terça-feira, 29 de março de 2011

Mantas Tradicionais Alentejanas

As Fontes

2. As Fontes

Na tradição e na cultura mediterrânica, seja judaica ou portuguesa, as fontes e os poços são locais onde se realizam encontros essenciais. É junto das fontes e da água que o amor nasce e os casamentos se iniciam. É junto das nascentes que se concentram os cultos. Todo o  santuário tem uma fonte. Tinham uma fonte os santuários orientais, tem uma fonte a Senhora do Almortão. Têm uma fonte ou chafariz ou ribeiro todas as ermidas de Portugal.

A sagração das fontes é um acto universal, pois a fonte é a boca da água viva ou da água  virgem. A água que brota da fonte é a água das chuvas, é o sémen divino, é a maternidade. Por isso é que as mouras estão encantadas nas fontes e beber nelas é conhecer. Beber água nestas fontes é ficar encantado. Por isso é que se costuma dizer, a propósito do rapaz que casa noutra terra que não a sua: bebeu água da fonte... e ficou por cá.

As fontes, em Portugal, têm moiras encantadas. No dizer de C. Pedroso, as moiras portuguesas são «génios femininos das águas», irmãs das germânicas nixen, das inglesas lac-ladies, das russas rusalki, das sérvias vilas, das escandinavas elfen e das gregas naiadas. Diríamos que são irmãs menos conhecidas da Lady of de Lake dos Cavaleiros da Távola Redonda. Seguindo o mesmo autor, as moiras aparecem como génios maléficos que perseguem o homem, como fiandeiras e construtoras de monumentos e como guardadoras de tesouros encantados; mas a sua maior função e razão de serem conhecidas é de serem génios femininos das águas. Não há fonte portuguesa que não tenha uma moira que ora tem a forma de serpente e exerce feitiço sobre os viandantes, ora tem a forma de uma linda donzela que promete riqueza e felicidade a quem colocar fim ao seu encantamento. O dia e a hora primordial de aparecimento é a Noite de São João, à Meia-Noite. Nesta noite, a serpente, a moira, a grande mãe, que são uma e a mesma coisa, liberta-se da autoridade do pai, diz M. E. Santo. Liberta-se e acontece a noite de maior sensualidade e sexualidade de todo o calendário agro religioso rural.

António Maria Romeiro Carvalho

A Moura de Algoso

Algoso é uma pequena aldeia perdida nas serranias transmontanas. Diz uma lenda que ainda hoje por lá corre que, no tempo dos Mouros existia nos arredores um bruxo famoso, conhecedor de mezinhas milagrosas e sabedor do passado e do futuro. Vivia num casebre um pouco afastado da povoação, mas nem a pobreza da sua casa, nem o afastamento da mesmo obstavam a que ali acorressem quantos acreditavam nas suas capacidades mágicas ou videntes.

Na verdade, ricos e pobres, de longe ou de perto, todos ali acudiam em busca de cura para os seus males, pedindo filtros de amor ou indagando sobre o que lhes reservaria o futuro.

Em certos dias era uma autêntica romaria. E com tudo isto o bruxo criou fama e proveito de homem rico, apesar de continuar a viver no pobre casebre tentando fazer-se passar por miserável. Entretanto, os cristãos iam avançando na reconquisto de território ainda sobre a dependência dos Mouros e estavam a aproximar-se rapidamente de Algoso. Sabendo disto o bruxo, que não podia prever o seu próprio futuro, calculou que a ocupação cristã não viesse a ser muito demorada e decidiu esconder os seus tesouros, disposto a recuperá-los mais tarde, quando pudesse recuperar o seu oficio.

Assim pensando, escolheu o que poderia carregar consigo, e o restante, as jóias e o ouro, meteu-o num cofre de marfim chapeado a cobre. Feito isto, e como precisava de encontrar um bom esconderijo para a sua fortuna, partiu com o cofre debaixo do braço em demanda do melhor local.

Depois de muito procurar, achou que o melhor sitio era debaixo da fonte de S. João, debaixo das raízes de um enorme e belo chorão que derramava a sua sombra as águas. Pegou numa enxadinha e cavou um buraco apropriado ao tamanho do cofre. Meteu-o lá dentro, tapou-o com terra e disfarçou a obra com folhagem e gravetos.

