias onde o aguardo à hora do crepúsculo.

Regresso assim ao mar de que não posso
falar sem recorrer ao fogo e as tempestades
ao longe multiplicam-nos os passos.
Onde eu não sonhe a solidão fá-lo por mim.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Luís Miguel Nava - Sem outro Intuito


Atirávamos pedras
à água para o silêncio vir à tona.
O mundo, que os sentidos tonificam,
surgia-nos então todo enterrado
na nossa própria carne, envolto
por vezes em ferozes transparências
que as pedras acirravam
sem outro intuito além do de extraírem
às águas o silêncio que as unia.

Luís Miguel Nava, in 'Vulcão'

Fernando Martinez Pozal - Marco fontanário


Fernando Martinez Pozal - marco fontanário
fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico

Fernando Martinez Pozal

quarta-feira, 11 de março de 2015

PERO MEOGO - Levou-s’a louçana, levou-s’a velida:




Levou-s’a louçana, levou-s’a velida:
vai lavar cabelos, na fontana fria.
Leda dos amores, dos amores leda.

Levou-s’a velida, Levou-s’a louçana:
vai lavar cabelos, na fria fontana.
Leda dos amores, dos amores leda.


Vai lavar cabelos, na fontana fria:
passou seu amigo, que lhi bem queria.
Leda dos amores, dos amores leda.

Vai lavar cabelos, na fria fontana:
passa seu amigo, que a muit’amava.
Leda dos amores, dos amores leda.

Passa seu amigo, que lhi bem queria:
o cervo do monte a augua volvia.
Leda dos amores, dos amores leda.

Passa seu amigo, que a muit’amava:
o cervo do monte volvia a augua.
Leda dos amores, dos amores leda.

terça-feira, 10 de março de 2015

Alberto Carlos Lima - Paisagens Marítimas, 191-




Alberto Carlos Lima | fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico


Alberto Carlos Lima | fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico

ANTERO DE QUENTAL - OCEANO NOX


A A. de Azevedo Castelo Branco
Junto do mar, que erguia gravemente
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vôo do pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente...

Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que idéia gravitais?

Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...

in: Antero de Quental, Sonetos, Livraria Sá da Costa Editora, 1979


Artur Pastor - Âncoras



fotografia de Artur Pastor | Arquivo Municipal de Lisboa|
Núcleo Fotográfico

CAMILO PESSANHA - CANÇÃO DA PARTIDA


Ao meu coração um peso de ferro
Eu hei-de prender na volta do mar.
Ao meu coração um peso de ferro...
    Lançá-lo ao mar

Quem vai embarcar, que vai degredado,
As penas do amor não queira levar...
Marujos, erguei o cofre pesado,
    Lançai-o ao mar.

E hei de mercar um fecho de prata.
O meu coração é o cofre selado.
A sete chaves: tem dentro uma carta...
— A última, de antes do teu noivado.

A sete chaves — a carta encantada!
E um lenço bordado... Esse hei-de o levar,
Que é para molhar na água salgada
No dia em que enfim deixar de chorar.

in: Camilo Pessanha, Clepsidra, Lisboa, Ática, 1992

sexta-feira, 6 de março de 2015

Helena Nilo - Aquae



helena nilo | aquae 2013\2014

para o Luis Manuel Gaspar
Obrigada!

Sebastião da Gama - Raiz

Tanto dissemos tu e eu, tanta palavra!...
E os enganos, as lutas, as promessas...
Como tudo vai longe! Como tudo foi útil e preciso!
Olha, vem à janela... Lá em baixo no largo,
brincam, junto da fonte, os moços e as meninas.
Alegres todos, riem. Nem reparam
como é triste uma fonte que não corre.
O que hão-de eles saber ?! Têm cinco, seis anos...

                                            Da janela
vemo-los bem. Vem à janela olhá-los,
felizes como nós...

Arrábida, Novembro de 51

in: Sebastião da Gama, Pelo Sonho É Que Vamos, Edições Arrábida

quinta-feira, 5 de março de 2015

Raul Brandão - MULHERES


«Outra vez rebuliço — agora é na fonte. Balbúrdia. Algumas são desbocadas, e aquela no auge da fúria curva‑se e bate palmadasem certo sítio, sobre as saias — quando não faz pior e o mostra… Então o barulho ensurdece. — Bateste no meu filho, grande porca! — Arrolada! — diz a outra. Arrolada é a pior de todas as injúrias… Dois cântaros partidos nas cabeças. A água inunda‑as e refresca‑as. E tudo volta ao silêncio. Só se ouve cantar nos tanques e o bater compassado da onda no cais. Aí tornam a passar as raparigas, com o cântaro à cabeça, a mão na cinta, e um fio húmido a escorrer‑lhes pela cara, apesar da cortiça que usam à superfície da água, para não se espalhar o líquido…»

in: Raul Brandão, Os Pescadores, ed. Vítor Viçoso e Luis Manuel Gaspar, Lisboa, Relógio D'Água, 2014

quarta-feira, 4 de março de 2015

ANTÓNIO OSÓRIO - O HIDRÓMETRA

Quando media
o débito da água
antes
no furo artesiano
lavava o rosto
e bebia.


De sua Mãe
se lembrava, devolvendo-o
(chuva) ao mundo.