domingo, 7 de agosto de 2011

A Moura do Poço



Alentejo profundo, planicie extensa, charneca silenciosa e lugubre.
 A’ beira de um caminho ha perto de Extremoz, na aldeia historica de Santa Victoria do Ameixial, um poço de alto bordo e de fundo negro.
 Perto do poço ficam as ruinas de uma herdade antiga, que os Romanos por alli fizeram e engrandeceram.
*
 Ha quanto tempo lhe chamarão a este o Poço da Moura?
*
 Aquellas ruinas foram de Mouros, — diz-se. Quem sabe se os Mouros, ao invadir a terra, se apoderaram da herdade romana? Quem sabe se, uma vez senhores de ella, a destruiram depois, quando de ella foram desapossados!
 Fosse como fosse, a Moura do Poço para alli ficou presa no encanto.
 De dia ninguern a vê. A agua vem por vezes até a base da bocca do poço. Outras vezes, aguas baixas, echôa lá dentro o ruido dc fóra. E’ a Moura a chorar a desgraça de se vêr só.
 De noite, a pobre encarcerada sae. Ouve-se então o barulho arrastado e frio de uma corrente de ferro. A Moura está presa ao poço por uma corrente pesada, para que não fuja e o seu martyrio seja ali.
 Então chora. Passa a eternidade do encanto a chorar, como a fonte que corre sem parar. Chora e suspira.
*
 Uma noite passava no caminho um homem. ia só. Eram deshoras e a noite estava escura. Perto do poço corre de inverno um rego de agua, e o caminho galga-o em um viaducto. Passava o homem nesse lugar, quando ouviu chorar álguem, que entremeava os soluços com suspiros. Pareceram-lhe indicios de mulher.
 — Quem está ahi? — preguntou elle.
 Ninguem lhe respondia. Parou. Firmou a vista, e suppôs avistar, junto do poço, em um bloco de marmore a servir-lhe de assento, o vulto gentil de uma mulher vestida, de branco.
 — Quem está para ahi? — interrogou elle de novo, por ver que o choro continuava.
 Resolveu-se por fim a descer do caminho para o campo marginal, onde estava o poço, e que era mais baixo que o nivel do caminho. Desceu em direcção do poço. Mas o vulto ergueu-se silenciosamente, como nevoazita branca e leve a desprender-se da terra, ao nascer o dia, e ele ouviu o arrastar frio e irregular de corrente de ferro pelo chão secco.
 — Quem está ahí? — preguntou elle ainda.
 O vulto branco desappareceu. A corrente batia com força maior de chocalhar de ferros, de encontro á pedra. Chegado ao pé do poço, o homem não viu por onde o vulto da mulher se escondêra. Approximou-se mais e debruçou-se do bordo alto do poço a olhar para dentro.
 O suspiro mais sentido e profundo, mais chorado e sentido, ouviu o elle naquelle momento. Vinha do fundo do poço, negro como a noite. Uma cobra subia. O homem fugiu.
 Era a transformação da Moura em cobra, para metter medo ao homem, e desencantar-se ella, se o não conseguisse amedrontrar? Ou era o guarda fiel da Moura, que o pae ou um irmão para alli deixára encantada?
 Ninguem o saberá dizer. O homem atemorizou-se, e fugiu para a estrada.
 Um grito agudo de mulher assassinada cortou o silencio da noite. E o homem ouviu ainda o baque pesado de um corpo na agua do poço. A noite continuou negra, escurissima, sem um soluço de compaixão pela desgraçada tragedia.
*
 Quando acabará o encanto da Moura? Vive a chorar, a pobrezita! Ninguem sabe que encanto é o seu!
*
 O homem correu, fugiu, como se atrás de si fosse continuamente sentindo aquelle grito atroz, que lhe atravessou a alma, e lhe gelou o sangue.
 E todas as noites, á meia noite, um grito de dôr se ergue, sem que ninguem saiba de onde, embora todos digam que do Poço da Moura, e corre pela charneca infinda, causando calefrios aos que pelos casaes estão ainda acordados.
 Dizem que ao homem embranqueceu o cabello naquella noite, e nunca mais elle teve serenidade e sossêgo em vida. Era sempre o grito, na noite escura, atrás delle, que fugia do poço pavoroso. E o arrastar frio e lento de cadeias pode ser ouvido por quem á noite passe ao pé do tanque, altas horas, na estrada de Santa Victoria do Ameixial á velha e branca villa do Cano.

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