quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Luís Miguel Nava - Rios


Aqui, onde o vemos
correr, o rio mais não é que uma cortina, por trás
da qual corre outro rio. O
que no primeiro se reflecte
no outro transfigura-se.

Desprende-se o primeiro
do plano a que os sentidos o
mantêm agarrado, para assim
melhor entrar na alma, de cuja
incerta superfície faz as margens.
Disto isto doutra forma: assenta-nos
as margens na aspereza
da alma, a cujas reetrâncias
(já dizia o Pessoa) o sol não chega.

Mas nem ele é preciso. Uma só vela
nas trevas basta
para que o rio se ilumine
desde a foz à nascente.

É esse rio, idêntico a uma porta
que existe só por dentro e que por fora
foi já toda comida pelas trevas, que
nos serve de metáfora do tempo
(só o outro é literal)
e, tal como nas trevas - onde as ervas
e as flores são invisíveis -
o aroma verdeja, assim

o tempo, escoando-se, adquire
a cor da erva: e ontem, hoje
e amanhã mais não são do que tantos outros tons de
verde
que bovinamente a alma saboreia.

AQUI

terça-feira, 7 de outubro de 2014

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

António Lopes Ribeiro - Lisboa de Hoje e de Amanhã, 1948




Lisboa de Hoje e de Amanhã é um documentário português realizado, escrito e narrado por António Lopes Ribeiro, produzido pela Câmara Municipal de Lisboa, no ano de 1948. Consiste numa série de pequenas filmagens de algumas zonas da cidade, com a explicação das mesmas por Lopes Ribeiro e, música de fundo.

Este documentário é uma análise da cidade de Lisboa, feita por António Lopes Ribeiro, de quatro perspectivas: habitação, circulação, trabalho e, espaços de lazer. São divididas por quatro partes, cada uma com 10 minutos de duração. Num Portugal indirectamente devastado pela Segunda Guerra Mundial, este filme apresenta aquilo que já pudera ser feito e, tudo o que estava planeado fazer para tornar Lisboa numa cidade pioneira ao nível dos quatro pilares referidos.
AQUI





António Lopes Ribeiro - AQUI
António Lopes Ribeiro

terça-feira, 23 de setembro de 2014

"Os 'Olhares Fotográficos' dos estrangeiros" sobre Portugal



François Le Diascorn, Lamentações das três Marias, Évora, Portugal 1980



Sabine Weiss, Interior de igreja em Portugal, 1954



Cartier Bresson, 'Confissão', Igreja dos Jerónimos, 1954
DAQUI

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Nora


Fotógrafo não identificado
Fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | Fotográfico

Francisco Bugalho - Rega


Longa, lenta, melancólica,
Cantou a velha canção,
A nora triste da horta.
E uns brandos ares de bucólica
- Oh, lírica solidão! -
Bateram à minha porta.

Terra sedenta que espera,
Ansiosa todo o dia,
Estes momentos da tarde,
Agora se desaltera.
- Que, a esta hora tardia,
O beijo do sol não arde.

Toda se dá em perfumes
Que lembram, a quem os sente,
Vagos, sensuais desatinos.
Andam no ar vaga-lumes.
E a terra, molhada e ardente,
Tem desejos femininos...

Depois, a nora calou-se.
Ficaram-se murmurando,
Nos regos, já invisíveis,
- Murmúrio leve e tão doce!... -
Águas que vão retratando
Finas estrelas insensíveis.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Luis Manuel Gaspar - A Morte Nunca Existiu








luis manuel gaspar, «a morte nunca existiu (antónio joaquim lança / josé mário branco)»,
'40xABRIL', lisboa, abysmo, 2014






LUÍS MIGUEL NAVA - DOIS RIOS



O corpo dividido em duas partes
fechadas
à chave uma na outra, avanço
num duplo coração como se fosse
ao mesmo tempo num só barco por dois rios.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Rocha Peixoto - Farol de Santa Marta


[Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico]



Chafariz



fotografia de Artur Pastor, Chafariz de Palhais, Setúbal, Portugal, [1943-1945]
[Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico]



Devoção


fotografia de Artur Pastor,  (Trás-os-Montes) [entre 1950 e1954]
[Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico]



fotografia de Artur Pastor,  (Alentejo) [entre 1943 e1945]
[Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico]

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Cais do Sodré




Desembarque dos passageiros das canoas cacilheiras no Cais do Sodré
 [Fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico]