Terminando o trabalho, levantou-se e olhou em volta. Espantado, viu uma mourinha que, descuidada, descia uma vereda da serra cantando uma velha canção. Convencido que a moura o vira esconder o cofre e estava agora a disfarçando o caso, o bruxo encaminhou-se para ela, olhou-a com uma estranha fixidez, fez uns sinais misteriosos e, recitando certa oração antiga, lançou sobre a menina um encantamento, de tal modo que ela desapareceu no mesmo instante. Casquinhando, esfregou as mãos, pegou nos seus haveres e desandou rapidamente para a floresta, donde nunca mais voltou. A lenda da moura de Algoso foi passando de boca em ouvido, de geração em geração.

A fonte de S. João de resto, continuava ali, lembrando a todos a desdita da mourinha encantada pelo bruxo e desafiando a coragem de quem sonhasse desencantá-la. Uma noite, muito próxima da de S. João, uma rapaz de Algoso que se apaixonara pela história sonhou que via a moura na fonte. Mal acordou, decidiu que, desse lá por onde desse, havia de tentar ver na madrugada de S. João se a lenda era verdadeira. Além disso, como corria se alguém visse a moura nas suas horas felizes lhe podia fazer três pedidos, os quais seriam atendidos, o rapaz achou que, apesar do medo, era talvez vantajoso fazer aquela tentativa. Na véspera de S. João, encaminhou-se para a fonte ainda antes de anoitecer por completo. Procurou um local para se esconder, um local de onde visse sem ser visto, e preparou-se para esperar pela meia noite sem fazer ruído algum. O velho chorão da fonte, já centenário, continuava lançando sobre a água os seus ramos lacrimejantes

Do outro lado, havia agora um belíssimo roseiral, donde provinha um perfume intenso quando todas as rosas abriam. Chegou a meia noite. De repente o rapaz ouviu uma restolhada vinda das bandas do roseiral. Era uma enorme serpente que, rastejando, se dirigia para a fonte. Aí chegada, mergulhou três vezes. Qual não foi o espanto do moço quando viu aparecer sobre as águas uma menina: a moura da fonte e... mais bela do que tradição contava. A moura saltou com leveza da rocha para o solo e, sentando-se na borda da fonte, começou a cantar uma suave canção que o marulhar da água acompanhava, enquanto ela ia passando um pente pelos seus cabelos loiros. Subitamente, uma corça apareceu vinda da floresta e, sem mostrar qualquer receio, aproximou-se da moura, que a afagou com ternura. A corça, num gesto de agradecimento, lambeu-lhe as babuchas de damasco azul.

Era realmente um espectáculo de beleza que o rapaz jamais esperava encontrar, E, acocorado no seu canto, esqueceu os três pedidos que queria fazer, esqueceu tudo, esqueceu-se até de si mesmo, até que, bruscamente, a moura parou de se pentear, debruçou-se no tanque e desatou num pranto irreprimível. Chorava, talvez, a dor da sua solidão sem fim. Condoído, o rapaz fez um movimento para a consolar, esquecido do que não fosse aquela ânsia de ternura que dele se apoderara. Ao erguer-se, porém, fez estalar sob o corpo os ramos da sebe em que se escondera. A corça embrenhou-se rapidamente no mato e a moura desapareceu subitamente, evolando-se numa névoa sobre a águas da fonte de S. João de Algoso.
AQUI

segunda-feira, 28 de março de 2011

quinta-feira, 10 de março de 2011

alfarroba

Licor de alfarroba

Ingredientes:

- 1 litro de aguardente
- 1 kg de açúcar
- 1 litro de água
- 2 vagens de alfarroba maduras partidas aos bocados
- 2 chávenas de alfarroba torrada e moída fina
- casca de 1 limão


MODO DE FAZER:
Põe-se o açúcar num tacho.
Junta-se-lhe a água e a alfarroba(farinha) e leva-se ao lume, mexendo sempre até ferver.
Desliga-se o lume, deixa-se amornar e junta-se a aguardente.
Mexe-se bem.
Num frasco deita-se esta mistura, a casca de limão e as vagens de alfarroba.
Tapa-se bem e deixa-se de infusão durante 10 dias.
Todos os dias mexe-se com colher de pau-
Ao fim deste tempo, filtra-se (por papel de filtrar, ou saquinhos de filtrar que se compram na farmácia) e põe-se em garrafas, bem fechado.


sobre a utilização da alfarroba:

AQUI

sexta-feira, 4 de março de 2011

Abd al-Malik ibn Abd Allah ibn Badrun al-Hadram - O AMOR



O amor é feito de prazer:
Então é só beijos e abraços.
Depois chega a hora de sofrer:
Palavras amargas seguem nossos passos
E nos apartamos como quem vai morrer.
Oh, se no amor não mais acreditasse
Melhor fora que a minha vida se acabasse!

