sábado, 19 de agosto de 2017

António Carneiro - As algas




António Carneiro, Contemplação, 1911




Quanto tempo vogaram, embaladas
No seio profundíssimo do mar...
E, ao rolá-las na praia, a soluçar
Fica a onda de as ver abandonadas...

A novo beijo da água, de mansinho
As algas se insinuam, no desejo
Saüdoso de voltar; e, num harpejo,
Despede-as o mar, devagarinho...

Fonte de vida eterna, inexaurível,
Sendo só com a vida compatível
— A desse grande túmulo: a Terra,

Voragem pertinaz, assustadora,
Vai o mar rejeitando, hora por hora
Mortes que fez, as mortes que ele encerra.

António Carneiro, Solilóquios: Sonetos Póstumos, 1936.



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