quarta-feira, 31 de agosto de 2016

RUY CINATTI

                                                                                                          
    

  Ao Carlos Alberto


Lentamente, ao bater dos remos, vão os barcos
Rio acima, rio abaixo, na faina diária dos dias de sol e chuva.
Os homens já puxaram os barcos para a margem
Onde os senhores passam fechados, altaneiros,
Por entre homens da plebe — os que transportam sacos de trigo.
Os gestos repetem‑se, milenários,
Enquanto, de manhã à noite, os barcos vão passando
Desapercebidos dos lavradores dos campos.
Lentamente, vagaroso como o correr das águas,
Ergue‑se suplicante o canto dormente dos remadores…
Vai passando, vai quebrando, vai fugindo…

Ruy Cinatti, 'Obra Poética I', Lisboa, Assírio & Alvim, Out. 2016  [a sair brevemente]

Via Luis Manuel Gaspar


Wook.pt - Obra Poética I

domingo, 21 de agosto de 2016

Artur Benarus (1861-1926) - Almourol



Almourol | Artur Benarus (1861-1926) |
Fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico

Fotografias de Artur Benarus (1861-1926) | Arquivo Municipal de Lisboa | Fotográfico



Olhão | fotografia de Artur Benarus (1861-1926) |
Fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico



Zona Ribeirinha do Porto | fotografia de Artur Benarus (1861-1926) |
Fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico



Setúbal | fotografia de Artur Benarus (1861-1926) |
Fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico

Artur Benarus (1861-1926) - Praia da Rocha




fotografia de Artur Benarus (1861-1926) |
Fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico



fotografia de Artur Benarus (1861-1926) |
Fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico



fotografia de Artur Benarus (1861-1926) |
Fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico



fotografia de Artur Benarus (1861-1926) |
Fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico



fotografia de Artur Benarus (1861-1926) |
Fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | fotográfico


sexta-feira, 20 de maio de 2016



Helena Nilo | Maresias | 26.09.2014

António José Forte - POEMA



Alguma coisa onde tu parada
fosses depois das lágrimas uma ilha
e eu chegasse para dizer-te adeus
de repente na curva de uma estrela

alguma coisa onde a tua mão
escrevesse cartas para chover
e eu partisse a fumar
e o fumo fosse para se ler

alguma coisa onde tu ao norte
beijasses nos olhos os navios
e eu rasgasse o teu retrato
para vê-lo passar na direcção dos rios

alguma coisa onde tu corresses
numa rua com portas para o mar
e eu morresse
para ouvir-te sonhar

António José Forte, Uma Faca nos Dentes, Parceria A.M. Pereira/Livraria Editora, Lda., Lisboa, 2003.


Algarve - Fotografia



Francisco Oliveira | Vista da Praia da Rocha | 1950

Investigação sobre fotógrafos de Portimão recupera a memória de um Algarve já distante.

Aqui: 

Portimão - Quinta da Malata



Francisco Oliveira

https://www.facebook.com/oliveirafotografoportimao/

domingo, 15 de maio de 2016

Fernando Pessoa - ÁGUA CORRENTE

Água corrente,
Frescura a fugir —
A uma alma doente,
Tornas inconsciente,
Fazê-la sorrir.

Eu te vejo e ouço
Cantando correr,
E um momento posso
Esquecer o esforço
E o esforço de o ter.

E em minha alma vaga
Frescura também
Me envolve, me alaga,
E, se me embriaga,
É num fresco bem.

Por isso, no olvido
Excepto da água estou
E de um só sentido,
Da vista e do ouvido
Que me furta a quem sou.

Murmúrio da fonte,
Canto da água vão —
Coração insonte
Não tem horizonte...
Dorme, coração!

8 .07.1920

In Poesia 1918-1930 , Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine, 2005 


terça-feira, 10 de maio de 2016

Lavadeiras




'Rol de lavadeira'
tabela de madeira recortada e entalhada, proveniente de um convento de Lisboa, século XVIII





[Coimbra, mujeres lavando ropa en el río Mondego, entre 1880 y 1890? ]

Daqui: http://bdh.bne.es/bnesearch/detalle/bdh0000063315

 