Abd al-Malik ibn Abd Allah ibn Badrun al-Hadrami, Silves, (XII-XIII) 
IN: Poetas do Gharb al-Ândalus

Ficar é morrer

POIS NÃO sabes, minha amiga,
Que ficar é morrer
E que a morada do cobarde é o seu túmulo?
O perigo me dará a recompensa.
Não viste o voo das aves da noite
Por ti afugentadas? Não auguraram,
Voando pela direita, que era tempo de alegria?
Ensinaram-me a temer longas viagens,
Mas são o meio de beijar a mão de Almançor
Venha, pois, a água salobra dos desertos
Para alcançar a torrente límpida da generosidade!
Quando a minha amiga veio para o adeus
Trouxe soluços e suspiros, inimigos da coragem,
E suplicou-me: Em nome do nosso amor e em nome da paixão!
No berço ficava o nosso filho: Um menino chorando,
Que não falava, mas através do olhar
Me trespassava a alma.
Mas nem a dona de mim
Nem meu filho das entranhas
Fizeram que obedecesse.
E na ânsia da viagem
Eis que, por fim,
Eu parti.

Ibn Darraj Al Qastalli (958-1030), poeta do Al Andalz

sábado, 5 de fevereiro de 2011

obrigada Filipa

 

I. Danzas moriscas & la diaspora sefardi / Folies d'Espagne




O Gharb al-Andalus em dois geógrafos árabes do século VII / XIII: Yâqût al-Hamâwî e Ibn Sa‘îd al-Maghribî.



Poço/cisterna de Silves (autor não identificado

  
Madînat Shilb ( Cidade de Silves )

 
É uma cidade no ocidente de al-Andalus. Entre ela e Beja, são três dias. Está a oeste de Córdova. É a capital do distrito administrativo de Ocsónoba. E entre ela e Córdova são dez dias para o cavaleiro veloz. Fui informado de que não há em al-Andalus, para lá de Sevilha, outra [cidade] como ela. Entre ela e Santarém, são cinco dias. Ouvi dizer a muitos: “ Poucos serão aqueles entre a sua gente que não digam poesia e não se interessem pela cultura. E se passares por um agricultor detrás da sua junta de bois, e lhe sugerires um mote, glosá-lo-á na hora [e de forma correctíssima]”(1).
(Ed.: III, pp. 357-8; trad.GAK, pp. 200-1)
NOTA
1. Esta passagem relativa à grande capacidade de improvisação poética dos habitantes de Silves e sua região, encontra-se também noutros autores árabes, como al-Idrîsî (Nuzhat al-Mushtâq (ou Kitâb Rujjâr), ed. E. CERULLI et all., ...

Aqui:
O Gharb al-Andalus em dois geógrafos árabes do século VII/XIII: Yâqût al-Hamâwî e Ibn Sa‘îd al-Maghribî
Na tradição imemorial da conjugação de duas artes, a poesia e a música, o romanceiro hispânico surge porventura, na cultura europeia ocidental, como um dos mais antigos testemunhos, tendo mantido viva a sua transmissão em várias regiões do mundo como as que, para além da península ibérica, acolheram a diáspora sefardita.
Romances de Alcácer Quibir propõe-se abordar essa tradição oral, não só com o seu estudo textual e musical, mas também com a performance de algumas peças que fazem parte do património cultural de uma família oriunda daquela cidade marroquina, onde hoje já não vive. Parte desses romances foram transcritos de memória, na década de 1980, por um dos seus membros e os outros foram recolhidos por um descendente da mesma família, ouvindo cantar parentes mais velhos.
Para além de uma edição crítica dessa recolha, assim como da sua gravação musical em CD, este volume compila o conjunto de comunicações que lhe foram dedicadas nos dias 9 e 10 de Dezembro de 2004 na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa por especialistas internacionais.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Ibn Abdun de Évora



Aflige o Destino, depois do olhar, com marcas.
Porquê chorar agora por sombras e quimeras?

Cuidado! Tem cuidado! Nunca é demais lembrar-te:
Entre o dente a garra do leão não adormeças!

Não deixes que a vida te iluda e entorpeça,
Se o condão dos seus olhos é vigiar sem trégua.

Oh, noites! Queira Deus afastar-nos do seu ócio,
Noites que a Sorte muda, com mão traiçoeira.

