sábado, 19 de novembro de 2011

José Carlos Ary dos Santos - Plenitude






Encontrei afinal o meu caminho!
Ando louco de azul, ébrio de terra!
Como as aves que vão de ninho em ninho
Sem saber se no mundo há paz ou guerra.

A minha alma mais rubra do que o vinho
- Beijo de fogo que a verdade encerra -
Tem a doçura cândida do linho
E a resistência heróica duma serra.

Adoro o sol em êxtases pagãos,
Abençoando o dom da claridade
Que faz vibrar de luz todo o universo.

Trago o luar escondido em minhas mãos
E esta onda suprema que me invade
É o sangue da minha alma feito verso!


(1.º prémio de soneto nos Jogos Florais da Praia da Rocha, em 1951)

sementes


Na Horta semear agrião, alface, cenoura, couves, com excepção da couve-flor e brócolos. Plantar batata (nas zonas secas), alho, couve temporã, tremoço. Semear fava, ervilha, e em camas quente, alface, beterraba, cebola, nabiça, nabo, rabanete e tomate. Semear cereais de pragana, como a aveia, centeio, cevada e trigo. Colher azeitona e beterraba. Na Adega, verificar as vasilhas do vinho novo. Destilar bagulho para fazer a aguardente. 
Borda D'Água

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Senhor Jesus dos Navegantes - Ex-votos (quadros votivos)

   Existem vários objectos ligados ao culto da imagem do Senhor Jesus dos Navegantes no espólio artístico da Igreja Matriz de Ílhavo: dezanove quadros de ex-votos, desenhados e pintados, representando naufrágios e promessas dos marítimos ilhavenses, na sua maioria de finais do séc. XIX e que antigamente preenchiam na íntegra a parede entre o retábulo de altar das Almas e o retábulo de altar do Senhor Jesus dos Navegantes; ramos de flores artificiais, oferenda das mordomas; jarras de porcelana e prata; seis faixas bordadas a matiz e fio metálico de adorno da imagem e duas cabeleiras naturais.

Ex-votos do Senhor Jesus dos Navegantes de Ílhavo:





os rios na poesia popular



 




Opúsculos, de José Leite de Vasconcelos, Etnologia, volume V
Os rios na poesia popular (Poesia de Amor) AQUI

domingo, 13 de novembro de 2011

 
O tempo pergunta ao tempo, 
quanto tempo o tempo tem. 
O tempo responde ao tempo 
que o tempo tem tanto tempo,
quanto tempo o tempo tem.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A Fonte da Moura, em Alpedriz (Alcobaça)






Da lendária ocupação árabe apenas ficou a lenda da “Fonte da Moura”. Situada numa propriedade particular a referida fonte é uma nascente de água, ligada ao chamado rio da Loureira. Segundo a lenda, uma Moura ia ali buscar água arranjando pretexto para se encontrar com o namora­do e terá ficado ali “encantada” vendo a água correr e certamente a pensar nas delícias do futuro, quando o povo a que pertencia foi atacada e tudo foi desfeito.

A moura de Cidagonha


Na aldeia de Moimenta, concelho de Vinhais, há um lugar com sinais de antigas fortificações conhecido por Cidagonha, e a que o povo também chama “cidade dos mouros”. Diz a lenda que vivia ali uma princesa mourisca encantada que, ora aparecia a pentear os seus cabelos com um pente de ouro, ao luar, ora a tecer num tear de ouro, cujo bater compassado dos pentes na teia e o ruído dos pedais poderiam ouvir-se na povoação em noites calmas. Outras vezes poderia ouvir-se a referida princesa cantar melodiosas canções de saudade, cujas palavras não seriam perceptíveis.
Segundo a lenda, o tesouro seria constituído pelo tear, o pente e muitos outros utensílios e jóias da princesa, incluindo um manto, tudo em ouro. Mas tratando-se de um tesouro encantado, este só poderia ser descoberto por pata de ovelha e ponta de relha.