Henrique Pousão - Casario à beira-mar



Henrique Pousão, Casario à beira-mar, Nápoles, 1882

Via: Luis Manuel Gaspar - Aqui

Bernardo Santareno - Nos Mares do Fim do Mundo



fotografia de Bernardo Santareno


"Foi reeditado "Nos Mares do Fim do Mundo", de Bernardo Santareno (1959), livro sobre o período em que o escritor acompanhou os pescadores bacalhoeiros portugueses pela Terra Nova e Gronelândia."
[...]
"a bordo dos navios David Melgueiro, Senhora do Mar e Gil Eannes,"
[...]
"O volume também traz fotos – registos de despedidas, de embarcações, de rostos, da figura do próprio autor, sempre com óculos de massa, uma das suas imagens de marca. E dois inéditos. O primeiro é um texto sobre o peso da responsabilidade de ter deixado o território protegido dos laboratórios e das clínicas para tratar aqueles que tanto respeitava e o segundo é sobre uma insubordinação em defesa de um direito ocorrido num arrastão. O prenúncio de um posicionamento político que Bernardo Santareno iria aprofundar nos anos seguintes, antes e depois do 25 de Abril de 1974."


Daqui: http://observador.pt/2016/05/08/bernardo-santareno-coracao-nas-trevas/






Helena Nilo | 22.03.2016



Helena Nilo | 22.03.2016



José Manuel Nilo - As velhas Raposas




["chora"]


 [...]
«Esfomeado, nem sequer me lembro de responder à ironia do capitão. Com a concha de alumínio picada pelo tempo encho a malga de esmalte. De início, o aspecto das partes gelatinosas repugna-me um pouco, mas em breve devoro com verdadeiro prazer. Na minha idade, com a boa constituição física e nas circunstâncias do momento, tudo que seja fresco e consistente me sabe bem. Lembro-me da profecia do capitão - hesito em repetir. Mas a necessidade de encher o estômago e o delicioso sabor da "chora"* impélem-me a atascar de novo a malga. E exclamo entre duas colheradas:
- Isto é formidável! Tinham-me dito que era bom... mas não julgava que fosse assim tanto...
O capitão casquinha uma gargalhada:
- Paro o ano estará de volta! Mas deve fazer mais por isso...
Fito o velho, e sùbitamente - num brusco enfraquecimento das minhas íntimas intenções -, perdôo-lhe todas as anteriores ofensas.» [...]

José Manuel Nilo,  As Velhas Raposas (finalizado em 1974 - não editado)



*«A "chora" teve origem a bordo dos veleiros da frota bacalhoeira, mais não sendo do que uma sopa que era servida aos pescadores após a dureza do trabalho heróico de pescar, escalar e salgar o bacalhau apanhado diariamente. Dada a compreensível escassez de vegetais e outros alimentos frescos, a Chora era feita quase sempre apenas com arroz ou massa e caras de bacalhau. Também se fazia com os ossos do bacalhau.»

CAMILO PESSANHA - VÉNUS


Aquae | Helena Nilo

I


À flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda…
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razão se perde!

Pútrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, n'um balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)

Como em um sorvo, murmura de gozo.
O seu esboço, na marinha turva…
De pé, flutua, levemente curva,
Ficam-lhe os pés atrás, como voando…

E as ondas lutam como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co'a salsugem.

       

II


Singra o navio. Sob a água clara
Vê-se o fundo do mar, de areia fina …
— Impecável figura peregrina,
A distância sem fim que nos separa!

Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente cor-de-rosa,
Na fria transparência luminosa
Repousam, fundos, sob a água plana.

E a vista sonda, reconstrui, compara.
Tantos naufrágios, perdições, destroços!
— Ó fúlgida visão, linda mentira!

Róseas unhinhas que a maré partira…
Dentinhos que o vaivém desengastara.
Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos.

Franco de Vasconcelos - Espinho à espera da rede




sábado, 7 de maio de 2016

AFONSO LOPES VIEIRA - À SENHORA MARIA LARANJO DA PRAIA DA NAZARÉ


Minha boa Amiga senhora Maria
Laranjo, da praia da Nazaré,
em quem tanto admiro essa fidalguia
de um povo que na Europa o mais fino é,
muito agradecido pelo almoço Real
que aí me deu junto às ondas do mar;
tivera Camões comido um igual,
fazia-lhe versos, mas não a zombar.

Minha boa Amiga, senhora Maria
Laranjo, da praia da Nazaré,
por minha mulher a receberia
(se a minha Amiga quisesse, já se vê)
se acaso a conheço quando era solteiro,
para ser agora, — ventura tamanha —
em vez de pobre doutor, marinheiro,
mendigo do mar, arrais de companha.