O seu prazer engana: é flor que traz no seio
A víbora que ágil se atira a quem a colhe.

De tanta dinastia que Deus favorecera
O que ficou? Há rastos? Pergunta à tua memória!


IBN ABDUN DE ÉVORA
(c. 1050 - 1135)


O Extremo Ocidente Ibérico

O Extremo Ocidente Ibérico

Cláudio Torres *

Janus 1999-2000

As fronteiras geoclimáticas do Mediterrâneo, matriz das mais velhas civilizações marítimas e urbanas, são o enquadramento dos territórios e espaços onde se implantou fortemente, primeiro o Império Romano e depois o Islão. A civilização islâmica não pode ser divorciada deste seu contexto geográfico e cultural. Não podemos explicar as mutações religiosas do século VII, com a fulgurante expansão muçulmana, mencionando apenas as invasões de povos originários das Arábias e de outras orlas desérticas exteriores ao mundo civilizado das grandes cidades marítimas.

A islamização é um processo complexo que não pode ser dissociado das tradições urbanas mediterrânicas onde os sistemas religiosos e nomeadamente o cristianismo estavam nessa altura a ser sacudidos por graves cismas teológicos. A nova mística religiosa, a busca das origens, a boa nova do Corão foi assimilada e difundida no meio citadino e mercantil e não, certamente, imposta a fio de espada pelos esquadrões militares de profissionais da guerra.

Se aceitarmos estes pressupostos, já poderemos melhor enquadrar os fenómenos políticos, sociais e artísticos acalentados durante os séculos do Islão Ibérico e que definem uma civilização e um estilo próprio e irrepetível.

A história da Península Ibérica tem sido marcada tradicionalmente pela invasão das tropas de Tarik em 711 e pela mítica batalha de Guadalete, quando as hostes da cristandade, vencidas pelos sarracenos, teriam sido obrigadas a refugiar-se nas montanhas do Norte. Hoje porém, na explicação de uma tão genial estratégia e de um tão rápido e eficaz proselitismo religioso que, em meia dúzia de anos se impôs a quase toda a Península Ibérica, as investigações arqueológicas, e de um modo geral a historiografia mais recente, tendem a desvalorizar os factos militares.

Em vez de uma maciça instalação de muitos desmobilizados como colonizadores-povoadores, opta-se claramente por um fenómeno de aproximação e síntese cultural liderado – por embarcadiços, artesãos e mercadores, que aproveitaram a abertura das grandes rotas marítimas para fundar ou revitalizar um outro espírito de cidade. Em vez de cenários urbanos destruídos ou arruinados do velho Império Romano, em vez de cicatrizes deixadas pela imposição de novas formas de vida e civilização, nota-se, a partir do século IX, um processo generalizado de ressurgimento do labirinto urbano da cidade segmentada mediterrânica. Esta linha de continuidade civilizacional será apenas interrompida pela "Reconquista", quando são introduzidos nas terras do sul os primeiros corpos estranhos de uma nova formação social que, de um modo geral, catalogamos como feudalismo.

A islamização da Península Ibérica, ao contrário de uma imposição militar, resultou sobretudo de uma rápida conversão das populações citadinas mais abertas à troca de mercadorias e de ideias, tendo naturalmente acompanhado e incentivado a abertura de novas rotas e mercados com um evidente acréscimo em quantidade e variedade dos produtos e artefactos. A importação, por vezes longínqua, de tecidos, cerâmicas, armas e metais lavrados, além de alimentar novos gostos e apetites, vai também encorajar produções locais que, embora mantendo algumas referências ao modelo inicial, em breve se autonomizam, iniciando linguagens estéticas inovadoras e consolidando outros circuitos regionais.

Apesar de um relacionamento frequente entre o Oriente mediterrânico e o Al Andalus – como é referido na conhecida documentação do século XI depositada na sinagoga Genisa do Cairo – um dos maiores centros abastecedores dos mercados do Gharb parece ter sido a região de Tunis e Kairouan, na actual Tunísia, que durante os séculos IX e X recuperam a sua importância como centros religiosos e culturais. No Mediterrâneo Ocidental, o intercâmbio económico e os laços culturais eram nessa época tão intensos como nos tempos de Santo Agostinho (séc. V d.C), em que os modelos arquitectónicos e decorativos da arte cristã da velha Cartago servindo de modelo às basílicas e baptistérios da Hispânia meridional, veicularam também novas ideias, muitas vezes pouco ortodoxas, que serviram de matriz aos mais variados cismas e heresias.