Ermida da Memória, Cabo Espichel




 
Helena Nilo | 14 de Agosto de 2014



A segunda tradição do culto de Nossa Senhora do Cabo é transmitida por Frei Agostinho de Santa Maria, no Santuário Mariano. "Outros affirmarão que a Senhora apparecera na praya que lhe fica em baixo da mesma penha, aonde se aedifcou a Ermidinha, e que apparecera sobre uma jumentinha, e que esta suba pela rocha assima, e que ao subir hia firmando as mãos, e os pés na mesma rocha, deixando impressos nella os vestígios das mãos, e pés; e que de ser isto assim o affirmava a tradição dos que virão estes mesmo sinaes, que já hoje tem gastado, e consumido o tempo. E como a Deos lhe não he impossivel obrar mayores maravilhas, bem podemos crer obraria esta, para que assim fosse por ella buscada, evenerada aquella Santissima Imagem. Aquella Ermidinha que se fundo no lugar aonde a Senhora parou, naquella liteirinha vivente que a levava, desfez muytas vezes o tempo; mas a devoçam dos que a servem, a reformou outras tantas vezes, pezar dos seus rigores".   DAQUI
 


Helena Nilo | 14 de Agosto de 2014





quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Linho


30 de Dezembro

A vida é tecida como o linho: um fio de dor, um fio de ternura. Eu intrometo-lhe sempre um fio de sonho. Foi o que me perdeu.


Raul Brandão, Húmus



fotografia de Artur Pastor
[Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico]



fotografia de Artur Pastor
[Arquivo Municipal de Lisboa | Núcleo Fotográfico]



Um fio de água que reluz prende-me horas e transforma as pedras.


Raul Brandão, Húmus

Castelo de São Jorge - Março de 1996



Helena Nilo | 1996



Helena Nilo | 1996



Helena Nilo | 1996

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Eugénio de Andrade - Véspera da Água





Tudo lhe doía
de tanto que lhes queria:

a terra
e o seu muro de tristeza,

um rumor adolescente,
não de vespas
mas de tílias,

a respiração do trigo,

o fogo reunido na cintura,

um beijo aberto na sombra,

tudo lhe doía:

a frágil e doce e mansa
masculina água dos olhos,

o carmim entornado nos espelhos,

os lábios,
instrumentos da alegria,

de tanto que lhes queria:

os dulcíssimos melancólicos
magníficos animais amedrontados,

um verão difícil
em altos leitos de areia,

a haste delicada de um suspiro,

o comércio dos dedos em ruína,

a harpa inacabada
da ternura,

um pulso claramente pensativo,

lhe doía:

na véspera de ser homem,
na véspera de ser água,
o tempo ardido,

rouxinol estrangulado,

meu amor: amora branca,

o rio
inclinado
para as aves,

a nudez partilhada, os jogos matinais,
ou se preferem: nupciais,

o silêncio torrencial,

a reverência dos mastros,
no intervalo das espadas

uma criança corre
corre na colina

atrás do vento,

de tanto que lhes queria,
tudo tudo lhe doía.


IN: Obscuro Domínio, 1971

RAQUEL ROQUE GAMEIRO - A MULHER RURAL DEVE SER AMIGA DA ÁGUA




Raquel Roque Garmeiro (1889-1970)
Ver também Aqui e Aqui

segunda-feira, 28 de julho de 2014

sábado, 26 de julho de 2014

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Bernardo Soares - O RIO DA POSSE



Que somos todos diferentes, é um axioma da nossa naturalidade. Só nos parecemos de longe, na proporção, portanto, em que não somos nós. A vida é, por isso, para os indefinidos; só podem conviver os que nunca se definem, e são, um e outro, ninguéns.
Cada um de nós é dois, e quando duas pessoas se encontram, se aproximam, se ligam, é raro que as quatro possam estar de acordo.
O homem que sonha em cada homem que age, se tantas vezes se malquista com o homem que age, como não se malquistará com o homem que age e o homem que sonha no Outro.
Somos forças porque somos vidas. Cada um de nós tende para si próprio com escala pelos outros. Se temos por nós mesmos o respeito de nos acharmos interessantes, (...) Toda a aproximação é um conflito. O outro é sempre o obstáculo para quem procura. Só quem não procura é feliz; porque só quem não busca encontra, visto que quem não procura já tem, e já ter, seja o que for, é ser feliz (como não pensar é a parte melhor, de ser rico).
Olho para ti, dentro de mim, noiva suposta, e já nos desavimos antes de existires. O meu hábito de sonhar claro dá-me uma noção justa da realidade. Quem sonha demais precisa de dar realidade ao sonho. Quem dá realidade ao sonho tem que dar ao sonho o equilíbrio da realidade. Quem dá ao sonho o equilíbrio da realidade, sofre da realidade de sonhar tanto como da realidade da vida (e do irreal do sonho com o de sentir a vida irreal).
Estou-te esperando, em devaneio, no nosso quarto com duas portas, e sonho-te vindo e no meu sonho entras até mim pela porta da direita; se, quando entras, entras pela porta da esquerda, há já uma diferença entre ti e o meu sonho. Toda a tragédia humana está neste pequeno exemplo de como aqueles com quem pensamos nunca são aqueles em quem pensamos.