Estando da banda dos pobres do mar
já eu não teria, como tenho às vezes,
remorsos tamanhos e tão graves fezes
de ver tantas dores em roda a penar;
assim penaria e acreditaria
como eles, por lindo milagre da fé,
que depois no mar do Paraíso seria
o pescador mais feliz da Nazaré!...

Mas já que eu errei, por destino fatal,
o que era a minha pura, certa vocação,
saiba que em si louvo e admiro Portugal
no que tem de belo — alma e coração.
E saibam as altas senhoras princesas
que há uma fidalga aí na Nazaré
com quem elas podem aprender finezas
e a dar um almoço que tão fino é.

Afonso Lopes Vieira, 'Onde a terra se acaba e o mar começa', Lisboa, Livraria Bertrand, 1940; 2.ª ed., edição de António Manuel Couto Viana, Lisboa, Vega, 1998.
O poema é dedicado à avó materna do pintor Mário Botas.

Salgueiro - Xurês



Igrexa - fotografia de Filipa Pedroso

obrigada, Filipa Pedroso!
aqui

segunda-feira, 2 de maio de 2016

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Carlos Relvas - CASTELO DE ALMOUROL







Sophia de Mello Breyner Andersen - NAVIO NAUFRAGADO



Vinham dum mundo
Sonoro, nítido e denso.
E agora o mar o guarda no seu fundo
Silencioso e suspenso.

É um esqueleto branco o capitão,
Branco como as areias,
Tem duas conchas na mão
Tem algas em vez de veias
E uma medusa em vez de coração.

E em seu redor as grutas de mil cores
Tomam formas incertas quase ausentes
E a cor das águas toma a cor das flores
E os animais são mudos, transparentes.

E os corpos espalhados nas areias
Tremem à passagem das sereias,
As sereias leves de cabelos roxos
Que têm olhos vagos e ausentes
E verdes como os olhos dos videntes.

domingo, 27 de março de 2016

Vigília Pascal - Santa Cruz da Trapa



bênção do fogo e da água
fotografia de Daniel Soares Ferreira


bênção do fogo e da água
fotografia de Daniel Soares Ferreira



fotografias de Daniel Soares Ferreira

quinta-feira, 24 de março de 2016

MANUEL DE CASTRO - CANÇÃO

"triste como um rio, sereno como as pontes..."
fio d'água transparente
balança de luz
na noite que se alarga
serena como um rio
serena como as pontes

estátua que conduz
o cintilar do negro
na noite que se alarga
serena como um rio
serena como as pontes

o gato que se enrola
a limitar o brilho
que identifica o negro
que a noite percorre
sereno como um rio
sereno como as pontes

palácio que esqueci
teu corpo já estrangeiro
no nome tão distante
felino ainda na noite

triste como um rio
sereno como as pontes

Manuel de Castro, A Estrela Rutilante, ed. do autor




Helena Nilo  |  26.09.2014


segunda-feira, 21 de março de 2016

António Nobre - Santa Iria


N'um rio virginal d'agoas claras e mansas,
Pequenino baixel, a santa vae boiando...
Pouco e pouco, dilue-se o oiro das suas tranças
E, diluido, ve-se as agoas aloirando.

Circumda-a um resplendor, a luzir esperanças,
Unge-lhe a fronte o luar, avelludado e brando,
E, com a graça etherea e meiga das crianças,
Formosa Iria vae boiando, vae boiando...

Á lua, cantam as aldeãs de Riba-Joia,
E, ao verem-na passar, phantastica barquinha,
Exclamam todas: «Olha um marmore que aboia!»

Ella entra, emfim, no Oceano... E escuta-se, ao luar,
A mãe do pescador, rezando a ladainha
Pelos que andam, Senhor! sobre as agoas do mar...

António Nobre, , 1982




Reza para afastar a trovoada


Santa Barbara pequenina
Se vestiu e calçou
Seu caminho caminhou
Jesus encontrou
E Ele perguntou
Barbara, onde vais?
Senhor, vou para o céu,
Abrandar a trovoada
Que sobre nós anda armada
Manda para o monte do rosmaninho,
Onde não haja pão e vinho
Nem ramo, nem maneira
Nem folhinha de Oliveira.