Só a partir dos séculos X e XI a faixa costeira da Argélia Ocidental e as actuais cidades portuárias de Ceuta ou Tânger começam a desenvolver-se por influência de Córdova e de outras capitais do Al Andalus que em todo o Ocidente se afirmara incontestavelmente como centro polarizador. Atravessar o golfo do Algarve, ou o mar de Alboran, ligando Faro e Arzila, ou Almeria a Argel, passa a ser bem mais fácil e rápido do que viajar, por exemplo, entre Tavira e Lisboa, em cujo percurso se levantavam os mares agitados e os ventos adversos do cabo de S. Vicente.

Na Península Ibérica é notória uma sintomática coincidência entre o limite dos territórios mais romanizados, as fronteiras interiores do Al Andalus e as grandes cordilheiras montanhosas que marcam os confins setentrionais geoclimáticos do Mediterrâneo. Esta barreira natural das Serras – como os geógrafos e cronistas andaluzes chamavam à sequência montanhosa de Guadarrama, Gredos e Estrela – sempre separou as culturas mediterrânicas das civilizações do Norte, tradicionalmente ligadas aos reinos continentais de além Pireneus. Aqui, nas cumeadas que repartem as águas das bacias hidrográficas do Tejo e do Douro, passa, visivelmente bem marcada, a linha separadora dos falares do Norte dos falares do Sul, das formas e técnicas de construir e de habitar, dos hábitos e costumes ligados a mundos com raízes antropológicas e culturais distintas.

Aliás, é tão poderosa esta fronteira natural e também cultural, que as suas melhores passagens e portos de atravessamento irão constituir, cada um deles, como que a matriz geradora dos quatro novos reinos cristãos talhados a fio de espada sobre as terras do Sul. Depois da entrada do Ebro que justificou o Reino de Aragão, dos desfiladeiros da serra de Guadarrama que desembocam na meseta de Castela e da velha Via da Prata, sobre a qual se estendeu o reino de Leão, destaca-se o último e mais ocidental corredor Norte-Sul, que, sobrepondo-se também a uma importante via romana, ligava Braga a Lisboa. Uma velha ponte sobre o Mondego, no local onde as suas águas amansam e se ergue Coimbra, marcava simbolicamente o cruzamento das fronteiras do Sul e o ponto simbólico unificador do Reino de Portugal.

Continua: Aqui



711 - 2011

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010


para a Lenita



TUTELARIS RE­GNI

Foi por provisão de 25 de Março do referido ano de 1646 que se mandou tomar por padroeira do reino Nossa Senhora da Conceição. Comemorando este facto cunharam-se umas medalhas de ouro de 22 quilates, com o peso de 12 oitavas, e outras semelhantes mas de prata, com o peso de uma onça, as quais foram depois admitidas por lei como moedas correntes, as de ouro por 12$000 réis e as de prata por 600 réis. Segundo diz Lopes Fernandes, na sua Memoria das medalhas, etc., consta do registo da Casa da Moeda de Lisboa, liv. 1, pag. 256, v. que António Routier foi mandado vir de França, trazendo um engenho para lavrar as ditas medalhas, as quais se tornaram excessivamente raras, e as que aquele autor numismata viu cunhadas foram as reproduzidas na mesma Casa da Moeda no tempo de D. Pedro II. Acham-se também estampadas na Historia Genealógica, tomo IV, tábua EE. A descrição é a seguinte: JOANNES IIII, D. G. PORTUGALIAE ET ALGARBIAE REX – Cruz da ordem de Cristo, e no centro as armas portuguesas. Reverso: TUTELARIS RE­GNI – Imagem de Nossa Senhora da Conceição sobre o globo e a meia lua, com a data de 1648, e; nos lados o sol, o espelho, o horto, a casa de ouro, a fonte selada e arca do santuário.

domingo, 5 de dezembro de 2010


É bem provável que a expressão "ir às sortes" não te diga nada. As "sortes" eram as inspecções militares obrigatórias. A rapaziada que vinha do campo para a cidade, aproveitava as caricas das bebidas para fazer este instrumento. Como curiosidade nos AÇORES as caricas são substituidas por "soalhas, pedaços de ferro" e em vez de chincalhos chamam-lhe "SISTRO". São parecidos com uma fisga, isto é, tomando feitio de um "V".