O amor perde identidade na diferença, o que é impossível já na lógica, quanto mais no mundo. O amor quer possuir, quer tornar seu o que tem de ficar fora para ele saber que só torna seu se não é. Amar é entregar-se. Quanto maior a entrega, maior o amor. Mas a entrega total entrega também a consciência do outro. O amor maior é por isso a morte, ou o esquecimento, ou a renúncia — os amores todos que são os absurdiandos do amor.

No terraço antigo do palácio, alçado sobre o mar, meditaremos em silêncio a diferença entre nós. Eu era príncipe e tu princesa, no terraço à beira do mar. O nosso amor nascera do nosso encontro, como a beleza se criou do encontro da Lua com as águas.

O amor quer a posse, mas não sabe o que é a posse. Se eu não sou meu, como serei teu, ou tu minha? Se não possuo o meu próprio ser, como possuirei um ser alheio? Se sou já diferente daquele de quem sou idêntico, como serei idêntico daquele de quem sou diferente.
O amor é um misticismo que quer praticar-se, uma impossibilidade que só é sonhada como devendo ser realizada.
Metafísico. Mas toda a vida é uma metafísica às escuras, com um rumor de deuses e o desconhecimento da rota como única via.

A pior astúcia comigo da minha decadência é o meu amor à saúde e à claridade. Achei sempre que um corpo belo e o ritmo feliz de um andar jovem tinham mais competência no mundo que todos os sonhos que há em mim. E com uma alegria da velhice pelo espírito que sigo às vezes — sem inveja nem desejo — os pares casuais que a tarde junta e caminham braço com braço para a consciência inconsciente da juventude. Gozo-os como gozo uma verdade, sem que pense se me diz ou não respeito. Se os comparo a mim, continuo gozando-os, mas como quem goza uma verdade que o fere, juntando à dor da ferida a consciência de ter compreendido os deuses.

Sou o contrário dos espiritualistas simbolistas, para quem todo o ser, e todo o acontecimento, é a sombra de uma realidade de que é a sombra apenas. Cada coisa, para mim, é, em vez de um ponto de chegada, um ponto de partida. Para o ocultista tudo acaba em tudo; tudo começa em tudo para mim.
Procedo, como eles, por analogia e sugestão, mas o jardim pequeno que lhes sugere a ordem e a beleza da alma, a mim não lembra mais que o jardim maior onde possa ser, longe dos homens, feliz a vida que o não pode ser. Cada coisa sugere-me não a realidade de que é a sombra, mas a realidade para que é o caminho.
O jardim da Estrela, à tarde, é para mim a sugestão de um parque antigo, nos séculos antes do descontentamento da alma.

s.d.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.
 - 273.
"Fase decadentista", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol I. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.

DAQUI: http://arquivopessoa.net/textos/1299

... regresso



Helena Nilo | Quinta da Granja de Cima - 8/07/2014

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Provérbios populares sobre a Lenda São Martinho

Provérbios populares do dia  São Martinho

- No dia de S. Martinho vai à adega e prova o teu vinho.
- Mais vale um castanheiro do que um saco com dinheiro.
- Dia de S. Martinho fura o teu pipinho.
- Do dia de S. Martinho ao Natal, o médico e o boticário enchem o teu bornal.
- Pelo S. Martinho mata o teu porquinho e semeia o teu cebolinho.
- Se o Inverno não erra caminho, tê-lo-ei pelo S. Martinho.
- Se queres pasmar teu vizinho lavra, sacha e esterca pelo S. Martinho.
- Dia de S. Martinho, lume, castanhas e vinho.
- Pelo S. Martinho, prova o teu vinho, ao cabo de um ano já não te faz dano.
- Pelo S. Martinho mata o teu porco e bebe o teu vinho.
- Pelo S. Martinho semeia favas e vinho.
- Pelo S. Martinho, nem nado nem cabacinho.
- Água-pé, castanhas e vinho faz-se uma boa festa pelo S. Martinho.