Fonte: MARTINS, João Vicente – Moimenta da Raia – uma aldeia
comunitária em evolução e mudança, Braga, Ed. Autor, 1995, p. 83

A cisterna da Torre de Dona Chama




No castelo da Torre de Dona Chama [concelho de Mirandela] há uma cisterna com uma moura encantada em mulher da cinta para cima e serpente da cinta para baixo. Uma vez passou por ali um homem, e a moura chamou-o e disse-lhe que fosse lá ao outro dia desencantá-la, e que não tivesse medo, porque ela nesse dia apareceria toda serpente, mas o homem ficaria rico. O homem foi. Quando a serpente ia a subir pelo homem acima, a dar-lhe um beijo na boca, assim que chegou à garganta, este intimidou-se e atirou-lhe com o casaco. A serpente enroscou-se, fugiu e exclamou:
– Ah! Que dobraste o meu encanto!
Ainda assim ela mandou ao homem que a certas horas fosse lá a um lugar, onde acharia uma pedra com doze vinténs, todos os dias. Nessa cisterna, na manhã de S. João, ouve-se um tear a trabalhar.

Fonte: VASCONCELLOS, J. Leite – Contos Populares e Lendas,

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Este Silêncio - Camané



Há um silêncio pesado
Que não sei de onde é que vem
Nem sei se lhe chamam fado
Ou que outro nome é que tem

Se canto, não me dói tanto
O coração magoado
Mas há em tudo o que canto
Este silêncio pesado

Não é mágoa nem saudade
Nem é pena de ninguém
O silêncio que me invade
E não sei de onde é que vem

Silêncio que anda comigo
E que mesmo sem eu querer
Diz através do que eu digo
O que eu não posso dizer

Este silêncio pesado
Que me suspende e sustém
Não sei se lhe chamam fado
Ou que outro nome é que tem

Se com palavras se veste
A alegria e o pranto
Então que silêncio é este
Que há em tudo o que eu canto

mãos que fumam, fumam...


Brandas e Inverneiras - Lã


Nas Serras do Soajo e da Peneda existe um tipo de povoamento muito típico: as Brandas e Inverneiras.
São núcleos habitacionais temporários cuja origem se prende com a necessidade das populações utilizarem os pastos localizados na serra para alimentar o gado. Este processo de transumância tem a ver com a garantia de alimentos e, consequentemente, com a sobrevivência humana.
A Inverneira, como o nome indica, é a aldeia onde a família passa o Inverno. Localizam-se em vales, ou seja, em altitudes baixas. No princípio do Outono, as pessoas descem para a Inverneira permanecendo aí até Março. Nessa altura, sobem para a Branda, onde se fazem as sementeiras e onde se passa a maior parte do ano. Hoje em dia, nas poucas aldeias que mantêm a tradição, as pessoas apenas levam os animais e alguns haveres, ao contrário de antigamente, em que as pessoas levavam até a mobília.
As Brandas e Inverneiras são, sem dúvida, um elemento importante da cultura da população deste Território.


fotografias de Jorge  Barros
GERÊS - AQUI

domingo, 6 de novembro de 2011

mãos que partilham, mãos que recebem...

A Fonte do salgueirinho




A Fonte do Salgueirinho tem sido considerada um romance popular moderno devido à sua limitada distribuição geográfica e à falta de versões antigas. Contudo, como demonstro neste trabalho, evidência interna de carácter literário, linguístico e folclórico sugere que, na realidade, o poema é bastante antigo. A fonte como ponto de encontre para os amantes e a utilização eufemística de palavras como "cântara," "roca," "sarilho," "barbeiro," "lanceta," "sangrar," "veia" e "picada" eram correntes na Idade Média e no Renascimento. Essas metáforas aparecem frequentemente na poesia cortesã, em poesia francamente erótica, e noutros tipos de poesia antiga. Como alguns destes eufemismos já não se usam nem se entendem bem, o poema não pode constituir uma composição moderna. Por conseguinte, neste caso a tradição oral moderna suplementa, uma vez mais, o nosso conhecimento do passado, conservando-nos um velho poema que, caso contrário, nos seria completamente desconhecido. 

A Fonte do Salgueirinho


Né Ladeiras - A Fonte do Salgueirinho (voz de Adélia Garcia)

entre mãos...






Eugénio de Andrade - Coração Habitado

Aqui estão as mãos.
São os mais belos sinais da terra.
Os anjos nascem aqui:
frescos, matinais, quase de orvalho,
de coração alegre e povoado.

Ponho nelas a minha boca,
respiro o sangue, o seu rumor branco,
aqueço-as por dentro, abandonadas
nas minhas, as pequenas mãos do mundo.

Alguns pensam que são as mãos de deus
— eu sei que são as mãos de um homem,
trémulas barcaças onde a água,
a tristeza e as quatro estações
penetram, indiferentemente.

Não lhes toquem: são amor e bondade.
Mais ainda: cheiram a madressilva.
São o primeiro homem, a primeira mulher.
E amanhece.