Execução

castanholas de cana

feto-de-folha-hera

Asplenium hemionitis (feto-de-folha-hera)

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Lenda da Fonte da Moura

    Numa herdade onde eu vivi com os meus pais, chamada “Cacharroeira” havia uma fonte onde diziam que noutros tempos habitava uma moura encantada.
     Certo dia, ao passar junto da fonte, um caçador viu sentada numa pedra uma linda mulher a pentear-se.
     Logo que esta deu pelo caçador desapareceu imediatamente em direcção à fonte, ouvindo ele só o rastejar de umas correntes de ferro.
     Espreitando para dentro da fonte apenas viu uma enorme serpente da qual conta a lenda ser a dita moura encantada.
     Como diziam que quem matasse a serpente desencantava a moura e casaria com a princesa...
     Alguns homens cavaram na fonte para a conseguirem matar, o que não sucedeu. E ali ficou um poço que ainda hoje é chamado o Poço da Moura.

domingo, 7 de novembro de 2010

Oh que janela tão alta


Oh que janela tão alta
feita de cal e areia
oh que menina tão linda
numa janela tão feia

Janela de pau de pinho
que a meu respeito te abriste
torna-te a cerrar janela
disfarça que me não viste

Além naquela janela
eu a fiz eu a risquei
a menina que lá mora
só por morte deixarei
 
A. Guimarães (Arranjos: Pedro Caldeira Cabral)
Letra e música: popular; Intérprete: Vitorino;

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Cante Alentejano




Ceifeiros de Cuba, na Taberna do Lucas, em Cuba, Alentejo.
ver também: http://cantoalentejano.com/fonoteca/index.php

terça-feira, 26 de outubro de 2010

A BELA E A COBRA

Era uma vez um rei que tinha três filhas, uma das quais era muito formosa e ao mesmo tempo dotada de boas qualidades. Chamava-se Bela. O rei tinha sido muito rico, mas, por causa de um naufrágio, ficou completamente pobre.

Um dia foi fazer uma viagem; antes porém perguntou às filhas o que queriam que ele lhes trouxesse.

– Eu, disse a mais velha, quero um vestido e um chapéu de seda.

– Eu, disse a do meio, quero um guarda-sol de cetim.

– E tu que queres? – perguntou ele à mais nova.

– Uma rosa tão linda como eu, respondeu ela.

– Pois sim, disse ele.

E partiu.

Passado algum tempo trouxe as prendas de suas filhas, disse à mais nova:

– Pega lá esta linda rosa. Bem cara me ficou ela!

Bela ficou muito preocupada e perguntou ao pai por que é que lhe tinha dito aquilo. Ele, a princípio, não lho queria dizer, mas ela tantas instâncias fez, que ele lhe respondeu que no jardim onde tinha colhido aquela rosa encontrou uma cobra, que lhe perguntou para quem ela era; que ele lhe respondeu que era para a sua filha mais nova e ela lhe disse que lha havia de levar, se não que era morto. Depois disse ela:

– Meu pai, não tenha pena, que eu vou.

Assim foi. logo que ela entrou naquele palácio, ficou admirada de ver tudo tão asseado, mas ia com muito medo. O pai esteve lá um pouco de tempo e depois foi-se embora. Bela, quando ficou só, foi a uma sala e viu a cobra. Ia-se a deitar quando começaram a ajudarem-na a despir. Estava ela na cama quando sentiu uma coisa fria; deu um grito e disse-lhe uma voz: – Não tenhas medo.

Em seguida foi ver o que era e apareceu-lhe uma cobra. Ela, a princípio, assustou-se, mas depois começou a afagá-la. Ao outro dia de manhã apareceu-lhe a mesa posta com o almoço. Ao jantar viu pôr a mesa, mas não viu ninguém; a noite foi-se deitar e encontrou a mesma cobra. Assim viveu durante muito tempo, até que um dia foi visitar o pai; mas quando ia a sair ouviu uma voz que lhe disse:

– Não te demores acima de três dias, senão morrerás.

Ia a continuar o seu caminho e já se esquecia do que a voz lhe tinha dito. Chegou a casa do pai. Iam a passar três dias quando se lembrou que tinha de tornar; despediu-se de toda a sua família e partiu a galope; chegou lá à noite, foi-se deitar, como tinha de costume, mas já não sentiu o tal bichinho. Cheia de tristeza, levantou-se pela manhã muito cedo, foi procurá-lo no jardim e qual não foi a sua admiração vendo-o no fundo dum poço! Ela começou a afagá-lo chorando; mas, quando chorava, caiu-lhe uma lágrima no peito da cobra; assim que a lágrima lhe caiu a cobra transformou-se num príncipe, que ao mesmo tempo lhe disse:

– Só tu, minha donzela, me podias salvar! Estou aqui há uns poucos de anos e, se tu não chorasses sobre o meu peito, ainda aqui estaria cem anos mais.