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Fernando Martinez Pozal - Marco fontanário

Bernardo Soares - ...e as algas como molhados cabelos empastando o rosto...


...e as algas como molhados cabelos empastando o rosto morto das águas.
Um som suave de rio largo, uma indecisa frescura aquática, uma saudade audível, oculta, um amarelo morto de movimento.
Leves, leves as sombras calmas.
A noite era cheia daquelas pequenas nuvens muito brancas, que se destacam umas das outras. Vista através de uma ou outra delas, a Lua tinha em seu torno um halo azul, castanho e amarelo, com uns tons supostos de verde-vivo. Entre as árvores o céu era dum azul-negro profundíssimo, longínquo, irrevogável. As estrelas viam-se ora através das nuvens, ora, muito longe, mas entre elas. Uma saudade de coisas idas, de grandes passados da alma, talvez porque em reencarnações antigas, olhos nossos, no corpo físico, houvesse visto, este luar sobre florestas longínquas, quando selvática ainda, a alma infanta talvez pressentia, por uma memória em Deus ao contrário, no futuro das suas reencarnações, esta lua retrospectiva. E assim essas duas luas davam mãos de sombra por sobre a minha cabeça abatida.

s.d.

Livro do Desassossego. Vol.I. Fernando Pessoa. (Organização e fixação de inéditos de Teresa Sobral Cunha.) Coimbra: Presença, 1990. - 82.

"Fase decadentista", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol I. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.

daqui: http://arquivopessoa.net/textos/2117

Praça Duque da Terceira - Cais do Sodré

Kerner, Sid. - Fontanário dos Quatro Anjinhos, 1967



Kerner, Sid. - Fontanário dos Quatro Anjinhos, Rossio, Lisboa, 1967

Bernardo Soares - Os teus colares de pérolas fingidas amaram comigo...



Os teus colares de pérolas fingidas amaram comigo as minhas horas melhores. Eram cravos as flores preferidas, talvez porque não significavam requintes. Os teus lábios festejavam sobriamente a ironia do seu próprio sorriso. Compreendias bem o teu destino? Era por o conheceres sem que o compreendesses que o mistério escrito na tristeza dos teus olhos sombreara tanto os teus lábios desistidos. A nossa Pátria estava demasiado longe para rosas. Nas cascatas dos nossos jardins a água era pelúcida de silêncios. Nas pequenas cavidades rugosas das pedras, por onde a água escolhia, havia segredos que tivéramos quando crianças, sonhos do tamanho parado dos nossos soldados de chumbo, que podiam ser postos nas pedras da cascata, na execução estática duma grande acção militar, sem que faltasse nada aos nossos sonhos, nem nada tardasse às nossas suposições.
s.d.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982. - 266.
"Fase decadentista", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol I. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.

daqui: http://arquivopessoa.net/textos/140

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

ARTUR PASTOR



Artur Pastor



Artur Pastor

Luiza Neto Jorge - ANOS QUARENTA, OS MEUS


fotografia de Artur Pastor
 

ANOS QUARENTA, OS MEUS

De eléctrico andava a correr meio mundo
subia a colina ao castelo-fantasma
onde um pavão alto me aflorava muito

em sonhos, à noite. E sofria de asma

alma e ar reféns dentro do pulmão
(como o chimpanzé que à boca da jaula
respirava ainda pela estendida mão).
Salazar, três vezes, no eco da aula.

As verdiças tranças prontas a espigar
escondiam na auréola os mais duros ganchos.
E o meu coito quando jogava a apanhar
era nesse tronco do jardim dos anjos

que hoje inda esbraceja, numa árvore passiva.
Níqueis e organdis, espelhos e torpedos
acabou a guerra meu pai grita «Viva».
Deflagram no rio golfinhos brinquedos.

Já bate no cais das colunas uma
onda ultramarina onde singra um barco
pra Cacilhas e, no céu que ressuma
névoas, águas mil, um fictício arco-

-íris como que é, no seu cor-a-cor,
uma dor que ao pé doutra se indefine.
No cinema lis luz o projector
e o FIM através do tempo retine.