Eugénio de Andrade

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

aos presentes e aos ausentes ...













1 e 2 de Novembro, práticas e costumes

Práticas Alimentares

Autores há que defendem constituírem as duas celebrações do dia 1 e dia 2 uma única festa, expressa e directamente ligada ao culto dos mortos.

Nas festividades de Todos os Santos, de Finados ou dos Fiéis Defuntos - e noutras comemorações de carácter cíclico ou pontual, religiosas ou profanas - vamos encontrar reminiscências de celebrações mágico-propiciatórias, de purificação ou profilácticas praticadas pelos nossos antepassados, representando, por sua vez, também elas resquícios de cultos naturalistas de deuses ou espíritos da vegetação, mais remotos ainda, tendo por objectivo o apaziguamento e a debelação do mal ou a procura da fertilidade e da abundância.

Na aldeia de Benquerença (Castelo Branco), no dia de Todos os Santos, faziam-se as tradicionais «papas de milho» ou de «carolo», comidas neste dia a hora da merenda ou à sobremesa. Manjar cerimonial desta data, as papas oferecem aos amigos ou familiares que apareciam como visita ou a quem passava, ocasionalmente, em casa de cada de cada um.

As papas de milho aparecem também no Alto Alentejo, caso de Arronches (Portalegre), onde lhes juntam passas, nozes e castanhas, e de Castelo de Vide, em que lhes adicionam açúcar e mel, enquanto no Algarve tomam o nome de «xarém».

Em Castelo de Vide o milho destinado às papas tradicionais deste dia era obrigatoriamente moído nas «zagarelhas» (moinhos manuais).

Em Aveiro, em vez de milho, as papas são feitas de abóbora-menina, costume que só neste lugar se verifica, conquanto confeccionadas especialmente para o dia dos Fiéis Defuntos.

No distrito de Bragança (Trás-os-Montes), antigamente, no dia 1 de Novembro os rapazes comiam dois chibos, um deles oferecido pelos próprios rapazes, o outro pelas raparigas.

Também na aldeia de Cidões (mesma região) é tradição antiga, na noite de 31 de Outubro para 1 de Novembro, os habitantes reunirem-se numa refeição conjunta, tendo por prato cerimonial a carne de cabra. Nas mesas improvisadas ao ar livre, além da abundância de vinho, comem-se ainda castanhas e maçãs. Enquanto decorre a ceia, arde perto dos convivas (aldeia em peso) a chama acolhedora do «canhoto», nome dado ali à tradicional «fogueira dos santos».


O Roubo Ritual

Ainda no dia de Todos os Santos, em certas localidades do Norte, continua a verificar-se o hábito de praticar o «roubo ritual», que consiste em furtar objectos diversos (vasos de flores das janelas, cancelas, carro de lavoura e outros utensílios), que são deixados no meio dos caminhos ou colocados no adro das igrejas. A praxe inclui ainda o roubo de animais, que se levam para longe e se abandonam depois presos a uma árvore.
Estas diversões rituais terão origem nas liberdades licenciosas de natureza mágico-propiciatória praticadas em épocas remotas, cujas reminiscências, à semelhança de muitas outras, perduram ainda hoje um pouco por todo o mundo associadas às festividades cíclicas actuais, religiosas e profanas.



Pão por Deus

Como representantes dos mortos, vamos encontrar no dia dos Fiéis Defuntos e até no dia de Todos os Santos, crianças e pobres que pedem de porta em porta o «pão por Deus», isto é, os manjares cerimoniais que lhes são oferecidos nesta data, afirmando o povo que, «por cada bolo por eles comido, há uma alma que se livra do Purgatório». Crianças e adultos representam, assim, as almas dos mortos que «neste dia erram pelo mundo», simbolizando a oferta do pão por Deus a esmola que se dá por intenção dos defuntos ou uma dádiva feita às próprias almas.
Os grupos de crianças que pedem de porta em porta o «pão por Deus» recebem em troca romãs, nozes, figos, pêros, maçãs, pinhões, rebuçados, bolachas, pequenos pãezinhos e também dinheiro, que guardam destinado aos donativos.

Até há alguns anos atrás, tão enraizada entre nós a oferta do repasto e donativos neste dia em favor dos mortos que, em cumprimento dessa crença, nela tomavam parte como delegados dos defuntos as crianças e os adultos não necessitados, chegando, por intenção das almas a ser enviado, em certas localidades o «pão por Deus» a familiares e amigos.