O príncipe gostou tanto dela que casou com ela e lá viveram durante muitos anos.


José Leite de Vasconcelos, Contos Populares e Lendas, 1963
in:http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/infantil/jleite.html

domingo, 24 de outubro de 2010


Passando por Fajão um almocreve que vendia sal, logo lho compraram e semearam como se semeassem centeio.

Passou-se muito tempo, e como o sal não nascesse, tomaram a resolução de esperar o homem que lhes tinha vendido o sal.
Chegando a aparecer, os homens perguntaram-lhe, indignados, que lhes tinha ele vendido, pois tinham semeado o sal e ele não nasceu.

Disse-lhes então o vendedor:

- Pois vocês deixaram-no comer os gafanhotos!
E foi o que lhe valeu, dar esta desculpa.

De facto, antigamente havia muitos gafanhotos, e de tempos a tempos vinham mesmo pragas de gafanhotos que roíam as hortas e tudo. De modo que os de Fajão resolveram juntar-se e fazer-lhes uma batida.

Armaram-se de espingardas e foram para os campos onde os gafanhotos andavam, para lhes darem caça.

A certa altura um gafanhoto saltou e foi poisar-se no peito do Pascoal.
O Pascoal viu que tinha um gafanhoto poisado no peito, e então não falou, para não espantar a caça, mas fez sinal a outro caçador, e apontou com o dedo para onde estava o gafanhoto.

Claro está que o Pascoal caiu também, como morto. Mas por sorte não morreu, porque o tiro era fraco.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

domingo, 15 de agosto de 2010

Assunção de Nossa Senhora - Dormição




São Bento da Porta Aberta





A 15 de Agosto decorre em Rio Caldo (Terras de Bouro, Minho) a grande romaria de São Bento da Porta Aberta.
«Porquê São Bento da Porta Aberta?», aqui fica uma das explicações.
Acontece que a porta do santuário de São Bento era fechada no final do dia. Porém, mal a noite se instalava, a porta parecia aberta. Por essa altura, muitos eram os crentes vindos do lado espanhol. Ora, chegados à localidade de Rio Caldo, não tinham onde pernoitar. Seria, pois, São Bento quem abria a porta, de modo a dar guarida aos peregrinos que vinham até ele.
Das muitas práticas que os devotos cumprem nesta romaria, o ritual maior consiste em beijar os pés da imagem do santo e do corvo que se encontra a seu lado (o corvo da tradição, que salvou São Bento de morrer envenenado ao roubar-lhe o pão que continha o veneno).
Também na romaria de São Bento o sal continua a representar um elemento gratulatório oferecido ao santo, segundo afirmam os devotos por ser «muito do agrado do santinho», sendo entregue na Casa do Sal, que se situa atrás do santuário.

Barros, Jorge e Soledade Martinho Costa (2002), Festas e Tradições Populares: Julho e Agosto. Lisboa: Círculo de Leitores.

terça-feira, 29 de junho de 2010

São Pedro - Montijo











Ainda em épocas passadas (1902), há referência à primeira queima de um barco no Páteo d'Água, ali colocado dias antes, ornamentado com flores e bandeiras.
À noite organizava-se um baile, cantava-se e dançava-se, enquanto era ateado fogo ao batel, continuando o bailarico ao redor da fogueira ...



Registe-se que as touradas foram introduzidas nos festejos da vila no século XVI, por provisão real do rei D. Manuel, «para diversão do povo».

Barros, Jorge e Soledade Martinho Costa (2002), Festas e Tradições Populares: Junho. Lisboa: Círculo de Leitores.

Trono a São Pedro

No Teixoso era uso os rapazes solteiros, na madrugada de 28 para 29 de Junho, depois de terem bailado ao redor das fogueiras perfumadas com rosmaninho, irem beber água a todas as fontes, enquanto pelos caminhos roubavam cravos, que ofereciam depois às namoradas ou moças da sua eleição.

Barros, Jorge e Soledade Martinho Costa (2002), Festas e Tradições Populares: Junho. Lisboa: Círculo de Leitores. 

São Pedro

Tu, que Diabo?, és velho.
Es o único dos trez que traz velhice
Às festas. Tuas barbas brancas
Têm comtudo um ar terno
A que o teu duro olhar não dá razão.
Parece que com essas barbas brancas
Por um phenomeno de imitação
Pretendes ter um ar de Padre Eterno.