Luiza Neto Jorge

obrigada, Daniel 

ALDEIAS SONORAS




“Aldeias Sonoras” é um projecto educativo da Binaural/Nodar de mapeamento sonoro de zonas rurais portuguesas, em paralelo com o seu levantamento geográfico, histórico e sócio-cultural. O projecto envolve escolas básicas e secundárias de zonas rurais de diversas regiões de Portugal, tendo ocorrido um primeiro módulo no ano lectivo 2008/2009 em parceria com a Escola Secundária de São Pedro do Sul e um segundo módulo no ano de 2010 em parceria com diversas escolas de zonas por onde passa o rio Paiva, integrado no projecto “Paivascapes #1


O projecto pretende evidenciar a riqueza sonora do mundo rural português e a necessidade de o registar, envolvendo crianças e jovens nessa descoberta, promovendo em paralelo o sentido de identidade, de diversidade e de orgulho em viver no campo.


“Aldeias Sonoras” envolve uma série de módulos de aprendizagem teórico-prática, com o objectivo de dotar os alunos de conhecimentos de tecnologias de registo e edição de sons, utilização de blogs para a organização e distribuição de informação, associando cada etapa do projecto a diversas disciplinas curriculares (nas áreas da arte, história, cidadania, geografia, tecnologias de informação, etc.).



obrigada, Daniel

domingo, 16 de junho de 2013

A Lenda do Sever


Eis a lenda que, com mais ou menos variantes, a tradição nos transmitiu:
    Em distante e já remota época, numeroso e escolhido cortejo de damas e cavaleiros, de longada para as bandas de Castela, resolve descansar das fadigas da jornada junto às margens do rio e no sítio onde mais fácil se torna a sua passagem a vau. Ao pretender, porém, recomeçar a viagem, quando as damas se preparavam para compor os seus vestidos e alisar os cabelos desgrenhados pelos solavancos da travessia através dos ásperos córregos e do pedregoso trilho dos rústicos caminhos viram, com desconsolada surpresa, que em nenhuma das escouradas arcas de bagagem se encontrava um espelho, objecto tão necessário às mais novas e tafús e que havia esquecido na azáfama confusa da partida. Compreender-se-á o desespero em que esse facto lançaria as entristecidas e contrariadas damas, tão ávidas de bem parecer e para as quais o espelho é o mais dilecto, necessário e indispensável companheiro.
    Diz-se mesmo que em algumas delas tal contratempo se denunciava por mal contidas e furtivas lágrimas, que não passaram despercebidas ao olhar atento e enamorado de um gentil moço e garboso cavaleiro da comitiva. Pressuroso e cortês acudiu este procurando remediar a contrariedade das aflitas damas, lembrando-lhes que não havia, em verdade, motivo para se entristecerem pois que, para substituir o espelho tinham elas ali bem perto um belo rio de SE VER.
    Para comemorar a gentil lembrança do moço fidalgo e como prémio e agradecida homenagem à sua tão feliz e oportuna ideia puseram, então, as damas ao sítio onde haviam estado a pentear-se o lindo e romântico nome de «PORTO DOS CAVALEIROS», nome que ainda hoje lá se conserva e que a tradição liga a esta lenda tão perfumada de cortês e graciosa galantaria.».
Fonte Biblio COSTA, Alexandre de Carvalho Marvão, suas freguesias rurais e alguns lugares n/a, Câmara Municipal de Marvão, 1982 , p.49-50
Place of collection-, MARVÃO, PORTALEGRE

daqui

O sardão da Lapa

Consta-se que uma mulher vinha dum povoado chamado Forca a caminho de Quintela com um saco de novelos de linho para tecer. A meio da encosta da serra, num local conhecido por Cova, foi atacada por um grande lagarto. Este, de boca enorme, tentou morder a mulher que, aflita, pediu ajuda à Senhora da Lapa. Foi então que lhe veio a ideia de atirar ao monstro os novelos que no saco levava, ficando com a ponta dos fios nas mãos.
O bicharoco ia engolindo os novelos que a mulher lhe arremessava. Quando já tinha na mão uma grande quantidade de pontas, a mulher deu uns puxões que engasgaram a fera.
Em sinal de gratidão, a mulher ofereceu o corpo do lagarto à Senhora da Lapa.
Fonte Biblio AA. VV., - Literatura Portuguesa de Tradição Oral s/l, Projecto Vercial - Univ. Trás -os-Montes e Alto Douro, 2003 , p.L3

daqui

Vitorino Nemésio - A concha


A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fachada de marés, a sonho e lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.

Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.

E telhados de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta ao vento, as salas frias.

A minha casa. . . Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória.


Vitorino Nemésio, O Bicho Harmonioso, 1938  


Helena Nilo


Helena Nilo

sábado, 20 de abril de 2013

...



"Tenho, do passado, somente saudades de pessoas idas, a quem amei; mas não é saudade do tempo em que as amei, mas a saudade delas: queria-as vivas hoje, e com a idade que hoje tivessem, se até hoje tivessem vivido."

Fernando Pessoa, Carta a João Gaspar Simões - 11 Dez. 1931



19/04/1967 - 29/06/1995

Alhandra - 17/04/2013






Gravura de Maria Irene Ribeiro
(Casa-Museu Sousa Martins)


Xilogravura de Augusto Bértholo
(Casa-Museu Sousa Martins)


(Casa-Museu Sousa Martins)







[ obrigada, Daniel, por tudo e todos : ) ]

terça-feira, 26 de março de 2013




Manoel de Oliveira, Douro, Faina Fluvial, 1931
Adaptação musical: Maestro Luís de Freitas Branco



sábado, 23 de março de 2013

Sophia de Mello Breyner Andresen - PRIMAVERA


As heras de outras eras água pedra
E passa devagar memória antiga
Com brisa madressilva e Primavera
E o desejo da jovem noite nua
Música passando pelas veias
E a sombra das folhagens nas paredes
Descalço o passo sobre os musgos verdes
E a noite transparente e distraída
Com seu sabor de rosa densa e breve
Onde me lembro amor de ter morrido
— Sangue feroz do tempo possuído





Natália Correia - Fiz um conto para me embalar



Fiz com as fadas uma aliança.
A deste conto nunca contar.
Mas como ainda sou criança
Quero a mim própria embalar.

Estavam na praia três donzelas
Como três laranjas num pomar.
Nenhuma sabia para qual delas
Cantava o príncipe do mar.

Rosas fatais, as três donzelas
A mão de espuma as desfolhou.
Nenhum soube para qual delas
O príncipe do mar cantou.

Fialho de Almeida - 'A princesinha das rosas'




(...)
Captiva por aquella phantasmagoria do lago, 
a princesa desceu á praia uma noite ... o luar vinha
nascendo... — diz que uma barca atracara 
ás escadarias dos cães, negra barca de mudos barqueiros,
anões com hombros de titans, cujos olhos phosphorejavam
por baixo de chapéus feitos de grandes cogumellos.

Mas a princesa, a princesa? 

Diz que pelas velhas estradas trotam mensageiros
anciosos, creanças n'aquelle tempo, hoje velhos de 
mil annos, que vâo perguntando aos viandantes se a 
viram passar alli. Quanta maior certeza elles teem 
de não achar quem procuram, tanto mais frenéticos 
precipitam os voos seus cavallos esqueletos. 
(...)
 
Livro AQUI


Alexandre O’Neill - «O TEJO CORRE NO TEJO»


17.7.2012


Tu que passas por mim tão indiferente,
no teu correr vazio de sentido,
na memória que sobes lentamente,
do mar para a nascente,
és o curso do tempo já vivido.

Não, Tejo, 
não és tu que em mim te vês, 
- sou eu que em ti me vejo! 
Por isso, à tua beira se demora
aquele que a saudade ainda trespassa,
repetindo a lição, que não decora,
de ser, aqui e agora,
só um homem a olhar para o que passa.
Não, Tejo, 
não és tu que em mim te vês, 
- sou eu que em ti me vejo! 
Um voo desferido é uma gaivota,
não é o voo da imaginação;
gritos não são agoiros, são a lota…
Vá, não faças batota,
Deixa ficar as coisas onde estão…
Não, Tejo, 
não és tu que em mim te vês, 
- sou eu que em ti me vejo! 
Tejo desta canção, que o teu correr
não seja o meu pretexto de saudade.
Saudade tenho, sim, mas de perder,
sem as poder deter,
as águas vivas da realidade!
Não, Tejo, 
não és tu que em mim te vês, 
- sou eu, em mim, que me vejo! 


 In Poesias Completas, Lisboa, Assírio & Alvim, 2002