(…)

Em Lamego chamam aos bolos desta quadra «santoros»  ou «santórios», com forma de pães alongados ostentando nas pontas duas saliências imitando chifres – designados popularmente «cornos» (cuja praxe obrigava a que nessa noite fossem colocados debaixo das almofadas das crianças, com sentido de protecção, ritual ainda hoje mantido, embora sem a adesão de outrora).
Na região da Guarda levam a designação de «santórum» e apresentam um formato oval.
Em Coimbra dão-lhe o nome de «bolinhos bolinhós», tomando em Leiria (mesma região)o nome de «merendeiras», ou «bolos santos».
Em Idanha-a-Nova, os bolinhos tomam o nome de «broinhas dos santos». Na Batalha (Beira Litoral) são uma vez mais os «santoros» ou «santorinhos» [destes comi eu - Rebolaria, Batalha] que as crianças, no dia de Todos os Santos, pedem um pouco por todo o concelho.
Em Óbidos as mulheres fazem as «merendeiras» (pequenos pães de milho com açúcar e erva-doce).

No Alentejo são representados por pequenos pães cozidos especialmente para este dia, conhecido ali por «dia dos bolinhos», continuando a juntar-se à dádiva dos bolos maçãs, pêros, passas de uva, figos secos, nozes, pinhões, amêndoas, castanhas, marmelos e romãs.
No Algarve, os bolos tomam a forma de pequenas broas de farinha de milho, mel, erva-doce e azeite. Em Lagos, os «bolinhos» são achatados, levam farinha, açúcar e erva doce e são cozidos no forno sobre folhas de figueira ou couve.

Em São Miguel (Açores) confeccionam-se nesta quadra as «escaldadas» pequenos pães feitos com farinha de milho, leite e açúcar. 

IN: Soledade Martinho Costa e Jorge Barros (2002), Festas e Tradições Populares: Março e Abril. Lisboa: Círculo de Leitores.

2 de Novembro - Dia de finados - Comemoração de Todos os fiéis defuntos





fotografia de Jorge Barros
A caminho do cemitério, Cós, Alcobaça, 2 de Novembro de 1989



sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Encontro Inter-Religioso, em Assis

DISCURSO DO PAPA BENTO XVI
Assis, Basílica de Santa Maria dos Anjos
Quinta-feira
, 27 de Outubro de 2011

(...)

Ao lado destas duas realidades, religião e anti-religião, existe, no mundo do agnosticismo em expansão, outra orientação de fundo: pessoas às quais não foi concedido o dom de poder crer e todavia procuram a verdade, estão à procura de Deus. Tais pessoas não se limitam a afirmar «Não existe nenhum Deus», mas elas sofrem devido à sua ausência e, procurando a verdade e o bem, estão, intimamente estão a caminho d’Ele. São «peregrinos da verdade, peregrinos da paz». Colocam questões tanto a uma parte como à outra. Aos ateus combativos, tiram-lhes aquela falsa certeza com que pretendem saber que não existe um Deus, e convidam-nos a tornar-se, em lugar de polémicos, pessoas à procura, que não perdem a esperança de que a verdade exista e que nós podemos e devemos viver em função dela. Mas, tais pessoas chamam em causa também os membros das religiões, para que não considerem Deus como uma propriedade que de tal modo lhes pertence que se sintam autorizados à violência contra os demais. Estas pessoas procuram a verdade, procuram o verdadeiro Deus, cuja imagem não raramente fica escondida nas religiões, devido ao modo como eventualmente são praticadas. Que os agnósticos não consigam encontrar a Deus depende também dos que crêem, com a sua imagem diminuída ou mesmo deturpada de Deus. Assim, a sua luta interior e o seu interrogar-se constituem para os que crêem também um apelo a purificarem a sua fé, para que Deus – o verdadeiro Deus – se torne acessível. Por isto mesmo, convidei representantes deste terceiro grupo para o nosso Encontro em Assis, que não reúne somente representantes de instituições religiosas. Trata-se de nos sentirmos juntos neste caminhar para a verdade, de nos comprometermos decisivamente pela dignidade do homem e de assumirmos juntos a causa da paz contra toda a espécie de violência que destrói o direito. Concluindo, queria assegura-vos de que a Igreja Católica não desistirá da luta contra a violência, do seu compromisso pela paz no mundo. Vivemos animados pelo desejo comum de ser «peregrinos da verdade, peregrinos da paz».