Carcereiro do ceu, isso é o que és,
Basta ver o tamanho d'essas chaves —
As que Roma cruzou no seu brasão.
Segundo aquele passo do Evangelho
Do «Tu és Pedro» etcetera (tu sabes),
Que é, afinal, uma fraude,
Meu velho, uma interpolação.

Carcereiro do céu, que chaves essas!
Nem dão vontade de ser bom na terra,
Se, segundo evangelicas promessas
Vamos parar, no fim, a um ceu claustral.
Isso — fecharem-me — não quero eu,
Nem com Deus e o que é seu
Que o estar fechado faz-me mal
Até na beatitude do teu ceu,
Entre os santos do paraíso,
(A liberdade Deus dá a Deus —
Um Deus que não sei se é o teu)
O estar fechado, aqui ou ali, dizia eu
Faz-me terriveis cocegas no juizo.

Enfim, que direi eu de ti, amigo,
Que não seja uma coisa morta,
Anti-popular, gongorica,
Por fruste deselegante,
Como de quem, sem saber nada. exhausto.
Começo por duvidar bastante,
Desculpa-me chaveiro antigo,
De que tivesses existencia historica.

Mas isso, é claro, não importa
Se nos trazes
A alegria da singeleza
Ou a bondade que não sabe ter tristeza.
O peor é que nada d'isso fazes.
O teu semblante é duro e cru
E as barbas que roubaste ao Deus que tens
Só arrancam aos dandies teus loquazes
Ditos de dandies cinicos desdens.
Que diabo, és uma série de ninguens
O Santo são as chaves, e não tu.

Para uns és S. Pedro, o grão porteiro
Para outros as barbas já citadas,
Para uns o tal fatidico chaveiro
Que fecha à chave as almas sublimadas.
Para uns fundaste a Roma do Papado
(Andavas bebado ou enganado
Ou esqueceste
O teu Mestre quando o fizeste)
E para outros enfim, como é o povo
E segundo as ideias que elle faz,
És quem lhe não vem dar nada de novo —
Umas barbas com S. Pedro lá por traz.

É diffcil tratar-te em verso ou prosa,
Tudo em ti, salvo as barbas, é incerto.
Tudo teu, salvo as chaves, não tem ser.
E a alma mais humilde é clamorosa
De qualquer coisa que se possa ver,
Em sonho até, qual se estivesse perto.

Olha, eu confesso
Que nunca escreveria
Este vago poema, em que me apresso
Só para me ver livre do teu nada,
Se não fosse para dar o cunho
A este livro da trilogia
(Santo António, S. João, S. Pedro -
De popular, que bem que sôa!)

Mas por que diabo de intuição errada
É que vieste parar a Junho
E a Lisboa?

Isto aqui ainda tem
Um sorriso que lhe fica bem,
Que até, até
No teu dia,
(Ó estupor velho
Com um chavelho,)
Nas ruas

O povo anda com alegria
É fé,
Não em ti nem nas barbas tuas
Mas no que a alegria é.

Olha, acabei.
Que mais dizer-te, não sei.
Espera lá, olha.
Roma, fingindo que viceja,
Lentamente se desfolha.
Um gesto volvente e mudo
Teu ultimo gesto seja.
Se tens poder milagroso,
Se essas chaves abrem tudo,
Deixa esse ceu lastimoso.
Deixa de vez esse céu,
Desce até à humanidade
E abre-lhe, enfim no mundo gesto teu,
As portas do Inferno, e da Verdade.

Fernando Pessoa
"Foram escriptos, todos os três, no dia 9 de Junho de 1935"


(Almada Negreiros)
Pessoa, Fernando (1994), Os Santos Populares. Lisboa: Edições Salamandra. 

alcachofra


A alcachofra, símbolo da ressurreição da Natureza, é (ou era) a mais utilizada pelas raparigas em práticas  «de sortes» divinatórias. Chamuscada nas fogueiras de São João, à meia-noite, e posta ao relento, se no dia seguinte reflorescesse  indicaria  que se era correspondida nos amores.

Jorge Barros e Soledade Martinho Costa (2002), Festas e Tradições Populares: Junho. Lisboa: Círculo
de Leitores.



[ «Manda a tradição que se queime a sua flor durante o solstício de Verão, pois uma vez mergulhada em água fria voltará a florir. Das cinzas às cinzas, a alcachofra manifesta em si o eterno retorno, a negação da morte, a ressurreição. » ]