"Ainda hoje, quando há grandes trovoadas, é hábito na Beira Alta as mulheres queimarem algumas das folhas do «ramo bento», para que o fumo «esconjure para longe os raios»"

domingo, 20 de março de 2016

Domingo de Ramos




Atados com fitas de cores e compostos por folhas de palmeira, alecrim, oliveira, loureiro, rosmaninho e mimosa, os ramos, benzidos antes da missa (ou de véspera, na missa da tarde), guardam-se depois em casa durante todo o ano.
Nas vilas e aldeias são pendurados na cozinha ou à cabeceira da cama, para «proteger a casa dos maus ares».

(...)

Em Estremoz, após o ramo de alecrim ter sido benzido, era tradição as raparigas retirarem-lhe um raminho, que colocavam nas lapelas dos casacos dos namorados, dizendo: «Verde é / Verde cheira / Ficas preso para sexta-feira» - significando que o namorado teria de oferecer-lhe amêndoas.
O rapaz fazia o mesmo com o seu próprio ramo, e dizia: «Verde é / Verde há-de cheirar / Ficas presa para me dar o folar» - o que acontecia no domingo de Páscoa.

Barros, Jorge e Soledade Martinho Costa (2002), Festas e Tradições Populares: Março e Abril. Lisboa: Círculo de Leitores. 


RAUL BRANDÃO - HÚMUS

" 21 de Março

Chegou. Vai abrir a mais bela, a mais fecunda, a mais dourada de todas as primaveras — a primavera eterna. Vai revolver a terra e cobrir os seres e as coisas de flores por camadas ininterruptas e sucessivas, com todas as cores e todos os entontecimentos, todas as infâmias e todas as tintas — com todos os desesperos. Já as florestas putrefactas se puseram a caminho. É aqui que corre e escorre o verde, o roxo e o lilás — os tons violentos e os tons apagados. Até as árvores são sonhos. Atravessaram o inverno com sonho contido, com o sonho humilde com que carregam há séculos. E até esses sonhos se transformaram em realidade. Realiza-se enfim o milagre: as árvores chegam ao céu."



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PRIMAVERA




DAQUI: daqui: http://diasquevoam.blogspot.pt/2015/03/a-prima-vera-podia-chegar-mais-depressa.html

Helena Nilo, Lisboa, 16.09.2014

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

RUY CINATTI - TARDE EM FATU-CAMA



Ondeio e conto cada salpico de onda,
que aflora nos meus olhos e entontece
o gesto de nadar, de ver a sombra
do braço mergulhando sem tocar
o fundo raso de areia fina.

E deixo-me levar, abandonar
pelo momento de lamento breve
que aproxima navios, transfigura neblinas
e retoma, afinal, a alegria
sensível voo d’ave inesperada.

Afogar-me, então, seria fácil
lento atravessar de afagos líquidos,
preso, no entanto, a um fio de vida
latente, cativo ao lume d’água.

Ruy Cinatti, 'Uma Sequência Timorense', Braga, Editora Pax, 1970



quarta-feira, 22 de julho de 2015

Fernado Pessoa


Meu pensamento é um rio subterrâneo.
Para que terras vai e donde vem?
Não sei... Na noite em que o meu ser o tem
Emerge dele um ruído subitâneo

De origens no Mistério extraviadas
De eu compreendê-las..., misteriosas fontes
Habitando a distância de ermos montes
Onde os momentos são a Deus chegados...

De vez em quando luze em minha mágoa
Como um farol num mar desconhecido
Um movimento de correr, perdido
Em mim, um pálido soluço de água...

E eu relembro de tempos mais antigos
Que a minha consciência da ilusão
Águas divinas percorrendo o chão
De verdores uníssonos e amigos,

E a ideia de uma Pátria anterior
À forma consciente do meu ser
Dói‑me no que desejo, e vem bater
Como uma onda de encontro à minha dor.

Escuto‑o... Ao longe, no meu vago tacto
Da minha alma, perdido som incerto,
Como um eterno rio indescoberto,
Mais que a ideia de rio certo e abstracto...

E p'ra onde é que ele vai, que se extravia
Do meu ouvi‑lo ? A que cavernas desce?
Em que frios de Assombro é que arrefece?
De que névoas soturnas se anuvia?

Não sei... Eu perco‑o... E outra vez regressa
A luz e a cor do mundo claro e actual,
E na interior distância do meu Real
Como se a alma acabasse, o rio cessa...

5-11-1914



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